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Comunidade escolar cobra volta do Ensino Médio regular durante o dia

Escolhida como cobaia para adoção do tempo integral, escola em Betim tem aumento de evasão e pede socorro.

11/11/2022 - 20:28
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O retorno do Ensino Médio Regular durante o dia, investimentos urgentes na melhoria da infraestrutura predial e de equipamentos e a regularização fundiária foram as principais reivindicações apresentadas nesta sexta-feira (11/11/22) pela comunidade da Escola Estadual Vinícius de Moraes, situada no Bairro Jardim das Alterosas/2ª Seção, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Os pedidos foram feitos durante visita da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), representada por sua presidenta, a deputada Beatriz Cerqueira (PT). Alunos, pais e mães e servidores da educação se reuniram com a deputada para reforçar as críticas sobretudo à adoção forçada, sem consulta prévia ou qualquer tipo de adequação, à chamada Modalidade de Tempo Integral (MTI).

Essa modalidade atende às diretrizes federais do Novo Ensino Médio, mas obriga os estudantes a permanecerem na escola por mais de nove horas por dia, dificultando a vida daqueles que já estão ou pretendem se inserir no mercado de trabalho para ajudar financeiramente os pais. O Ensino Médio Regular foi mantido apenas no turno da noite e os estudantes, além da escassez de vagas, ainda são obrigados a conviver com a ameaça da violência na região.

Currículo inadequado para o Enem

Além disso, os alunos também se queixam da grade curricular, pois a maioria das 22 disciplinas que são obrigados a cursar no Ensino Médio Integral sequer contribuem, na avaliação deles, para a preparação dos que pretendem se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e assim tentar uma vaga no ensino superior.

“Temos uma aula de Física e Química por semana. Não dá pra aprender nada assim. Diminuíram as aulas de Língua Portuguesa e de Matemática. E temos aulas que nada agregam nos nossos planos, como Tutoria, Projeto de Vida e Introdução ao Mundo do Trabalho. Nos prometeram que teríamos também um curso técnico e até agora nada. Nem Internet nós temos. O resultado disso é que quem pode está indo para outras escolas. Quem não pode está mesmo é abandonando os estudos”, relata Maira Rodrigues, 16 anos, aluno do 1º ano.

O desabafo dela é uma unanimidade entre os estudantes, que usaram os murais da instituição para se expressarem com frases como “Não deixe nossa escola morrer”, “Nossa escola pede socorro” e “A Escola que queremos”, acompanhados de bilhetes com as principais reivindicações. Os alunos também escreveram cartas que foram entregues à deputada Beatriz Cerqueira.

Evasão da escola é recorde em 2022

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Um dos murais da escola exibem números que comprovam a evasão escolar após a adoção da MTI. Em 2016, a instituição tinha 659 alunos matriculados no Ensino Médio Regular e na Escola Jovem Adulto (EJA). Em 2017, eram 645, em 2018, variou para 252 e, em 2019, foi de 654.

Mas logo no primeiro ano do Ensino Médio Integral, que forçou quem não queria esse modelo a ir para o turno noturno ou para fora da escola, o número de estudantes matriculados caiu para 407. Em 2021, com o ensino remoto na pandemia, os matriculados foram 497, mas, neste ano de 2022, chegaram ao menor patamar, com apenas 320 estudantes.

“Não tivemos escolha. Nós até acreditamos na filosofia da MPI, que é muito bonita, mas a realidade se mostrou bem diferente”, aponta a diretora da Escola Estadual Vinícius de Moraes, Hivana Martins Sabak, que comanda a instituição desde 2012 e reconhece nunca ter visto os estudantes tão preocupados com seu futuro.

3º Ano praticamente vazio

“O 3º Ano está praticamente vazio e quem ainda não saiu está só esperando 2022 terminar. Isso é muito triste”, reforça Maira.

É o que também teme Pedra Ednéia Mendes da Silva, mãe de outro aluno do 1º Ano do Ensino Médio integral. "Ele é muito estudioso, mas já está desanimando. Fica muito tempo na escola para nada e está preferindo fazer um curso profissionalizante. Se pudesse estudar em meio horário já poderia trabalhar também”, diz.

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“Já tivemos 16, 17 turmas de Ensino Médio pela manhã, hoje são apenas quatro. Essa modalidade não atende a realidade dos alunos da região, pois muitos precisam trabalhar. Escolheram algumas escolas para esse teste, mas na verdade estão matando nossa escola aos poucos”, denuncia a professora de Filosofia, Michelle Fonseca.

Sem infraestrutura, mas cheia de goteiras e gatos

E não bastasse esse imbróglio pedagógico, a instituição ainda sofre com o abandono por parte do Executivo estadual. Ela ocupa um terreno anexo a uma escola municipal cedido pela Prefeitura de Betim, ato que sequer foi regularizado entre as duas esferas de poder. Esse limbo jurídico, conforme reclamam os membros da comunidade escolar, dificulta que a escola receba os investimentos necessários, sobretudo com relação à infraestrutura.

Na vistoria que a deputada Beatriz Cerqueira fez às dependências da escola o que se viu foram pisos precários, mobiliário danificado ou inadequado, uma quadra improvisada que coloca em risco a saúde dos adolescentes, salas sem ventilação e com goteiras e até mesmo uma infestação por gatos.

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Na biblioteca simples estão precariamente armazenados há quase um ano, ainda em caixas, 30 computadores à espera de que um dia um técnico da Secretaria de Estado da Educação os coloque em funcionamento. A informação da direção da escola é de que, mesmo que tivessem recursos para contratar alguém para fazer isso, não foram autorizados a tomar essa iniciativa. Lá na biblioteca também estão dezenas de caixas de apostilas da MTI que, segundo avaliam os professores, são inadequados para o ensino dos conteúdos propostos.

Audiência vai discutir adoção forçada

Beatriz Cerqueira reforçou aos alunos, pais e servidores que a Comissão de Educação vai pressionar o Executivo, por todos os meios que o Poder Legislativo dispõe, para que tome providências imediatas para resolver todos os problemas apontados pela comunidade escolar.

Sobre a adoção forçada e sem preparação do Ensino Médio Integral, ela anunciou que uma audiência pública deve ser realizada até o final do mês, na sede da ALMG, para ouvir relatos semelhantes em escolas de todo o Estado e articular uma reação contra o que ela classifica como “inaceitável”.

“O erro aqui é todo do Estado, que precisa entender a realidade de cada comunidade escolar para que coexista Ensino Médio Integral e Ensino Médio Regular durante o dia. É fundamental que o Estado não seja o promotor da exclusão da juventude da escola pública, como vimos aqui”, afirma a parlamentar.

Abismo que só cresce

Ainda segundo Beatriz Cerqueira, a situação vivenciada pelos estudantes da Escola Estadual Vinícius de Moraes é, ao não ter acesso a todo o conteúdo do currículo, uma prova clara que o Executivo atua para agravar o abismo entre o estudante da escola pública com relação ao da rede particular.

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“Existem escolas públicas que funcionam assim, com as duas modalidades durante o dia. Por que aqui não pode ser assim também? Quem lida com educação precisa no mínimo saber ouvir, mas eles preferem primeiro colocar a culpa de tudo o que dá errado nos profissionais de educação”, critica a deputada, que cobrou ainda um planejamento mais eficiente de investimentos na infraestrutura das unidades.

Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia - visita à Escola Estadual Vinicius de Moraes, em Betim
A falta de opção, para os alunos, de fazer a matrícula em apenas um turno tem afastado os jovens do ensino médio da escola TV Assembleia
Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia - visita à Escola Estadual Vinicius de Moraes, em Betim
“Me sinto como aqueles músicos da banda do Titanic, vendo o navio afundar sem poder fazer nada."
Michelle Fonseca
Professora de Filosofia
“Se o que tem aqui não atende nem mesmo o Ensino Médio Regular, como decidir do nada que do dia pra noite ele passe a ser integral?”
Beatriz Cerqueira
Dep. Beatriz Cerqueira

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