Comunidade critica municipalização de escola em Sericita
Participantes de audiência consideram temerário repasse de alunos para o município, principalmente por causa dos custos adicionais.
28/04/2025 - 20:07Supostas irregularidades e falta de transparência no processo de municipalização da Escola Estadual Clélia Bernardes, no Município de Sericita (Zona da Mata), foram criticados em reunião da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Durante audiência pública solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidente da comissão, e pelo deputado Betão (PT), na segunda-feira (28/4/25), autoridades e representantes da comunidade escolar do município debateram o projeto Mãos Dadas, do Executivo, que prevê a municipalização das escolas estaduais de ensino fundamental.
A implantação do Mãos Dadas em várias cidades do estado tem sido debatida pela comissão desde que o projeto estadual foi criado, em 2021.
Os dois parlamentares concordam que a proposta, que sempre acarreta gastos adicionais para os municípios, nunca é discutida suficientemente pelas comunidades escolares. Daí, a comissão trazer o debate para a ALMG como forma de alertar a todos sobre os impactos negativos dessa transferência de responsabilidade.
Beatriz Cerqueira e Betão lembraram que, na última semana, professores de Sericita participaram de outra reunião da comissão, que originou a audiência desta segunda (28). “Eles trouxeram situações gravíssimas enfrentadas pela categoria”, informou a deputada. “Esse mesmo processo acontece em várias cidades de Minas, ‘empurrando goela abaixo’ o projeto”, criticou o deputado Betão.
Beatriz Cerqueira (PT) lembrou que a audiência foi antecipada, porque já está marcada a votação do projeto de lei na Câmara Municipal de Sericita. Lamentando a ausência de representantes desse Poder e da Prefeitura local, ela historiou a apresentação dos projetos pelo prefeito Sebastião dos Reis.
O primeiro tratou da municipalização dos anos iniciais de Sericita, sendo que a Escola Clélia Bernardes não tem turmas para esse período, criticou a deputada. Ainda assim, o PL foi votado e sancionado rapidamente. Em 16 de abril deste ano, foi enviado ao presidente da Câmara, Raimundo Rodrigues, novo projeto corrigindo a informação, para anos finais do ensino fundamental, mas foram observados outros erros no texto. Dia 24, chegou novo projeto, que está marcado para ser votado nesta terça-feira (29).
Ao analisar o texto do projeto, Beatriz criticou a completa falta de transparência, pois não constam valores a serem pagos pelo Estado nem as finalidades dessas ações. Outro problema observado é que na escola passarão a coabitar alunos e professores das redes municipal e estadual. Em dois artigos são abordadas as obrigações do município e, logo depois, as do Estado. Ela critica o texto, entre outros motivos, por avaliar que uma lei do município não pode conter obrigações para outro ente federativo.
Por fim, alerta para os problemas que serão criados na vida dos servidores. Segundo a parlamentar, depois da municipalização, se um servidor não quiser continuar na escola ou mesmo se o prefeito não aprovar sua recolocação, terá que trabalhar em outra cidade, porque Sericita só tem uma escola estadual. Também advertiu que, do total de 36 efetivos 36 e 39 contratados, esses últimos serão todos demitidos.
Município terá que colocar mais recursos na educação
Diego de Oliveira, coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), fez um alerta: após a municipalização, Sericita terá que fazer um aporte adicional de quase R$ 5 milhões por ano para manter o atual gasto por aluno, de R$ 16 mil. Ele detalhou que atualmente a prefeitura já arca com 34% dos gastos com a educação (57% vem do Fundeb e 9% de outras fontes) e o percentual do município vai subir inevitavelmente.
O economista citou relatórios do Tribunal de Contas do Estado apontando que Sericita está em débito com a educação local. Em 2023, o órgão apontou que, na faixa etária até 3 anos, apenas 27% das crianças foram atendidas. Já entre 4 e 5 anos o atendimento escolar foi universalizado.
Ele destacou também que o município, em 2023, não pagava o Piso Nacional da educação, de aproximadamente R$ 3.800, remunerando o valor de R$ 1.732. No Índice de Efetividade da educação municipal (EGM), a cidade vem piorando: Nota C, a pior na avaliação do TCE.
Ainda de acordo com Diego de Oliveira, geralmente, as prefeituras não analisam o impacto financeiro de curto, médio e longo prazos do projeto Mãos Dadas. Apenas a de Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte) teria feito isso e verificou que haveria grandes perdas na aprendizagem para os alunos da cidade.
Governo diz pagar R$ 18 mil por aluno transferido
Armindo Magalhães, diretor da Superintendência Regional de Ensino de Ponte Nova (Mata), responsável por Sericita, informou que o governo de Minas paga R$ 18 mil por cada aluno da escola estadual absorvido pela rede municipal. Ao todo, são 365 alunos do 6º ao 9º ano, o que gerará um montante de R$ 6,5 milhões para a prefeitura local. Quanto aos servidores, são 36 efetivos e 39 contratados, totalizando 75.
Esse valor, conforme informado ao prefeito, deverá ser investido na educação, incluindo a compra de veículos, de mobiliário e outros; a construção de escolas ou creches; entre outros. Só com a compra de imóvel é que a verba não poderá ser gasta, afirmou.
Respondendo sobre a pretensa falta de transparência, Armindo Magalhães disse que, primeiramente, foi feita reunião com o prefeito, em fevereiro deste ano, para informar sobre a legislação, os procedimentos e o cronograma do Mãos Dadas.
Segundo o diretor, após esse contato, foram feitas outras reuniões, presenciais e virtuais, nas quais ele sempre se colocou à disposição da comunidade escolar. “Estou e estarei sempre pronto para esclarecimentos; fiquei surpreso de vocês falarem que não sabiam dessa possibilidade”, declarou.
Diego de Oliveira, do Dieese, avaliou que o repasse total de R$ 6,5 milhões é insuficiente para os novos gastos que a prefeitura local terá que arcar. Na sua avaliação, o governo estadual deveria repassar R$ 3,175 milhões, valor que Estado vai receber do Fundeb, PNAE e salário educação em 2025 para Sericita.
Servidores da escola alegam que não foram informados
Bárbara Chaves, assistente técnica de Educação Básica da escola, rebateu Armindo Magalhães, dizendo que, quando o primeiro projeto foi aprovado na Câmara, “choveram ligações para a Superintendência”. Ela questionou porque a SRE não fez reuniões com o Colegiado, que é composto por alunos, pais, professores e servidores administrativos. Também se mostrou preocupada com a coabitação: “Ela é desumana e não vai funcionar”.
Já o professor Valdece Abreu lamentou que a categoria não tenha sido ouvida no próprio município. “Não tivemos a oportunidade de dialogar, como estamos tendo aqui”, disse. Ele destacou os percalços que os servidores terão que enfrentar com a municipalização: “Temos servidores prestes a se aposentar, que foram pegos de surpresa”.
Ao final da audiência, Beatriz Cerqueira afirmou que a comissão deverá enviar nesta terça (29), em conjunto com o deputado Betão, ofício ao presidente da Câmara Municipal de Sericita solicitando a abertura de diálogo entre o Legislativo municipal e os servidores da escola.
A coordenadora do Sind-Ute/MG, Denise Romano, aconselhou os servidores e alunos da escola a não aceitarem a decisão sem questionamentos. “O jogo não acabou; podem contar com a estrutura do sindicato para fazer essa luta”, declarou. Ela completou que escolas de outros municípios também passaram pela municipalização sem nem mesmo a direção do estabelecimento ser informada previamente.
