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Catadoras já sentem impactos das mudanças no clima

Em debate sobre o papel das mulheres nesse contexto, a importância da categoria nas ações climáticas urbanas é destacada.

13/03/2025 - 17:45 - Atualizado em 13/03/2025 - 18:37
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“Em tempos de emergência climática, quem cuida das cidades precisa ter condições dignas de trabalho e receber por ele. E as mulheres são maioria nos galpões de reciclagem”. O apelo da catadora Marli Beraldo sinalizou a situação das mulheres no contexto de mudanças no clima, tema de debate na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (13/3/23).

Marli preside a associação de catadores de Sarzedo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e denuncia que a maioria dos galpões no Estado está “pegando fogo” com as ondas de calor, chegando a mais de 40 graus, com prejuízo para a saúde dos trabalhadores e redução de produtividade e renda.

A catadora participou do Ciclo de Debates Mulheres e Emergências Climáticas: Protagonismo, Construção da Resiliência e Justiça Climática, realizado ao longo desta quinta (13). O evento é parte da programação do Sempre Vivas de 2025, que marca a passagem do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.

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Marli dividiu apresentação com Sônia Dias, doutora em ciências políticas e especialista em resíduos sólidos, além de ativista dos movimentos de catadores. Sônia coordenou uma pesquisa com esses trabalhadores, a qual apontou que 91% deles já vivenciaram algum evento extremo como ondas de calor, enchentes e deslizamentos.

Para Sônia, as cidades estão no centro da crise climática porque concentram dois terços da população mundial, e os catadores lideram as ações de mitigação, mas são invisíveis nas pesquisas. Os dados da pesquisa, segundo ela, qualificam ações que podem se desdobrar em políticas públicas. “Uma transição justa exige que esses atores tenham fala”, afirmou.

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Marli Beraldo citou o exemplo de um galpão a ser inaugurado em Mário Campos (RMBH), onde a associação tem uma filial. Reservatório para reaproveitamento de água de chuva, placas de energia solar, telhas que protegem do calor, iluminação natural e fossas sépticas são algunas dos equipamentos presentes no prédio. “Parte dos recursos para isso veio da reparação do crime ambiental da Vale. Está sendo usado para ressignificar vidas”, pontuou.

Justiça climática passa pelas mulheres e pela defesa da vida

A defesa da vida e da dignidade foi a tônica da apresentação da professora de direito ambiental Mariza Rios, doutora e mestra em direito. Segundo ela, há duas opções de abordagem para as mudanças climáticas: a do mercado, que foca no crescimento econômico, e a da vida, que se realiza pelo cuidado com a terra, a água e a natureza.

“A vida de todos os seres está sendo rapidamente destruída pela corrida do lucro, amparado na ganância econômica e política”, pontuou. Por outro lado, Mariza lembrou que a justiça climática deve ser entendida, justamente, como os inúmeros esforços em defesa da vida. Esse processo, segundo ela, tem as mulheres com efetiva participação e deve se basear na defesa da igualdade.

Mariza também citou exemplos de mulheres que resistiram às mudanças climáticas, algumas delas antes mesmo do termo ganhar a relevância atual. “Carolina Maria de Jesus denunciava diariamente a desigualdade econômica e material que nos encurrala”, apontou a professora, citando, ainda Lélia Gonzalez e Marielle Franco.

Já a engenheira florestal Maria Auxiliadora Figueiredo trouxe a experiência das mulheres no campo, que já perderam fontes de água e de áreas para extração de frutos, lenha e outros produtos. “As mulheres cuidam da limpeza, da horta, da alimentação. E tudo isso depende de água, um dos principais temas das mudanças climáticas”, destacou.

Segundo ela, 1,7 milhão de mulheres dirigem propriedades rurais no Brasil e são invisíveis nesse contexto. “Elas sofrem com assédio e têm dificuldade de acesso ao crédito”, exemplificou. Diante das mudanças climáticas, afirmou, essa vulnerabilidade aumenta.

A deputada Ana Paula (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, avaliou que a escolha do tema relacionado às mudanças climáticas para o Sempre Vivas 2025 foi acertada. “É uma discussão necessária, urgente; e precisamos de muita estratégia para construir soluções”, afirmou.

Diversidade das mulheres deve ser considerada

O último painel do dia teve como tema as demandas das mulheres por reconhecimento, representação, reparação e redistribuição, no âmbito da justiça climática. As convidadas da mesa de debates contaram um pouco de suas histórias pessoais de vida e foram unânimes na defesa de maior participação feminina nos espaços de decisão política.

A pesquisadora Andréa Zhouri, do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG (Gesta), defendeu que a justiça climática precisa levar em consideração a diversidade de condições das mulheres, que podem ser negras, indígenas ou mães solo, por exemplo. “As mulheres não são homogêneas e são afetadas pelas mudanças climáticas de formas distintas, de acordo com sua posição na estrutura social”, alertou.

Em sua pesquisa sobre o processo de reparação pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana, ela constatou que não foram levados em consideração a diversidade das questões de gênero e os diferentes impactos do desastre sobre as mulheres. Entre os problemas que afetam as mulheres no processo de reparação, estão o acúmulo de jornadas de trabalho, conflitos familiares e adoecimento mental.

A bióloga Janaína Mendonça lembrou da importância da mobilização das mulheres para ocupar espaços de participação social. Ela frisou que, para que elas consigam chegar a esses espaços, é preciso oferecer-lhes oportunidades de formação e empoderamento. 

Janaína Mendonça defendeu a elaboração de políticas públicas com participação popular. Outro caminho apontado por ela é a educomunicação como estratégia de mobilização. Na sua avaliação, essa estratégia de comunicação precisa considerar a oralidade, como forma de ampliar seu alcance e sua assertividade.

Por fim, a ambientalista Maria Teresa Corujo, mais conhecida como Teca, lamentou que as emergências climáticas não estão sendo levadas em consideração pelos líderes políticos e empresariais. “A coisa mais importante é responsabilizar todos os agentes públicos e privados, inclusive a Organização das Nações Unidas, por não terem tomado decisões para evitar os eventos climáticos extremos”, afirmou. 

A ambientalista ainda criticou o discurso de que as pessoas precisam ser resilientes para se adaptarem à nova realidade de mudança climática. “Os governos e a maioria dos políticos estão procurando formas de engambelar a sociedade para aceitar essa situação. Enquanto isso, pseudo-soluções estão sendo construídas”, criticou.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) também questionou o discurso de necessidade de adaptação às mudanças climáticas. Ela considerou o comportamento individual importante, mas insuficiente para dar conta desse problema. “Quem é que tem que se adaptar? Se não tivermos o poder econômico, nossa adaptação é um sacrifício para que o lucro e a exploração permaneçam”, argumentou.

Sempre Vivas 2025 - Ciclo de debates Mulheres e Emergências Climáticas: protagonismo, construção da resiliência e justiça climática - Painel 1
Sempre Vivas 2025 - Ciclo de debates Mulheres e Emergências Climáticas: protagonismo, construção da resiliência e justiça climática - Painel 1

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