Avanços em inovação exigem novos modelos de ensino, alerta pesquisador
Além de maior orçamento, encontro de fórum da ALMG no Sul de Minas tem defesa de mudanças para atrair e fixar pesquisadores na era da inteligência artificial.
02/09/2024 - 17:13 - Atualizado em 02/09/2024 - 17:46Além de maior articulação entre governo, universidade, setor privado e sociedade, a inovação enfrenta hoje o desafio do imediatismo para formar e reter futuros pesquisadores, conforme destacado nesta segunda-feira (2/9/24) durante o encontro regional do Sul de Minas do Fórum Técnico Minas Gerais pela Ciência - Por um Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável.
Em palestra de abertura do evento, o pesquisador Paulo Henrique Leme, diretor de Inovação e Tecnologia da Universidade Federal de Lavras (Ufla), alertou para a necessidade de repensar modelos de ensino na era das redes sociais e da inteligência artificial (IA).
A Ufla sediou o evento regional, o quarto de um total de sete que integram o fórum, uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada em parceria com quase 50 entidades para recolher contribuições à elaboração do Plano Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação de Minas Gerais.
O pesquisador da Ufla avaliou o contexto atual, de presença das tecnologias e das redes sociais na vida dos alunos, o que, segundo ele, precisa ser considerado para preservar o capital intelectual tão necessário à ciência.
Para o pesquisador, nesse cenário de impaciência e imediatismo, a pergunta é: como despertar e manter o interesse pela ciência, por exemplo, do aluno que está no ensino médio?
Ele próprio fez um relato como professor de marketing e inovação da Ufla, para ilustrar a dimensão do desafio. “Não aguento mais corrigir trabalho de ChatGPT. Os alunos podem usar, mas como professor prático e pragmático, preciso ensinar a usar e a como entender o ‘inimigo’, precisamos pensar em como trazer a era digital para dentro da universidade”, alertou.
O diretor da Ufla avaliou que a construção de modelos novos de ensino, modelos híbridos, que usem, por exemplo, a inteligência artificial, é tarefa importante. Conforme anunciou, a Ufla vai oferecer capacitação em IA à comunidade universitária e ao público externo.
Ainda sobre atratividade de alunos, Paulo Leme expôs que a universidade tinha vagas ociosas na graduação e, recentemente, abriu um edital especial, voltado para alunos interessados em fazer um segundo curso e com notas válidas obtidas no Enem de anos anteriores. Segundo ele, a iniciativa foi um sucesso.
Ele advertiu, contudo, que a área da pesquisa continua tendo que provar sua relevância num mundo conectado, em que “a quantidade diária de fake news também na ciência é avassaladora”, segundo suas palavras. “É preciso aprender a jogar esse jogo para demonstrar a relevância da ciência, como foi demonstrado na pandemia e como precisa ser feito sempre”, registrou.
Orçamento público crescente e contínuo é defendido
Paulo Henrique Leme apontou ainda outros pontos de atenção rumo à inovação em Minas. Entre eles, a necessidade de proposição de projetos já pensando na transferência tecnológica e no impacto deles para a vida das pessoas e de estruturação de sistemas regionais e locais de ciência, tecnologia e inovação, o que, segundo ele, demanda maior articulação entre todos os atores.
“A inovação só existe quando a ciência encontra o mercado e a sociedade, por meio de arranjos produtivos”, lembrou. Além de investimentos públicos, conforme pontuou como fator primordial. Nesse quesito, Paulo Henrique Leme disse ter sido bem-vinda a destinação, pelo Estado, de recursos da ordem de meio bilhão para investimento em pesquisa este ano, por meio de instituições como a Fapemig.
Ele alertou, contudo, que isso ocorre depois de anos de investimentos estaduais aquém da necessidade e do potencial da área, devendo ser um processo contínuo.
O mesmo alerta foi feito por autoridades da mesa de abertura do encontro regional do Sul de Minas, tais como o reitor da Ufla, José Roberto Scolforo.
Ele também defendeu a necessidade de investimentos públicos em pesquisa serem crescentes e perenes e disse esperar que o fórum possa estabelecer uma política de estado capaz de trazer resultados mais ousados em inovação para Minas.
Engajamento do Executivo
O reitor da Ufla pontuou que o Estado tem 11 universidades federais e duas estaduais, cinco institutos federais, mais o Cefet, mas avaliou que esse patrimônio ainda é subvalorizado. “Sinto um distanciamento grande do Estado em relação a essas instituições, sobretudo com as que estão no interior”, lamentou.
Para José Roberto Scolforo, o distanciamento por ele apontado se reflete na falta de programas governamentais para solucionar problemas do Estado em várias áreas.
“Muitos entendem que em Minas mineradoras são mais importantes do que aqueles que geram conhecimento. Mas os recursos naturais acabam, e o conhecimento é perene, é ele que permite o avanço da sociedade, subindo a base da pirâmide”, frisou.
Alessandro Pereira, vice-reitor da Universidade Federal de Alfenas, endossou a fala do reitor da Ufla. “Temos em Minas potencial de inovação incalculável e invejável para os demais estados”, pontuou, também defendendo que o Poder Executivo se engaje mais nesse propósito.
Como destacou o representante do Ministério Público Stefano Boglionemas, a ciência é fator de melhoria dos indicadores de um país e da vida do cidadão, mas, na contramão dessa importância, o Brasil tem perdido cientistas
A abertura do encontro regional do fórum foi conduzida pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG.
A deputada lembrou que a ideia do fórum surgiu ainda em 2019, quando a ciência vivia um momento difícil e de pouco investimento, tendo sido o evento interrompido em função da pandemia e retomado em março deste ano.
Grupos de trabalho e propostas
Após a abertura do evento, foram constituídos grupos de trabalho para discussão de propostas baseadas em quatro eixos durante parte da manhã e a tarde toda, sendo eles:
- Estrutura da política de ciência, tecnologia e inovação no Estado
- Desenvolvimento social e qualidade de vida
- Natureza e sociedade
- Cidades inteligentes, sustentáveis e criativas
Os grupos discutiram propostas a partir de um documento base do fórum e ainda apresentaram outras sugestões. Entre novas propostas nascidas e priorizadas nos grupos do Sul de Minas está a criação de um fórum integrado por procuradores de diversos órgãos governamentais, com o intuito de aprimorar a compreensão e a aplicação das leis relacionadas à inovação e de promover a flexibilização e a desburocratização dos procedimentos para o uso de recursos financeiros voltados para a área.
Foram também propostos a pesquisa de dispositivos inovadores para captura, conversão e armazenamento de energias renováveis; o incentivo ao letramento digital no meio urbano e rural; e o estímulo do Legislativo a fundamentar projetos de lei com informações científicas quando de sua elaboração, enriquecendo o debate público e a tomada de decisões.
Ao final, os participantes escolhem representantes que vão participar da etapa estadual do Fórum, na Capital, em novembro. Uma consulta pública online está disponível no Portal da Assembleia, para ampliar a participação de interessados em contribuir com sugestões.