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Autismo ainda demanda respeito a particularidades de cada um

Alerta marcou audiência sobre TEA, quando pessoas com o transtorno e especialistas apontaram que habilidades pessoais devem ser estimuladas.

02/04/2024 - 18:03
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Compreensão acerca das particularidades de cada indivíduo e estímulo às habilidades pessoais foram medidas defendidas nesta terça-feira (2/4/24) para que sejam vencidos os desafios diários ainda enfrentados pelas pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias.

Por ocasião do Abril Azul, mês de conscientização sobre o TEA, o assunto foi debatido a pedido das deputadas Nayara Rocha (PP) e Maria Clara Marra (PSDB), em audiência realizada na Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Um dos alertas de consenso entre convidados foi o de que pessoas com TEA tidas como insubordinadas no trabalho, na verdade, não são compreendidas em suas particularidades.

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Autor de livros e artigos sobre autismo, Wálter Camargos Júnior é especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência e alertou que o tratamento isolado, e de só uma área da saúde, não é eficaz como seria uma assistência global, que leve em conta diagnóstico precoce e correto, educação respeitosa e desenvolvimento de atividades laborais.

Coordenador da equipe Autismo BH, grupo de estudos e análises sobre TEA, o médico também abordou os três níveis do espectro (1 leve, 2 moderado e 3 severo, conforme o suporte necessário) e os impactos do transtorno para as famílias.

Entre outros pontos, ele destacou que o mercado de trabalho hoje estaria basicamente recebendo pessoa com TEA quase que somente no nível 1, ao passo que há pessoas no nível 3 em alguns lugares e que trabalham bem.

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À frente da Coordenadoria Estadual da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência da Defensoria Pública do Estado, o defensor Luis Renato Arêas corroborou a fala do médico ao relatar uma vivência que teve no trabalho ao receber um estagiário, inicialmente desconhecendo que ele tinha TEA.

Como sempre fazia com os estagiários em geral, Luis Renato Arêas também repassou ao aprendiz tarefas menos complexas, mas que precisavam ser agilizadas diante do grande volume, além de um modelo de trabalho que ele deveria seguir.

Contudo, o estagiário, que não havia se adaptado em outros locais da Defensoria, não seguia o modelo, fazia as tarefas a seu próprio modo e no seu tempo. "Mas quando fui analisar o que outros colegas talvez entendessem como insubordinação, vi que suas peças eram até melhores, trazendo doutrinas e jusrisprudências novas. Em relação à produção de conhecimento, foi o melhor estagiário que tive, mas que precisou ser compreendido", relatou o defensor.

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Estado deveria ampliar olhar

O testemunho de Gabriella Vieira endossou a defesa sobre a melhor compreensão do TEA. Formada em Letras, ela conseguiu há pouco o primeiro emprego, numa empresa de consultora jurídica, e agora também passou no vestibular para Direito. 

Gabriella Vieira frisou a importância de ter nascido em uma cidade que conta com uma Apae, caso de Pedro Leopoldo (Região Metropolitana de Belo Horizonte), onde pode contar com uma assistência, segundo ela, completa.

Os problemas maiores começaram quando foi para a escola regular. "A chamada inclusão escolar me trouxe foi problemas, porque os professores não estão prontos, sofri bullying na escola e a gente acaba deixando de gostar de estudar", criticou.

Ela contou que chegou a acionar a Defensoria Pública para fazer valer o direito de ter um professor de apoio e defendeu que trajetórias como a dela precisam ser melhor compreendidas pelo próprio Estado. Isso porque, na sua avaliação, há uma concentração maior na atenção à infância, sem se levar em conta que o TEA é uma condição que perdura por toda a vida da pessoa. 

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Vencendo a invisibilidade

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Embora ainda não disponha de estudos para dimensionar com maior precisão a ocorrência do transtorno na população, o Brasil teria seis milhões de pessoas com autismo conforme estimado em 2022.

Transtorno do neurodesenvolvimento, o TEA acompanha a pessoa por todas as etapas da vida em intensidades diferentes, podendo ou não se manifestar em deficit na comunicação ou na interação social, em padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais.

"Muitas vezes elas são invisíveis aos olhos da sociedade. Então, que tenham aqui esse reconhecimento tão importante", disse a deputada Nayara Rocha sobre a audiência. Ela ainda criticou o orçamento do Estado por sequer ter citado qualquer investimento para pessoas com deficiência.

Coordenadora da Frente Parlamentar de Defesa das Pessoas do Espectro Autista, a deputada Maria Clara Marra ressaltou que o grupo tem 35 deputados signatários, que, segundo frisou, encamparam a defesa dessa mobilização para dar voz e peso àquelas pessoas que estão sub-representadas. 

Ela também avaliou que ainda existe uma grande assimetria no acesso de pessoas com TEA tanto a informação como a direitos e assistência, se comparadas a pessoas em outras condições.

No mesmo sentido, o deputado Zé Guilherme (PP) disse não se tratar de pedir favores, mas sim de exigir direitos que seriam os mesmos de qualquer cidadão.

Ele ainda destacou que os planos de saúde ainda se negam a aceitar pessoas com autismo e a pagar por serviços prestados a eles, assim como há escolas se negando a receber alunos com TEA e a ter profissionais especializados para suporte a eles.

O deputado exaltou o exemplo do médico argentino Fernando Polack, que se inspirou na filha autista e inaugurou o restaurante Alamesa, em Buenos Aires. No local, 40 membros da equipe são autistas entre 18 e 49 anos.

"Basta entendê-los e dar oportunidades, essa é a mensagem", frisou o deputado sobre o sucesso do empreendimento.

Os deputados João Junior (PMN), Vitório Júnior (PP) e Rodrigo Lopes (União) também ressaltaram a importância do Abril Azul e defenderam que é preciso haver garantia de investimento do Estado para efetivar políticas públicas, uma vez que muitas prefeituras estariam assumindo grande parte da assistência às pessoas com autismo. 

Vídeo
Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social - debate sobre o direito ao trabalho das pessoas com transtorno do espectro autista
"As pessoas não têm só deficiências. E muitas vezes pessoas com TEA têm habilidades maiores que as nossas, que precisam ser canalizadas."
Wálter Camargos Júnior
Psiquiatra da infância e adolescência. coordenador da equipe Autismo BH
"O Estado está pensando quase que só no autismo na infância, enquanto adultos ou pessoas já na terceira idade são vistas como pessoas difíceis, e não como tendo o transtorno."
Gabriella Vieira
Autista nível 1
Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social - debate sobre o direito ao trabalho das pessoas com transtorno do espectro autista
Áudio
A Comissão do Trabalho debateu a inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mercado de trabalho TV Assembleia

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