Audiência pública colhe sugestões para proteção aos direitos humanos
Trabalho foi iniciado em consequência do assassinato de um advogado mineiro no Estado do Pará.
13/06/2024 - 19:49Em 18 de julho de 1982, após solicitar proteção das autoridades contra ameaças a sua vida, o mineiro Gabriel Sales Pimenta foi assassinado no Estado do Pará, onde atuava como advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. Em 2022, o caso gerou uma condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil.
Um dos itens da sentença é uma determinação para que o País revise e adeque os mecanismos de proteção aos defensores de direitos humanos, como Gabriel Pimenta. Em junho de 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) instituiu o Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta, com o objetivo central de propor a criação de políticas de proteção para os defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas.
Na quinta-feira (13/6/24), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou audiência pública para ouvir sugestões de autoridades e defensores dos direitos humanos que atuam no Estado para o aprimoramento da legislação que trata do assunto, em especial o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
A reunião foi conduzida pela presidenta da Comissão, Deputada Andréia de Jesus (PT). Entre as diversas manifestações durante o debate, ela destacou a insistente cobrança pelo fim da impunidade dos agressores, algo que obriga quem defende os direitos humanos a abandonar sua luta, e os locais onde atuam, por temer atentados às suas vidas. “A cobrança por eficácia e punição é recorrente”, afirmou a deputada.
Essa cobrança foi enfatizada também por Rafael Sales Pimenta, irmão de Gabriel, o advogado assassinado em 1982. "O programa de proteção retira a pessoa ameaçada do local onde ela atua. Isso não funciona, pois o agressor permanece lá e outros serão ameaçados”, explicou Rafael Pimenta. Ele também sugeriu vincular a proteção aos defensores de direitos humanos à Polícia Federal. “As polícias dos estados não funcionam. São coniventes e muitas vezes são quem cometem os crimes”, argumentou.
Outro apelo por punição foi feito por Fernanda Perdigão de Oliveira, integrante do Paraopeba Participa, que atuou na defesa de famílias atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
A superintendente de Promoção, Proteção e Participação Social da Subsecretaria de Direitos Humanos, Mariana Ferreira Bicalho, uma das representantes do Governo do Estado na reunião, afirmou que existem hoje 89 pessoas incluídas no programa de proteção aos defensores de direitos humanos em Minas Gerais.
Ela considera o número muito alto e acrescentou que 23 outras pessoas estão em análise para inclusão no programa, que hoje abrange 48 municípios. Segundo Mariana Bicalho, o problema afeta cada vez mais pessoas de comunidades tradicionais, como quilombolas. “Não retiramos a pessoa do local, mas buscamos formas articuladas para garantir a atuação do defensor”, afirmou.
Demanda por mais recursos é consensual
Outro consenso entre os participantes da audiência pública foi a necessidade de ampliar os recursos destinados à proteção dos defensores dos direitos humanos. “Desde 2019, quando se deu o rompimento da barragem, a média de investimento é R$ 1,7 milhão para atender quantos defensores, em quantos municípios?”, criticou Fernanda Perdigão.
A diretora de políticas de proteção em Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Érika Pretes, citou outros valores. Segundo ela, o orçamento da área é hoje de R$ 5,97 milhões, sendo que 60% do recurso vem do governo estadual e o restante do governo federal.
Érika Pretes explicou, no entanto, que esses recursos estão vinculados a convênios e termos de colaboração e podem ser interrompidos. Ela sugeriu que uma nova política nacional crie uma nova forma de financiamento mais permanente, como, por exemplo, um fundo específico de recursos públicos.
Outra cobrança muito repetida pelos participantes da reunião é pela necessidade de apoio psicológico para os defensores de direitos humanos. “Quem está adoecido mentalmente não consegue lutar”, afirmou o representante do movimento nacional de Direitos Humanos Lucas Teles.
Ele também reivindicou a reativação da Comissão da Verdade e da Comissão de Mortos e Desaparecidos no período da ditadura militar. Essa cobrança também foi feita por Jurandir Cunha, um sobrevivente do massacre de Ipatinga ocorrido em 1963, quando funcionários da Usiminas, revoltados com as condições de trabalho, foram reprimidos por militares.
A vereadora Damires Rinarlly, do Município de Conselheiro Lafaiete (Central), cobrou tanto mais recursos orçamentários quanto penas mais efetivas contra os agressores dos direitos humanos. Ela disse ter sido obrigada a mudar de casa por causa de ameaças.
Waldeci Campos de Souza, da Comissão Pastoral da Terra, sugeriu que ameaças e agressões a defensores de direitos humanos sejam consideradas crimes inafiançáveis, sujeitos a prisão preventiva.
Já Antônio Cosme das Neves, representante da comunidade Baú, de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, reivindicou que o núcleo familiar dos defensores de direitos humanos seja incluído nos programas de proteção. Também cobrou a criação de uma casa de apoio em Belo Horizonte para receber famílias ameaçadas.
A chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Marcilene Aparecida Ferreira, garantiu que todas as sugestões apresentadas serão analisadas.
Uma das integrantes do GTT Sales Pimenta, Letícia Souza, informou que as audiências públicas para coleta de sugestões continuam em julho e agosto, abrangendo quatro eixos temáticos: proteção popular, institucionalidade protetiva, investigação e responsabilização, e medidas protetivas e de reparação. A meta é concluir o trabalho para elaboração do anteprojeto de lei até novembro de 2024.
