Ativistas defendem fortalecimento de trabalho em rede para combater violência contra mulheres
Participantes de audiência pública querem articulação entre Estado e sociedade e mais recursos destinados às políticas públicas
05/12/2023 - 19:55Fortalecimento das redes de atendimento e proteção às mulheres, ampliação dos recursos no Orçamento do Estado e mudança na gestão de assistência, com um serviço multissetorial e articulado entre as diferentes instâncias que trabalham com o segmento. Esses são os principais pontos para um enfrentamento mais eficaz à violência contra mulheres que foram defendidos por participantes de audiência pública, realizada nessa terça-feira (5/12/23), pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A presidenta da Comissão, deputada Ana Paula Siqueira (Rede) lembrou que, em 2022, o Brasil registrou um recorde de feminicídio, com 1.437 vítimas. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam, ainda, que em Minas Gerais o aumento de casos foi de 11% e o crescimento de estupros de 14,9%. “O Estado brasileiro tem falhado em proteger nossas meninas”, lamentou.
Ana Paula Siqueira criticou a falta de prioridade de políticas públicas para mulheres em Minas Gerais, lembrando que o Estado é o único que não possui uma secretarial estadual para tratar do tema. A administração mineira conta com a Subsecretaria de Política dos Direitos das Mulheres, dentro da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese). Segundo ela, o órgão, no entanto, não tem recurso próprio.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) também reclamou que o governo estadual tem obstruído o trabalho que vinha sendo realizado pelos conselhos dos direitos da mulher. Acrescentou que também há um desmonte do trabalho dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Especializados de Assistência Social (Creas), importantes instrumentos de atendimento a mulheres vítimas de violência. “Há um esvaziamento de políticas sociais”, afirmou.
Violência contra a mulher tem fatores multidimensionais
Foi consenso entre participantes da audiência pública que a violência contra a mulher tem origem em fatores complexos e multidimensionais, como culturais e psicossociais, que demandam intervenções específicas e atuações articuladas entre os diferentes equipamentos públicos de proteção à mulher.
Bella Gonçalves advertiu para a relação entre o aumento dos casos e a desigualdade social e a violência disseminada em nossa sociedade, ressaltando a cultura machista entre os homens. “A atividade minerária acompanha o aumento da violência contra a mulher”, exemplifica.
A educadora social Izabela de Faria Miranda, da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Rede/MG, cofundadora da Indômitas Coletiva Feminista e Conselheira Municipal dos Direitos das Mulheres explicou que é preciso enfrentar outros tipos de violência e mudar a cultura. Ela defende mais investimento na prevenção, incluindo atenção aos meninos periféricos, que crescem em climas violentos e tendem a repetir a conduta violenta na fase adulta.
A necessidade de reflexão mais profunda sobre as causas e uma ação mais articulada entre os diferentes órgãos e representantes da sociedade civil também foram destacadas como urgentes por todas as participantes.
Titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Diamantina, a delegada Kiria Silva Orlandi, disse que existem apenas 79 delegacias de mulheres entre os 853 municípios mineiros, e apenas uma com funcionamento 24 horas. Por isso, o atendimento às mulheres é realizado, muitas vezes, por delegacias de plantão ou por policiais militares.
A delegada afirmou que a polícia representa a porta de entrada para o atendimento público a muitas vítimas de violência. Para assegurar um atendimento mais completo às mulheres, ela defende diálogo e articulação entre as forças de segurança e outros órgãos, como nos setores de saúde e de assistência social. “Não é possível desintegrar esse corpo (da mulher). Tem que pensar nele como um todo, que é indivisível: a integridade física, a psicológica, a sexual”.
Na opinião da pesquisadora Carla Bronzo Ladeira, professora da Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, as políticas setorizadas não conseguem atender toda a complexidade do ciclo de violência. “Precisamos de uma mudança de paradigma: não é mais o silêncio, é o diálogo; não é cada um fazer o seu, mas junto”.
Pesquisadora da Fundação João Pinheiro, Ana Paula Salej Gomes completou que também é importante o envolvimento da sociedade organizada na condução dessas políticas públicas, no formato de redes. “Intersetorialidade é sentar junto para planejar. O Estado não resolve sozinho, passa também pela sociedade”.