Atenção às pessoas com doença falciforme é destaque no Julho das Pretas
Objetivo é dar visibilidade a essa doença crônica que acomete, sobretudo, a população negra.
11/07/2024 - 18:24Dos pacientes acompanhados pela Associação das Pessoas com Doença Falciforme de Minas Gerais (Dreminas), 98% são beneficiários do Bolsa Família e 93% dos adultos não concluíram o ensino fundamental. A relação entre a doença e a vulnerabilidade social é direta, em função do seu caráter incapacitante. Mas também há uma relação racial: 95% desses pacientes são negros.
“São seis meses ou um ano de internação. Não há transplantes para todos e nem o medicamento (hidroxiureia). A realidade das pessoas com doença falciforme é de dor 24 horas. Ainda somos considerados preguiçosos e viciados em morfina”, desabafou Maria Zenó Soares da Silva, presidenta da Dreminas e coordenadora da Fenafal, a federação que reúne os pacientes.
O tema foi debatido nesta quinta-feira (11/7/24) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), dentro da programação do chamado Julho das Pretas, que celebra, no Brasil, o Dia da Mulher Afrolatino-Americana, Afrocaribenha e da Diáspora, em 25 de julho.
Em todo o País, a temática da doença falciforme será o foco das discussões. O distúrbio faz com que os glóbulos vermelhos do organismo fiquem deformados e se tornem escassos, causando anemia e dor.
Maria Zenó aponta uma falta de entendimento sobre a doença no SUS e, sobretudo, na rede privada. Ela citou o caso de um adolescente que acabou morrendo em Rio Branco (Região Central) pela demora no atendimento. “Ele estava com dengue, uma intercorrência gravíssima para quem tem doença falciforme. Já perdemos muitas pessoas para a dengue”, afirmou.
Segundo a presidenta da Dreminas, em Belo Horizonte, o fluxo assistencial aos pacientes é considerado bom, mas cabe avançar no restante do Estado. Ela sugeriu uma proposição que reforce a importância da carteirinha dos pacientes, que tem informações relevantes para o atendimento, mas segue sendo ignorada.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão, se comprometeu a dar prosseguimento a essa proposta. “Queremos uma política pública que garanta assistência a portadores da doença, com cuidados precoces”, afirmou. Além da parlamentar, também solicitaram a audiência as deputadas Macaé Evaristo, Andréia de Jesus e Leninha, todas do PT.
Legislação foi conquista em Minas, mas precisa avançar
Um avanço na legislação do Estado sobre a doença foi destacado pela deputada Macaé Evaristo: a Lei 24.767, de 2024, fruto de projeto de sua autoria. A norma trata da atenção integral à saúde das pessoas com doença falciforme e outras hemoglobinopatias no SUS. Ainda assim, de acordo com a parlamentar, é preciso avançar mais.
Em entrevista à TV Assembleia, a deputada citou que, em Minas, o teste do pezinho garante o diagnóstico da anemia falciforme ou de traços da doença. “Mas se o teste é positivo, a pessoa tem que ter atenção por toda a vida”, afirmou. Segundo ela, a doença crônica tem várias intercorrências e é pouco compreendida no campo educacional, levando à evasão escolar dos pacientes.
Já Andréia de Jesus salientou que a audiência pode subsidiar o Estatuto da Igualdade Racial, que está sendo discutido em um seminário pela ALMG. “É difícil pensar na saúde integral dos negros porque nem mesmo o SUS conseguiu garantir o atendimento humanizado aos negros”, pontuou. Já Leninha enviou vídeo com mensagem às participantes.
Racismo
O racismo na medicina foi destacado também pela assistente da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Lindacy Silva Assis. Ela citou a baixa de hemoglobina, muita vezes apontada como preguiça. Portadora da doença falciforme, Lindacy trabalha no hemocentro justamente com o cadastro desses pacientes. Para ela, é preciso entender a doença e fortalecer a causa.
"Ser mulher é difícil. Ser mulher negra, mais ainda. E ser mulher negra com doença falciforme, piorou. Mas temos que falar de nossa potência. Temos uma história de luta que não pára", afirmou. Em Pernambuco, de acordo com Lindacy, a política de atenção à pessoa com anemia falciforme foi implantada em 2005.
Já a médica coordenadora-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Joice Aragão de Jesus, lembrou o trabalho para implantação de políticas voltadas para as pessoas com doença falciforme no Rio de Janeiro e em nível nacional, do qual participou. As questões relativas à doença, segundo ela, eram tratadas na Anvisa e não havia nenhum protocolo no Ministério.
"A realidade no Brasil ainda é de construção, de luta pelo atendimento imediato, pelo uso de morfina e contra o racismo", definiu. Maria Zenó citou também a subnotificação da doença. O Ministério da Saúde, segundo ela, contabiliza 30 mil doentes, enquanto a Fenafal tem 64 mil. A expectativa da ativista é de que sejam 300 mil no País.