Assembleia reúne forças contra despejo da União Auxiliadora dos Cegos
Dívida fiscal fez entidade perder o imóvel que ocupa há 70 anos no Bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte.
29/11/2024 - 19:01O que vale mais? A cobrança de uma dívida fiscal com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou a obrigação do Estado, prevista em lei, de apoiar a criação e a manutenção de moradia para a vida independente da pessoa com deficiência? Essa foi a questão discutida na sexta-feira (29/11/24) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que tenta negociar uma alternativa para evitar o despejo da União Auxiliadora dos Cegos de Minas Gerais, localizada no Bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte.
Criada em 1955, a União Auxiliadora dos Cegos teve sua sede leiloada em decorrência de um processo judicial para cobrança de uma dívida trabalhista e previdenciária acumulada pela instituição nas décadas de 70 e 80. Agora a entidade está sob ameaça de desocupação compulsória do imóvel.
Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, a deputada Bella Gonçalves (Psol) solicitou a realização da audiência pública e defendeu a criação de uma instância de negociação que viabilize o perdão da dívida da União Auxiliadora dos Cegos e o cancelamento do leilão.
“Vocês exercem uma função social há 70 anos”, argumentou a deputada, ressaltando que o trabalho assistencial realizado pela entidade desde a década de 50 não pode ser ignorado. Ela também criticou o fato de o imóvel ter sido vendido por R$ 700 mil, ainda que seu valor estimado de mercado seja de R$ 5 milhões.
A reivindicação de perdão da dívida e reversão da venda do imóvel foi defendida sucessivamente pelo presidente da União Auxiliadora dos Cegos, Renato Ferreira Jesus, pelo ex-presidente Jerônimo Alves da Rocha e pelo vice-presidente Sebastião Feliciano dos Santos. “É um governo que prega a democracia e a gente não vê isso, porque a inclusão faz parte da democracia”, criticou Renato Ferreira.
Lei Brasileira de Inclusão prevê apoio à pessoa com deficiência
O argumento foi reforçado pelo defensor regional de Direitos Humanos em Minas Gerais da Defensoria Pública da União, João Simões. SEgundo ele, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em seu artigo 31, estabelece que o poder público adotará programas e ações estratégicas para apoiar a criação e a manutenção de moradia para a vida independente da pessoa com deficiência.
João Simões defende que a União não pode privilegiar a cobrança de um crédito financeiro em detrimento da dignidade humana. “Mesmo agindo licitamente, o Estado consegue praticar uma violação de direitos humanos”, avaliou ele.
Conselheiro e advogado da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza, Joviano Maia Mayer ressaltou que vivem no imóvel em disputa cerca de 10 pessoas, muitas idosas e negras, além de deficientes visuais.
Um dos moradores é Juvenal de Jesus, que em fevereiro de 2025 completará 45 anos vivendo na União Auxiliadora. “A casa é nossa e o governo tem que compreender isto. A gente só sai de lá quando morrer”, disse ele.
Alguns dos participantes procuraram valorizar o trabalho já realizado pela entidade, que chegou a ter 12 profissionais de saúde. “Essa casa tem 70 anos e já acolheu mais de mil pessoas com deficiência visual. Pessoas de todos os estados do Brasil”, afirmou Frei Gilvander Moreira, assessor da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais.
As palavras do Frei foram reforçadas por um grosso maço de fichas de ex-moradores da União Auxiliadora, exibido pela tesoureira e secretária da Casa-Lar dos Cegos de Minas Gerais, Amanda Rosa Silva de Oliveira.
A vereadora Cida Falabella (Psol), de Belo Horizonte, cobrou envolvimento da prefeitura na luta em favor da entidade. Ela ressaltou que a instituição tem condições de expandir sua capacidade de acolhimento e pode ainda se tornar um centro de produção cultural, se tiver apoio.
Ministério da Cidadania e Direitos Humanos promete apoio
Participando da reunião por meio de videoconferência, a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Anna Paula Feminella, disse que a pasta comandada pela ex-deputada estadual Macaé Evaristo irá interceder em favor da União Auxiliadora dos Cegos.
Diante de um apelo da deputada Bella Gonçalves, a secretária nacional se comprometeu a buscar uma negociação direta entre a entidade mineira, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o INSS e a Advocacia Geral da União (AGU). “Contem conosco e com a ministra Macaé Evaristo”, prometeu ela.
Segundo a secretária, o Ministério pretende acionar o Ministério Público e a Defensoria Pública para evitar que o despejo aconteça. “São pessoas idosas, com deficiência, que correm risco de ficar em situação de rua, e isso é uma grave violação da dignidade humana”, admitiu a servidora federal.
Ao final da reunião, a deputada Bella Gonçalves afirmou que serão apresentados diversos requerimentos em apoio à luta da União Auxiliadora dos Cegos, entre os quais uma solicitação para que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional perdoe a dívida trabalhista e previdenciária e abra um processo de negociação para cancelamento do leilão de imóvel.