Assembleia debate iniciativas bem sucedidas de apoio a mulheres vítimas de violência
Audiência pública reuniu vítimas e profissionais para discutir formas de combater o problema.
27/08/2024 - 19:28“Fiquei muitas vezes como a errada da história. Diziam que era uma simples briga, mas não era. Ele podia ter me matado. Mas quando conto, é como se ele fosse a vítima, o coitado”, relatou Amanda Cristina de Freitas Bontempo durante a audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. O encontro para debater violência doméstica em referência à campanha Agosto Lilás ocorreu na tarde desta terça (27/8/24) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A motorista de aplicativo compartilhou sua experiência como vítima de agressões que começaram quando estava grávida e desempregada. Segundo Amanda, os episódios foram de demonstrações de ciúme excessivo e isolamento social até xingamentos que culminaram com um corte na cabeça.
Diante da pressão psicológica para manter o silêncio e longe de familiares, ela sofreu com crises de ansiedade e depressão. Após receber orientação de uma vizinha, registrou boletim de ocorrência e conseguiu medida protetiva. Além do atendimento da Polícia Militar, Amanda destacou o acolhimento que recebeu do Instituto Princesa Rivania.
Também participou da audiência a cirurgiã-dentista, idealizadora e presidente do Instituto Princesa Rivania, Cláudia Cristina Starling. Sua irmã passou em primeiro lugar no vestibular de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), formou-se em direito e odontologia e dedicava-se às ações de caridade, mas foi vítima de feminicídio aos 33 anos.
Como forma de homenagear Rivania e evitar que outras mulheres sofram a mesma tragédia, Cláudia decidiu criar um projeto para oferecer suporte psicológico, jurídico e social às vítimas de violência doméstica. Além das campanhas de conscientização, o Instituto realiza tratamentos de reconstrução facial.
Minas é o segundo Estado em número de vítimas
Requerente da audiência e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) apresentou dados referentes à violência doméstica. Conforme ela, 415 mulheres sofrem violência por dia em Minas Gerais, segundo estado brasileiro em número de vítimas.
“Estamos vivendo uma epidemia de feminicídio”, salientou. Segundo a parlamentar, os crimes são cometidos em todas as classes sociais, em todos os lugares, embora os dados mostrem que a maioria das vítimas são mulheres negras, em condição de maior vulnerabilidade.
Ana Paula Siqueira lamentou o alto índice de desconhecimento sobre a Lei Maria da Penha e a ausência de conselhos dos direitos da mulher na maioria dos municípios mineiros. Apesar disso, “ficar cobrando providência das mulheres é, de certa forma, uma violência”, explicou.
Vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Minas Gerais, Alaíde Lúcia Bagetto Moraes anunciou a retomada das atividades após pausa de quatro anos. De acordo com ela, são preocupantes os casos de violência entre jovens e no meio rural, onde há subnotificação.
Professora de Odontologia na Uni-BH e na UNA, Paula Carolina Mendes Santos também compartilhou sua experiência como vítima. Ela destacou que, muitas vezes, a mulher silencia por medo do julgamento e da incompreensão.
“As pessoas perguntam ‘mas por que você não sai dessa?’ e não imaginam o quanto é difícil. A gente não sabe o impacto da nossa fala na vida do outro”. A docente promove momentos de reflexão com estudantes e sugeriu ampliar as campanhas de conscientização nas universidades.
Agressores reproduzem violência sofrida
Coordenador de grupos reflexivos para homens agressores e mulheres vítimas, Antônio José Fernandes Teixeira chamou a atenção para a necessidade de desconstruir o machismo. Questionou se o sistema prisional reeduca alguém e observou que a maioria dos agressores sofreu violência sexual.
Ao dizer que 40% das vítimas de violência doméstica são da igreja evangélica, defendeu a realização de atividades com homens que frequentam templos religiosos. “A Lei Maria da Penha não vem para destruir famílias, como muitos falam. Ela vem para construir famílias saudáveis”, afirmou.
A assessora-chefe de Relações Institucionais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Barbara Abras, mencionou as parcerias e ações coordenadas promovidas pela gestão. Citou a capacitação, por meio do protocolo de combate à violência doméstica, implementada em bares, empresas e times de base de futebol. No entanto, reconheceu a necessidade de capilarizar o atendimento às vítimas.
A major Flávia Augusto Gomes explicou que o trabalho na Polícia Militar é feito em duas etapas: registro da ocorrência e visitas às casas. Segundo ela, além de grupos reflexivos com agressores, a equipe também realiza palestras em escolas e universidades a respeito do tema.
Lei da Alienação Parental é mal usada
No fim da reunião, a deputada Ana Paula Siqueira defendeu a revogação da Lei da Alienação Parental, que, conforme ela, vem sendo usada por pais agressores para isolar crianças do convívio com suas mães, muitas vezes também vítimas do mesmo agressor. “Essa lei causa, na verdade, um grande mal para a sociedade. Trata-se de violência institucionalizada por meio de uma lei”, criticou a parlamentar.
O apontamento da parlamentar foi feito em função do testemunho de Bárbara Ferrarezi, que durante a audiência pública disse ter sido processada por calúnia pelo ex-marido e impedida de conviver com os filhos.
A Lei da Alienação Parental teria o objetivo de proteger crianças e adolescentes de interferências na sua formação psicológica por parte de um dos genitores contra o outro. A lei visa coibir situações em que um dos genitores procura afastar o outro da convivência com os filhos, seja por meio de campanha de desqualificação, seja dificultando o convívio ou utilizando outros meios.