Alerta sobre expansão do semiárido é destaque em seminário da ALMG
Deputados e especialistas debateram, em Araçuaí, o impacto das mudanças climáticas no Jequitinhonha. No primeiro encontro do evento, perspectivas apontam para altas temperaturas e menos chuvas na região.
20/05/2024 - 17:35O Município de Araçuaí (Jequitinhonha) recebeu, nesta segunda-feira (20/5/24), o primeiro encontro regional do Seminário Técnico Crise Climática em Minas Gerais: Desafios na Convivência com a Seca e a Chuva Extrema, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Nos debates realizados durante a manhã, deputados e especialistas avaliaram a realidade climática da região e discutiram soluções para os eventos extremos que já vêm ocorrendo. Também foram apresentados projetos exitosos que buscam mitigar as causas do desequilíbrio e assegurar um desenvolvimento sustentável.
Em novembro do ano passado, Araçuaí registrou a mais alta temperatura na história do Brasil, atingindo 44,8º. De acordo com o professor Alecir Moreira, do Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial, da PUC Minas, as mudanças climáticas vêm se acentuando nas últimas décadas, atingindo de formas diferentes as microrregiões do Baixo, do Médio e do Alto Jequitinhonha.
A primeira, onde se situa Araçuaí, é a que sofre com mais eventos extremos, como a seca, altas temperaturas e enchentes severas. Num acompanhamento climático nos períodos de 1961 a 1990 e de 1991 a 2020, feito pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o município registrou por várias vezes temperaturas acima da média histórica e, por outro lado, invernos mais frios. Foi registrada uma variação de 1º nas temperaturas máximas e mínimas.
O município sofre com redução no volume de chuvas, especialmente durante a primavera. Alecir Moreira explicou que o período chuvoso tem ficado menor e mais concentrado, trazendo graves problemas como enchentes e interferência nos ciclos de plantio. A umidade relativa do ar também tem se reduzido em todos os meses do ano.
Em função das alterações, que se repetem em outros municípios do Jequitinhonha, dados da Sudene e do IBGE apontam para a expansão do semiárido em direção à mesorregião do Vale do Mucuri. O número de municípios atingidos pelo clima saltou de 91, em 2017, para 126, em 2021. O semiárido é caracterizado por longos períodos de estiagem, altas temperaturas e baixa umidade relativa do ar.
Prognósticos realizados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, em 2011, segundo o professor, apontam para uma redução entre 30% e 50% do volume de chuvas na mesorregião até 2040 e aumento da temperatura entre 1° e 2°, considerando o cenário mais otimista.
Deputados criticam práticas que destroem meio ambiente
Na abertura do seminário, foi exibido um vídeo com imagens de desastres registrados em várias cidades mineiras, como enchentes, secas e geadas.
“O que vem acontecendo no Rio Grande do Sul escancarou a urgência de entendermos os problemas”, completou, ao reforçar a necessidade de se discutir soluções para a crise climática.
Tadeu Martins Leite explicou que as discussões sobre o tema tiveram início na ALMG em 14 de março, antes dos desastres no estado do Sul do País, quando representantes de 60 instituições se reuniram para planejar o seminário.
Os encontros regionais fazem parte do processo de escuta da Assembleia para produzir um diagnóstico da situação do Estado e recolher sugestões para balizar ações do Parlamento. No fim dessa etapa de interiorização, no mês de agosto, o grupo de trabalho fará um relatório com as propostas analisadas.
Além do presidente, outros parlamentares presentes ao seminário ressaltaram a importância de mudar a forma de explorar os recursos e buscar soluções para mitigar os danos já causados na natureza e os desastres que ainda estão por vir.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) criticou o recuo em relação à legislação ambiental. Segundo ela, no Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite flexibilizou mais de 500 pontos nas exigências. “Precisamos ter uma legislação que proteja os territórios, imponha limites aos grandes empreendimentos, preserve a água e os recursos. Não se pode naturalizar grandes explosões, assoreamento de rios, nuvens de poeira”, afirmou a deputada.
O deputado Carlos Henrique (Republicanos) também lembrou de falhas no Rio Grande do Sul, como mau funcionamento de comportas e bombas, por falta de manutenção. “Quando o fluxo da água é comprometido com construções inadequadas, a natureza cobra e o preço é sempre muito alto”, disse.
O deputado Doutor Jean Freire (PT) alertou para o uso inadequado da água. “Já vi caminhão-pipa molhar estradas de terra e não tem água para as pessoas”, denunciou.
O deputado Gustavo Santana (PL) foi outro a defender “políticas públicas assertivas” para minimizar os efeitos da mudança do clima.
Boas práticas para reduzir danos
Ainda pela manhã, técnicos da região apresentaram programas e tecnologias que registram bons resultados na redução dos impactos da crise climática.
Assessora técnica do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene), Naiara de Oliveira Santos apresentou o projeto dos Kits Fotovoltaicos, distribuídos para comunidades que têm dificuldade de acesso à energia elétrica. São distribuídos sistemas integrados de captação e conversão de energia solar em energia elétrica, para energizar poços artesianos.
Marina Zimmerman, assessora técnica do Instituto CNA, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, falou sobre o Projeto Forrageiras para o Semiárido, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Trata-se do apoio ao cultivo de gramíneas e plantas resistentes à seca para servir como pasto e alimentação de ovinos e bovinos.
O representante da Cáritas Diocesana, Alecson Jardim, apresentou programas realizados em parceria com a Articulação do Semiárido (ASA) para melhorar a convivência com o clima. São atendidas comunidades tradicionais e agricultores em situação de pobreza, especialmente moradores de assentamento da reforma agrária.
Especialistas relatam danos ambientais, sociais e agrícolas das mudanças no clima
Na parte da tarde, especialistas falaram dos impactos negativos da crise climática para o Jequitinhonha.
A professora Larissa Bianca de Souza Quaresma, integrante do Grupo de Estudos dos Povos Indígenas de Minas Gerais, afirmou que as variações do clima reduzem a disponibilidade de recursos naturais, comprometem sua qualidade, trazem prejuízos à produção agrícola e ainda geram uma infinidade de danos sociais, um deles a migração de pessoas fugindo da seca e das adversidades.
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas, Vico Mendes fez um relato sobre a redução da vazão do Rio Araçuaí ao longo dos anos, impactada principalmente pela supressão da vegetação nativa do cerrado e pela introdução da monocultura do eucalipto na região. Ele denunciou que metade das áreas de chapadas do Jequitinhonha foram transformadas em áreas do monocultivo dessa árvore, provocando o fim de nascentes.
Segundo o professor de Manejo de Solos e Agroecologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Claudenir Fávero, a agricultura predatória contribui com 27% do aumento da temperatura.
Um dos empreendimentos que já causaram muitos danos ao Jequitinhonha, segundo o professor, é a Usina Hidrelétrica de Irapé. Além de expulsar ribeirinhos, ela oferece água com alto teor de acidez e metais pesados, com risco à saúde de pessoas e animais. Ele prevê que a acidez pode provocar corrosão da rocha onde está a usina e seu rompimento.