Advogados defendem delegacia para tratar da violência contra a classe
Em audiência na quarta (10), categoria propõe outras medidas para reduzir violações, como mapeamento do fenômeno e porte de armas.
10/07/2024 - 20:44Criar delegacia especializada de prevenção e combate ao crime contra o advogado; mapear causas e locais com maior incidência dos crimes; realizar campanhas educativas sobre o papel desse profissional; liberar, com critério, porte de armas para o criminalista; e elaborar código de conduta na relação agente público/advogado foram as principais propostas apresentadas em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (10/7/24).
Solicitada pela presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT), a reunião debateu a defesa dos direitos humanos do advogado, em especial o criminalista. Outros tópicos abordados incluíram iniciativas do poder público que garantiriam maior segurança e o livre exercício da atividade.
Para Leonardo Marques, presidente do Instituto de Ciências Penais, ao se falar em direitos humanos é preciso considerar o direito de defesa, garantido pelo advogado criminalista, que faz a interlocução entre o cidadão e o poder público. “Carregamos a missão de trazer os direitos daquele que, em razão de ser acusado de um crime, parece perder todos os outros direitos”, observou.
Bruno Cândido, presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal de Minas Gerais (Anacrim-MG), defendeu que o advogado é indispensável para a boa prestação do serviço da justiça ao cidadão, como prevê a Constituição Federal. “Infelizmente, vivemos um péssimo momento no tocante a violência no exercício da profissão de advogado”, lamentou ele, referindo-se às mortes recentes dos colegas Hudson Maldonado e Pedro Cassimiro.
Placas fazem alusão a criminalistas assassinados
Os dois advogados citados foram assassinados durante o exercício profissional, de forma bárbara: o primeiro foi queimado em Sete Lagoas (Central) e o segundo baleado no Fórum de Ibirité (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Durante a audiência, a deputada Andréia de Jesus fez a entrega a Bruno Cândido de duas placas, feitas pela ALMG e a Anacrim-MG, em homenagem aos criminalistas. As placas serão entregues às famílias dos dois.
“O que vemos é o resultado de muitas violências que geraram essas mortes, mas no dia a dia, ocorrem violências constantes”, disse Cândido. Como forma de reduzir isso, o dirigente propôs a criação da delegacia especializada de prevenção e combate ao crime contra advogados. Também defendeu a aprovação de projeto no Congresso Nacional que garante porte de arma para o advogado, afirmando que “a advocacia tem se mostrado uma atividade de risco”.
Ressalvando sua posição pessoal contrária a essa liberação, Bernardo Coelho, vice-presidente da Anacrim-MG, ressaltou que a entidade tem posição firmada a favor do porte de armas para a categoria. Ele defendeu, por outro lado, a criação de códigos de conduta dos agentes públicos no trato com os advogados e ainda, a estipulação de sanções para quem descumprir essas normas. “Isso para mim é mais eficiente do que o porte de armas para advogados”, avaliou.
Também criticou a postura de alguns policiais, parlamentares, juízes e outros profissionais que acusam advogados de serem defensores de bandidos. Essa atitude, segundo ele, tem levado a episódios de violência contra os criminalistas, que, às vezes, são algemados e mesmo vítimas de violência física por policiais. “Tudo isso gera uma resposta semelhante da sociedade, a qual precisa entender que nosso trabalho é o de garantir direitos de nossos clientes”, opinou.
Luciano Lopes, do Departamento de Ciências Penais da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil, trouxe dados de uma pesquisa de maio deste ano sobre violência contra advogados. Num universo de 20 mil profissionais, 24% das vítimas foram à OAB fazer representação contra a violência sofrida e, desse percentual, 23% receberam apoio da entidade.
Na visão dele, é necessário não apenas focar nas consequências dessa violência, mas enfatizar as causas dela e formas de prevenção. Ele propôs ainda ações para mapear esse tipo de violência, incluindo pessoas e locais implicados.
Providências
Ao final da audiência, a deputada Andréia de Jesus adiantou requerimentos que deverão ser aprovados na próxima reunião. Entre outras providências, pedirá à OAB que crie uma comissão para acompanhar os casos de violência contra advogados. À PMMG e à Sejusp, solicitará a ampliação do programa Olho Vivo, para colocar mais câmeras em áreas próximas dos tribunais. À PCMG, reforçará o pedido de criar a delegacia especializada. E a todos essas instituições, requererá providências no sentido de fazerem campanhas educativas abordando o papel do advogado.
Governo afirma que vai avaliar propostas
Sabrina Machado, coordenadora de Relações com o Sistema de Justiça da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), afirmou que a pasta desenvolve uma parceria com a OAB para aprimorar a garantia do exercício da profissão do advogado. Adiantou que a Sejusp está compilando todas as normativas do Estado que tratam do atendimento a esse profissional.
Também nessa perspectiva, a pasta desenvolve um sistema de atendimento para advogados junto às unidades prisionais. Uma comissão de padronização de parlatórios já iniciou a construção de um parlatório em Francisco Sá (Norte). Por fim, Sabrina destacou que vai levar ao secretário Rogério Grego a proposta de criação da delegacia especializada e as demais trazidas na audiência.
O tenente-coronel Luiz Soares, chefe do Centro de Gerenciamento e Análise de Dados da Polícia Militar de Minas Gerais, se solidarizou com familiares e amigos dos advogados assassinados. Valorizando a profissão do advogado na administração da justiça, ele destacou na legislação da PM procedimentos-padrão a serem adotados pelo policial no trato com o advogado. Solicitou à OAB que acione a PM no caso de irregularidades.
Propôs ainda quatro medidas: mapeamento das áreas críticas onde advogados estejam sendo vítimas de violência; realização de campanhas de conscientização sobre o trabalho do profissional e de prevenção a violência; formação de parcerias institucionais entre PMMG, OAB e órgãos do sistema de justiça; monitoramento contínuo da violência envolvendo o exercício da advocacia.
Julio Wilker, delegado de Polícia e superintendente de Investigação da Polícia Civil de Minas Gerais, avaliou que o bom desempenho dos advogados na defesa dos clientes da área criminal é fundamental para a polícia judiciária: “Assim, conseguimos mais tranquilidade na busca da verdade”. Segundo ele, advogados são parceiros da Polícia Civil e uma classe precisa da outra.
Investigações
Sobre os dois assassinatos, Wilker lembrou que a PCMG vai conseguir fazer justiça. No caso de Hudson Maldonado, o inquérito foi concluído em um mês e o autor já está preso. Quanto às investigações envolvendo Pedro Cassimiro, o delegado registrou que as investigações correm em segredo de justiça, mas garantiu sua boa condução. “Muito em breve, daremos conhecimento aos senhores da motivação e da autoria do crime”, adiantou.
Informou também que, nos últimos 11 anos, houve nove homicídios envolvendo advogados, sendo que dois tiveram motivação direta com a atuação profissional. E por fim, destacou a parceria com a OAB, que garante uma sala de plantão da entidade dentro de cada delegacia de Polícia.
Pele alva e pele alvo
Já Marcelo Guterres, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial OAB/MG, afirmou que a defesa dos direitos do cidadão não existirá se a advocacia não contar com uma base para defendê-los do Estado. “A garantia de defesa dos direitos humanos é uma função precípua do Estado, não é tarefa só do advogado”, refletiu.
Fazendo um recorte racial sobre a questão, o dirigente disse que, “no Brasil, existe a pele alva e a pele alvo”, o que determina uma violação maior de direitos quando o advogado faz a defesa de pessoas negras e também indígenas. “Vemos agora a decisão arbitrária do Governo do Estado de proibir o uso de cigarros no sistema prisional, sem os devidos estudos”, criticou.
“Ninguém está dizendo que o estado não deve intervir, cumprir suas obrigações, mas é preciso coragem para pensar num estado menos violador e mais garantidor de direitos”, disse. E refletiu que a morte do colega Pedro, em Ibirité, ocorreu provavelmente por ser este um defensor dos direitos humanos. “Quando uma pessoa como ele é assassinada, estamos longe de uma democracia, de um estado protetor, mais garantidor de direitos”, concluiu.