MSG MENSAGEM 182/2025
MENSAGEM Nº 182/2025
Belo Horizonte, 14 de janeiro de 2025.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,
Vossas Excelências – Senhoras e Senhores Deputados,
Povo de Minas Gerais,
Com meus cordiais cumprimentos, comunico a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição do Estado, decidi opor veto parcial, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, à Proposição de Lei nº 26.117, de 2024, que Institui o Estatuto da Igualdade Racial no Estado.
Ouvida a Secretaria de Estado de Governo, sintetizo, a seguir, os motivos do veto.
O inciso XII do art. 4º da Proposição
Art. 4º – (…)
XII – garantia da realização de consulta prévia, livre, informada e participativa, conduzida por analista independente e sem conflito de interesses, à população negra e aos povos e às comunidades tradicionais, nos casos em que forem previstas medidas administrativas por parte do Estado suscetíveis de afetar esses grupos populacionais, assegurando o respeito às decisões por eles tomadas;
Motivos do Veto
Observo que, ao dispor sobre o instituto da Consulta Livre, Prévia e Informada prevista no art. 6º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais – aprovada pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, promulgada pelo Decreto Federal nº 5.051, de 19 de abril de 2004 –, a proposição ampliou o escopo da Convenção, uma vez que previu a adoção do referido instrumento de consulta à população negra, sem considerar os critérios de distinção de outros setores da coletividade previstos no tratado. Nesse sentido, observa-se:
Artigo 1º
1 – A presente convenção aplica-se:
a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial;
b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.
(…)
Artigo 6º
1 – Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2 – As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. (grifos acrescidos).
Portanto, considerando a teleologia do protocolo concebido para consulta aos povos e comunidades tradicionais, inexiste fundamento lógico-jurídico para a adoção desse instrumento à população negra, indistintamente.
O veto a esse dispositivo tem, portanto, fundamento na contrariedade ao interesse público.
O art. 55 da Proposição
Art. 55 – Nos programas de avaliação de conhecimentos dos concursos públicos e processos seletivos para o ingresso nas vagas disponibilizadas pela administração pública estadual direta e indireta, serão incluídos temas referentes às relações étnico-raciais e à história da população negra, da população indígena e da população pertencente aos demais povos e comunidades tradicionais no Brasil e em Minas Gerais, de modo a ressaltar as relevantes contribuições realizadas por esses grupos populacionais para o processo civilizatório nacional.
Motivos do Veto
Não obstante a louvável intenção do legislador em promover a inclusão, na administração pública estadual direta e indireta, de servidores com conhecimento sobre os temas relativos às relações étnico-raciais e à história da população negra, indígena e dos demais povos e comunidades tradicionais do Brasil e de Minas Gerais, com o intuito de ressaltar as relevantes contribuições desses grupos para o processo civilizatório nacional, a norma padece de inconstitucionalidade por adentrar na exclusiva competência político-administrativa do Poder Executivo, uma vez que cabe à própria administração, beneficiária pelo certame, gerir o processo do concurso.
A reserva de administração constitui um limite material à intervenção normativa do Poder Legislativo pois, enquanto princípio baseado na separação orgânica e na especialização funcional das instituições do Estado, caracteriza-se pela identificação, no sistema constitucional, de um núcleo funcional reservado à administração, protegendo-o contra as ingerências do Parlamento. Isso ocorre porque envolve matérias diretamente atribuídas à instância executiva que, por sua natureza, são insuscetíveis de deliberações por parte do Legislativo. Observa-se:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CONSEQÜENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA – SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação “ultra vires” do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (RE 427574 ED, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13-12-2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 10-02-2012 PUBLIC 13-02-2012 RT v. 101, n. 922, 2012, p. 736-741). (grifos acrescidos).
O veto a esse dispositivo tem, portanto, fundamento na sua inconstitucionalidade.
Em conclusão, Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados, esses são os motivos de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público que me levam a vetar parcialmente a proposição acima.
Nesses termos, submeto os motivos de veto à apreciação e à deliberação da Assembleia Legislativa, conforme dispõe o § 5º do art. 70 da Constituição do Estado.
Na oportunidade, reitero meu apreço e consideração a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro.
Romeu Zema Neto, governador do Estado.