PL PROJETO DE LEI 3179/2024
Projeto de Lei nº 3.179/2024
Estabelece protocolos de atuação para agentes de segurança pública do Estado de Minas Gerais em operações envolvendo pessoas com deficiência, pessoas com doenças raras, transtorno do espectro autista, transtorno do deficit de atenção com hiperatividade e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído, no âmbito do Estado de Minas Gerais, um protocolo de formação e um protocolo de atuações voltadas para agentes de segurança pública, com o objetivo de assegurar a abordagem adequada e respeitosa de pessoas com deficiência, pessoas com doenças raras, transtorno do espectro autista e transtorno do deficit de atenção com hiperatividade em operações de segurança pública.
Art. 2º – Para fins desta Lei, considera-se:
I – pessoa com transtorno do espectro autista (TEA): previsto no art. 1º da Lei Federal nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012;
II – pessoa com deficiência: previsto no art. 2º da Lei Federal nº 13.146, de 06 de junho de 2015;
III – pessoa com Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH): condição do neurodesenvolvimento caracterizada por uma tríade de sintomas envolvendo desatenção, hiperatividade e impulsividade em um nível exacerbado e disfuncional para a idade;
IV – pessoa com Doença Rara: enfermidade geralmente crônica e de baixa frequência na população em geral que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, definidas em nível federal.
Art. 3º – Os cursos de formação, capacitação e aperfeiçoamento oferecidos às forças de segurança pública do Estado de Minas Gerais deverão incluir módulos obrigatórios sobre:
I – Identificação de características do Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), das doenças raras e de diferentes tipos de deficiência;
II – Técnicas de comunicação acessível, respeitando limitações sensoriais, cognitivas ou de linguagem;
III – Estratégias de abordagem em situações que envolvam pessoas com deficiência, pessoa com doença rara, transtorno do espectro autista e transtorno do deficit de atenção com hiperatividade;
IV – Ações de prevenção à violência e ao uso desproporcional da força, considerando as especificidades das pessoas;
V – Direitos das pessoas com deficiência, conforme estabelecido pela legislação federal, especialmente a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Art. 4º – A formação de que trata o art. 2º deverá ser elaborada com a participação de especialistas na área da saúde, da educação e de representantes da sociedade civil organizada, incluindo associações de pessoas com deficiência e suas famílias.
Art. 5º – Os agentes de segurança pública, ao interagir com pessoas com deficiência, pessoa com doença rara, transtorno do espectro autista ou com transtorno do deficit de atenção com hiperatividade deverão adotar as seguintes diretrizes:
I – Realizar uma abordagem não violenta e mediadora;
II – Buscar, sempre que possível, o apoio de profissionais especializados e de familiares presentes no momento da ação;
III – Evitar ações que possam provocar sobrecarga sensorial ou emocional na pessoa abordada;
IV – Garantir o uso de linguagem clara e adaptada às condições da pessoa abordada;
V – Respeitar dispositivos de acessibilidade e tecnologias assistivas que estejam em posse da pessoa.
Art. 6º – Em casos de situações de crise, como momentos de grande tensão ou possíveis ameaças, os agentes de segurança deverão:
I – Avaliar o ambiente e a possibilidade de adoção de práticas que minimizem a escalada de conflitos;
II – Evitar o uso de contenção física ou verbal de maneira inadequada;
III – Garantir a presença de mediadores, sempre que disponível, para auxiliar na interação.
Art. 7º – Os protocolos de que tratam esta Lei deverão ser regulamentados no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da publicação desta Lei, por meio de decreto do Poder Executivo.
Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 11 de dezembro de 2024.
Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia – Zé Guilherme (PP), presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária.
Justificação: Este projeto de lei visa promover uma abordagem mais humanizada e inclusiva por parte das forças de segurança pública no Estado de Minas Gerais, com vistas a proteger direitos fundamentais e assegurar que pessoas com deficiência, pessoa com doença rara, transtorno do espectro autista ou transtorno do deficit de atenção com hiperatividade sejam tratadas com mais respeito e dignidade.
A falta de capacitação adequada frequentemente resulta em abordagens inadequadas, situações de constrangimento ou até mesmo tragédias. Um caso emblemático que reforça a necessidade de medidas como as previstas neste projeto ocorreu em novembro de 2024, no município de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce.
Na ocasião, Thainara Vitória Francisco Santos, de 18 anos, veio a óbito dentro de uma viatura militar enquanto era conduzida para uma unidade de saúde. Thainara foi detida ao tentar proteger o irmão, que é autista, durante uma abordagem policial no residencial em que a família dos mesmos se residem. Um vídeo dessa operação policial mostra que os familiares e vizinhos alertaram os militares de que o adolescente era autista, porém as especificidades da situação não foram consideradas. O adolescente, em meio à abordagem, se agitava cada vez mais e foi detido, sendo levado à delegacia. O desfecho trágico escancara a ausência de protocolos adequados para interagir com pessoas do espectro autista e pessoas com deficiência, além da falta de sensibilidade para lidar com familiares em situações de alta-tensão.
Ao propor a inclusão de protocolos específicos de formação e atuação, este projeto busca evitar que episódios como esse se repitam, protegendo vidas e promovendo uma atuação mais eficiente, respeitosa e alinhada aos direitos humanos. Além disso, a medida contribui para a segurança jurídica dos agentes de segurança pública, que terão diretrizes claras para suas ações em cenários que envolvam pessoas com deficiência e do espectro autista.
Minas Gerais carece de uma política permanente que estabeleça padrões claros e abrangentes para a atuação das forças de segurança. Com a aprovação deste projeto, espera-se não apenas proteger os direitos de pessoas vulneráveis, mas também fortalecer a confiança entre a população e as instituições responsáveis por garantir a sua segurança.
Referências:
1 – Protocolo Técnico de Interação Polícia Judicial – Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/06/protocolo-tecnico-interacao-pessoa-tea.pdf - Acesso em 19/11/2024.
2 – Governo do Paraná. Capacitação de policiais sobre procedimentos em ações que envolvem pessoas autistas. Disponível em: [site do governo do Paraná]. https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Policiais-recebem-capacitacao-sobre-como-proceder-em-acoes-que-envolvam-pessoas-autistas - Acesso em 19/11/2024.
3 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm- Acesso em 19/11/2024.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pela deputada Nayara Rocha. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 366/2023, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.