PL PROJETO DE LEI 2439/2024
Projeto de Lei nº 2.439/2024
Autoriza o Poder Executivo a criar programas de vigilância em saúde e assistência especializada para prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças decorrentes do trabalho com o amianto, e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica o Poder Executivo autorizado, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS –, a criar programas nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e demais unidades de saúde, visando o desenvolvimento de ações de vigilância em saúde e assistência especializada para prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças decorrentes do trabalho com o amianto.
§ 1º – Os programas compreenderão a capacitação técnica dos profissionais de atenção básica da saúde e a aquisição dos equipamentos necessários para a realização das ações mencionadas no caput deste artigo.
§ 2º – Os hospitais oncológicos deverão, especialmente, qualificar seus profissionais e adquirir os equipamentos adequados para o atendimento especializado de pacientes vítimas de doenças relacionadas ao amianto, encaminhando adequadamente suas demandas.
§ 3º – Fica estabelecida a notificação compulsória ao serviço de epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde de cada município, pela rede pública e privada de assistência à saúde, de todos os casos de doenças e óbitos decorrentes da exposição ao amianto.
§ 4º – Quando solicitado pelo SUS, as empresas que tenham utilizado o amianto no Estado de Minas Gerais até a data da entrada em vigor desta lei deverão fornecer informações referentes aos empregados e ex-empregados expostos ao amianto, incluindo nome, endereço completo, cargo ou função, data de nascimento, data de admissão e, se aplicável, data da demissão, data da cessação da exposição, resultados de exames clínicos, radiológicos e de função pulmonar, bem como quaisquer exames complementares relevantes.
Art. 2º – As despesas decorrentes da aplicação dessa lei correrão à conta das dotações orçamentárias já alocadas para as pastas de saúde e de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, e por outros recursos que se fizerem necessários, conforme a legislação vigente.
Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 29 de maio de 2024.
Alê Portela (PL)
Justificação: O amianto é uma fibra mineral natural amplamente utilizada como matéria-prima na indústria da construção civil, sobretudo na produção de telhas, caixas d´água e chapas lisas usadas para forros, pisos, paineis de fechamento, em decorrência de sua flexibilidade, resistência química, térmica e elétrica e qualidade de bom condutor. Apesar de suas vantagens comerciais e cotidianas, o amianto é uma substância altamente cancerígena, conforme estudos já amplamente embasados e reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde – OMS – e pela International Agency for Research on Cancer – IARC. Ele possui um elevado potencial carcinogênico ao homem, estando classificado no grupo 1 da IARC. (IARC, 2012). Isso porque, segundo essa mesma agência, todas as formas de asbesto podem causar câncer em humanos. Segundo dados da OMS, a exposição ao amianto é responsável por mais da metade dos cânceres profissionais mundiais atualmente, causando, aproximadamente, 225.000 mortes anuais. A estimativa é de que, ainda hoje, há cerca de 1,25 milhão de expostos ocupacionais ao asbesto no mundo. (ABREA/MG, 2024).
Apesar de legislação proibitiva do uso desses materiais sancionada no texto original da Lei nº 21.114, de 30 de dezembro de 2023, há ainda uma diversidade de profissionais que possuem contato constante com esses materiais sobretudo nas minas de extração – e um outro grande volume de trabalhadores que, nos anos anteriores à proibição, possuíam contato irrestrito e não regulado com o amianto e, logo, ainda enfrentam problemas de saúde (ou podem ainda desenvolver problemas de (saúde) decorrentes da exposição anterior à vigência da lei. Também vale ressaltar que se utiliza, ainda hoje na sociedade, vários materiais (como telhas e caixas d´água) que possuem amianto em sua composição. Por isso, os riscos à saúde provocados pela exposição ao amianto não estão completamente superados com a mera proibição de sua comercialização e uso pela referida lei. Segundo levantamento da Abrea/MG (2024), a taxa de mortalidade por mesotelioma numa indústria de amianto localizada em Pedro Leopoldo (MG) foi de 68,5, o que representa um risco muito elevado.
Conforme também destaca a Abrea (2024), um dos mais graves efeitos da exposição ao asbesto é a irreversibilidade dos danos e a progressão dos processos fisiopatológicos, mesmo após a exposição. Assim, há um período de latência entre a exposição e o aparecimento dos efeitos, com tempo médio de 10 a 15 anos para o desenvolvimento de asbestose, e de 20 a 30 anos para câncer de pulmão e mesotelioma. No estudo “The next mesothelioma wave: mortality trends and forecast to 2030 in Brazil”, conduzido por Algranti et al e publicado na Revista Cancer Epidemology (2015), calcula-se que o pico de mortes por essas duas enfermidades no Brasil, em decorrência da exposição ao amianto, ocorrerá entre os anos de 2021 e 2026 – o que demonstra a atualidade e a urgência desse projeto de lei.
Deve-se direcionar a atenção do Poder Público também para a proteção dos (sobretudo, trabalhadores) expostos ao amianto a longo prazo, para a garantia da sua saúde e do seu bem-estar, seja pelo monitoramento dos indivíduos expostos e potenciais vítimas do mesotelioma pleural e da asbestose seja pelo acompanhamento intensivo daqueles que são portadores da doença em decorrência de dita exposição. É preciso estender a atuação estatal no sentido de garantir um agir social e jurídico em prol das vítimas do amianto e de amenizar os males provocados por ele. Os indivíduos já expostos ao amianto, durante os anos de omissão do Poder Público anteriormente a 2013, carecem de ações assistenciais integrais e urgentes para cuidados em saúde. São ainda pífios os esforços e as diretrizes normativas do Estado de Minas Gerais no sentido de localizar essas vítimas e encaminhá-las ágil e adequadamente à assistência diagnóstica e tratamentos. É preciso que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais determine o acompanhamento desses indivíduos.
Soma-se a isso o fato de ser amplamente desconhecido, pela sociedade civil em geral, os graves prejuízos decorrentes do contato com essa substância. Mesmo entre os trabalhadores expostos ao amianto, há vasto desconhecimento dos efeitos nefastos à saúde humana. Pouco se fala, publicamente, sobre os prejuízos trazidos por esse material. Conforme pesquisa realizada por Marcela de Abreu Moniz, pela Fundação Oswaldo Cruz, em dezembro de 2010, no Município de Bom Jesus da Serra-BA – onde há exploração local de amiantos em minas da região –, uma pequena minoria dos entrevistados, na pergunta espontânea, mencionou o amianto como um fator ambiental responsável pelos agravos/eventos relacionados à saúde. Como destacou a pesquisa, “um fato em destaque foram as respostas sobre o termo asbestose nessa e nas demais questões em que ele foi citado, percebemos que muitos acharam que a doença era algum tipo de verminose. A maioria dos sujeitos do estudo desconhecia o termo asbestose e enquanto alguns indagaram e responderam segundo suas concepções erradas sobre a doença, outros não souberam afirmar nada a seu respeito.”. (MONIZ, 2010). Dos 75 entrevistados, apenas 24 (29%) moradores foram capazes de estabelecer uma relação entre o local onde trabalham e/ou residem – município que possui atividades de extração do amianto – e o desenvolvimento de quadros graves de saúde, o que é um número bastante baixo, em especial se considerarmos se tratar de uma cidade altamente suscetível aos efeitos do asbesto. De maneira mais alarmante, apenas 7 moradores (9%) citaram, espontaneamente, o amianto como um problema ambiental local que poderia causar-lhes algum problema de saúde (MONIZ, 2010).
Nesse sentido, é responsabilidade do legislador, para além de regulamentar e, quando necessário, proibir o uso dos produtos que contenham amianto em sua composição, amparar, social e juridicamente, as vítimas desse mineral, promovendo o monitoramento dos trabalhadores expostos à fibra (sobretudo, aqueles acometidos por asbestose, cânceres e outras doenças oriundas da exposição ao amianto), ampliando a proteção jurídica a esses indivíduos e conscientizando a sociedade civil acerca dos riscos e danos associados a essa exposição.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Saúde e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.