PL PROJETO DE LEI 2049/2024
PROJETO DE LEI Nº 2.049/2024
Institui, no Estado de Minas Gerais, o serviço Disque Denúncia comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído, no Estado de Minas Gerais, o serviço Disque Denúncia comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres.
§ 1º – O serviço a ser criado visa à proteção e cuidado das pessoas internas nas comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres do Estado de Minas Gerais.
§ 2º – Entende-se por comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres, instituições privadas, que realizam predominantemente o acolhimento de pessoas em uso ou abuso, de álcool e outras drogas em regime de internação.
Art. 2º – Consideram-se atos passíveis de denúncia, através do disque denúncia a ser criado pela presente lei:
I – obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; de acordo com art. 5º, II da Constituição Federal;
II – submissão à tortura, tratamento desumano ou degradante;
III – quebra do sigilo e anonimato das pessoas acolhidas;
IV – imposição de alguma crença religiosa ou violação da liberdade de consciência e de crença, impedindo ou impondo o exercício dos cultos religiosos;
V – violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas;
VI – anulação da subjetividade, e manutenção das pessoas em espaços de isolamento;
VII – privação da liberdade, da privacidade e da livre circulação;
VIII – violação do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas;
IX – manutenção de pessoas em situação análoga à escravidão ou servidão por dívida, inclusive com utilização da chamada laborterapia ou práticas semelhantes e demais formas de exploração trabalhista;
X – proibição de realização de visitas, condicioná-las ao bom comportamento ou demais critérios morais, e privação do recebimento de ligações telefônicas e outros meios de comunicação que permitam contato com familiares e amigos;
XI – retenção de documentos pessoais, dinheiro, cartões, demais pertences e subtração do acesso dos meios de comunicação;
XII – presença de crianças, adolescentes e idosos acima de 60 anos;
XIII – presença de pessoas com quadros clínicos graves e/ou em sofrimento mental e com deficiência mental;
XIV – adoção de punições físicas, psicológicas, constrangimentos, situações vexatórias, maus-tratos;
XV – utilização de qualquer forma de contenção física ou medicamentosa;
XVI – negligência nos cuidados em saúde;
XVII – utilização de cadeados, trancas e grades nos ambientes de uso das pessoas internas, como por exemplo, nos dormitórios;
XVIII – precariedade da área física e infraestrutura predial, condições insalubres das acomodações, alimentação e limpeza;
XIX – discriminação ou preconceito seja de origem, raça, sexo, identidade de gênero, orientação sexual, cor, idade, conforme Leis Federais nº 7.716/1989 e nº 14.532/2023;
XX – praticas de violência psicológica, violência sexual, violência física contra mulher, conforme Leis Federais nº 11.340/2006 e nº 14.550/2023 e Lei Estadual 22.256/2016;
XXI – manutenção forçada do tempo de internação, para além da vontade do interno, assim como prorrogação do tempo além do estabelecido em lei e declarado em contrato assinado pela instituição, pelo interno e/ou seus familiares;
XXII – realização de remoções forçadas e violentas, com práticas de contenções físicas e medicamentosas;
XXIII – vinculação de saída do interno da instituição ao pagamento de quaisquer valores;
XXIV – submissão de pessoas às terapias de regressão ou conversão sexual, assim como demais formas de opressão, violação e aniquilamento de identidades e subjetividades não heterossexuais e não cisgêneras;
XXV – situação de tráfico de pessoas, seja através de aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, alojamento, ou acolhimento de pessoa, involuntariamente, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso;
XXVI – descumprimento dos direitos elencados na Convenção Internacional de Direitos Humanos, a qual o Estado Brasileiro é signatário.
Art. 3º – O serviço telefônico que trata esta lei disporá de um código especial de serviço, com isenção de tarifa telefônica.
Art. 4º – O serviço de atendimento telefônico estará disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, com atendentes capacitados para lidar com as denúncias.
Art. 5º – O serviço criado pela presente lei será realizado em conformidade com a Secretaria de Estado de Saúde, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado de Minas Gerais.
Art. 6º – No âmbito do Estado de Minas Gerais ficam obrigados a divulgarem o Disque Denúncia comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres, os seguintes estabelecimentos:
I – comunidades terapêuticas;
II – clínicas de reabilitação;
III – Centro de Referência Estadual em Álcool e outras Drogas – Cread;
IV – hospitais e clínicas psiquiátricas;
V – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas;
VI – Centro de Atenção Psicossocial;
VII – Unidades Básicas de Saúde e demais serviços da rede de saúde;
VIII – serviços da rede socioassistencial.
Art 7º – Os estabelecimentos especificados nesta lei deverão afixar placas, em locais visíveis e com caracteres que permitam sua leitura à distância para todas as pessoas, prioritariamente na recepção dos serviços, devendo constar o seguinte teor: “NENHUMA PESSOA DEVE SER SUBMETIDA A MAUS TRATOS, INJÚRIA, VIOLÊNCIA E VIOLAÇÃO DA SUA LIBERDADE: DENUNCIE! DISQUE-DENÚNCIA COMUNIDADES TERAPÊUTICAS, CLÍNICAS DE REABILITAÇÃO E CONGÊNERES Nº (TELEFONE)”
Art. 8º – O descumprimento da obrigação contida no art. 7º desta lei sujeitará o estabelecimento às seguintes penalidades:
I – advertência;
II – multa;
III – em caso de comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres conveniadas com o poder público, interrupção do contrato vigente.
Parágrafo Único – Os valores arrecadados através das multas aplicadas em decorrência do descumprimento desta lei serão aplicados em serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico que compõem a Rede de Atenção Psicossocial como: Unidades de Acolhimento Transitório, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas e Consultório na Rua, dentre outros.
Art. 9º – Todas as denúncias serão apuradas pelos órgãos competentes em nível administrativo, cível e criminal, conforme o teor da denúncia.
Art. 10 – Fica assegurado sigilo absoluto da identidade do denunciante se assim o desejar.
Art. 11 – O serviço de que trata esta lei será regulamentado por uma Comissão Interinstitucional e instituído no prazo de 90 dias, contados da sua publicação.
Art. 12 – As despesas decorrentes desta lei correrão à conta de dotações consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.
Art. 13 – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
Sala das Reuniões, 21 de fevereiro de 2024.
Bella Gonçalves (Psol), vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos.
Justificação: São históricas e recorrentes as denúncias de violação de direitos humanos nas comunidades terapêuticas em todo o país e no Estado de Minas Gerais. No entanto, as iniciativas por parte do poder público para fiscalizar esses locais são raras e, portanto, não conseguem coibir os abusos e violações de direitos humanos encontrados. Em 2011, a Inspeção Nacional de Direitos Humanos promovida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia – CFP – realizou vistorias em 68 instituições de internação para pessoas em uso de drogas, em 24 Estados da federação e DF, verificou graves violações de direitos nas instituições vistoriadas.
As violações mais encontradas foram uso de mão de obra não remunerada; coerção para que os internos pedisse por doações de alimento ou dinheiro na cidade; adoção de punições e castigos mediante transgressão de regras instituídas pela própria comunidade terapêutica, incluindo castigos físicos, subtração do acesso dos meios de comunicação, e contenções físicas e medicamentosas; constrangimento e exposição a situações humilhantes; restrição de liberdade; inexistência de termo de voluntariedade; retenção de documentos; asilamento e institucionalização de pessoas; restrição de visitas familiares e da rede social; visitas monitoradas quando permitidas, e constrangimento de familiares (revista vexatória); violação ao direito de comunicação, incluindo monitoramento de ligações telefônicas e interceptação e abertura de correspondências; proibição de relações íntimas, em particular de relações homoafetivas; estruturas com grades; desassistência em saúde; desrespeito à livre orientação sexual e à identidade de gênero; desrespeito à escolha ou ausência de credo. Também foram encontrados adolescentes no mesmo espaço com adultos e, além das violações anteriores, foram identificadas interrupção da frequência à escola e retirada do poder familiar.
Em 2017, em nova Inspeção Nacional de Comunidades Terapêuticas, que contou com participação do Conselho Federal de Psicologia, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e da Procuradoria Federal Dos Direitos do Cidadão/Ministério Público Federal, foram inspecionados 28 estabelecimentos e em todos foram identificadas práticas que configuram violações de direitos humanos. Nas vistorias notou-se que, embora o público predominante seja de pessoas usuárias de drogas, novos públicos vêm sendo incorporados, incluindo idosos e pessoas com transtornos mentais.
Em relatório de vistorias em comunidades terapêuticas do Programa Aliança pela Vida realizado pela Coordenação Estadual de Saúde Mental, Álcool e outras drogas da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais em 2016, foram inspecionadas 42 instituições e todas apresentaram, em maior ou menor grau, irregularidades e violações de direitos. O relatório aponta que:
“Há um descompasso entre a lógica que rege o funcionamento destas entidades com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS –, do Sistema Único da Assistência Social – Suas – e da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial. A ausência de acompanhamento, regulação e monitoramento por parte do Estado, desde a implantação do Programa Aliança pela Vida, avalizou esta incompatibilidade.”
Além disso, o documento mostrou a ausência de fiscalização e de observância da qualidade da assistência prestada pelas comunidades terapêuticas.
Contudo, as denúncias de violação de direitos humanos nas comunidades terapêuticas persistem e é recorrente matérias de investigação jornalísticas constatando violências nessas instituições. É importante estabelecer a efetiva fiscalização e denúncia, isso pode incluir inspeções regulares, canais de denúncia e investigações em casos de relatos de violência. O serviço de “Disque Denúncia comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação e congêneres” é uma iniciativa voltada para a criação de um canal de comunicação para que as pessoas possam relatar e denunciar casos de violação de direitos humanos. O objetivo principal é incentivar a sociedade a denunciar as práticas abusivas para coibir as violações, além de fomentar tomadas de providências para fiscalização das condições de funcionamento dessas instituições.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Prevenção e Combate às Drogas, de Segurança Pública e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.