MSG MENSAGEM 87/2023
MENSAGEM Nº 87/2023
Belo Horizonte, de 16 de outubro de 2023.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,
Vossas Excelências – Senhoras e Senhores Deputados,
Povo de Minas Gerais,
Com meus cordiais cumprimentos, comunico a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição do Estado, decidi opor veto parcial, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, à Proposição de Lei nº 25.465, de 2023, que dispõe sobre a proteção do consumidor, especialmente o idoso, analfabeto, doente ou aquele em estado de vulnerabilidade, contra publicidade, oferta e contratação abusivas de produto, serviço ou crédito bancário.
Ouvidas a Secretaria de Estado de Governo – Segov, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – Seplag e as demais secretarias e órgãos afetos à matéria objeto desta mensagem, sintetizo, a seguir, os motivos do veto.
O § 4º do art. 5º da Proposição
“Art. 5º – (…)
§ 4º – O saque vinculado ao limite do cartão de crédito somente será realizado em terminal eletrônico em agência da instituição financeira, após o desbloqueio do cartão e mediante senha.”
Motivos do Veto
Inicialmente, cumpre destacar que a Constituição da República, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica, resguardou tanto a livre concorrência quanto à defesa do consumidor, conforme incisos IV e V do art. 170.
Nesse sentido, apesar da boa intenção do legislador em proteger o consumidor, ao estabelecer que o saque vinculado ao limite do cartão de crédito seja realizado somente em terminal eletrônico em agência da instituição financeira, após o desbloqueio do cartão e mediante senha, não foi observado o princípio da razoabilidade, vez que o dispositivo não buscou compatibilizar a proteção do consumidor com a livre concorrência.
Na análise da validade jurídico-constitucional, ao visar a proteção do consumidor, o dispositivo incorre no tratamento não isonômico entre as instituições bancárias físicas e as instituições bancárias digitais, uma vez que as últimas, em regra, não dispõem de “terminal eletrônico em agência da instituição financeira”. Desse modo, o tratamento não isonômico, finalisticamente, fere o princípio constitucional da livre concorrência ao prever um serviço que apenas parte das instituições financeiras estão hábeis a oferecer.
O veto a esse dispositivo tem, portanto, fundamento na sua inconstitucionalidade.
O art. 6º da Proposição
“Art. 6º – A disponibilização de qualquer quantia na conta do consumidor sem o requerimento expresso e o seu devido consentimento será caracterizada como amostra grátis, devendo a quantia ser revertida ao beneficiário, nos termos do parágrafo único do art. 39 da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.”
Motivos do Veto
Inicialmente, cumpre trazer à tona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e dos tribunais estaduais, os quais têm se posicionado pela impossibilidade de recursos financeiros depositados na conta do consumidor, sem consentimento desse, serem considerados “amostra grátis” nos termos do parágrafo único do art. 39 da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).
Nesse sentido, observa-se a decisão proferida no Agravo em Recurso Especial nº 579.470/TO, sob relatoria do Ministro Raul Araújo:
(…)
Acerca da suposta ofensa ao art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, o Tribunal a quo assim se pronunciou:
“Quanto ao recurso adesivo da autora da ação, pretendendo não seja descontado o valor do empréstimo do valor da condenação, tal pleito mostra-se desarrazoado, na medida em que o numerário foi disponibilizado em sua conta-corrente, tendo se beneficiado do mesmo.
Com efeito, conforme consignado pelo magistrado sentenciante, não seria lícito reconhecer como amostra grátis o valor depositado em sua conta em decorrência do empréstimo consignado porque assim estar-se-ia patrocinando o enriquecimento sem causa de uma parte em detrimento da outra e sendo assim deve haver compensação de valores.”(fl. 235)
Ao assim decidir, a Corte de origem agiu de acordo com a orientação deste Tribunal Superior, haja vista que a pretensão da recorrente, na hipótese, ensejaria o seu enriquecimento sem causa, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio. (AREsp n. 579.470, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 01/10/14, DJe de 09/10/2014) (grifos acrescidos)
Ademais, ainda conforme entendimento jurisprudencial do STJ, “a compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre que verificado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de quem o receber, independentemente da comprovação do erro.”. (AgInt no REsp n. 1.457.460/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/9/2017, DJe de 29/9/2017.)
De igual modo são as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o qual tem decidido que o valor indevidamente creditado na conta do consumidor não pode ser considerado como amostra grátis, por não se tratar de produto ou serviço stricto sensu, sob pena de enriquecimento sem causa da parte, devendo a quantia creditada indevidamente pelo banco ser devolvida. In verbis:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR. INÉPCIA RECURSAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA E DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO DE DANOS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VALIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO PROVADA. DÍVIDA INEXISTENTE. DEVOLUÇÃO SIMPLES DAS PARCELAS PAGAS, COM COMPENSAÇÃO DO VALOR CREDITADO. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. VERIFICAÇÃO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. RECURSOS CONHECIDOS, PRINCIPAL PROVIDO EM PARTE E ADESIVO NÃO PROVIDO. I – Não há inépcia recursal quando as razões de apelação apresentam todos os requisitos formais exigidos no art. 1.010, do CPC, sobretudo ataque aos fundamentos da sentença, mesmo que para tanto tenham sido usados os argumentos da petição inicial ou da defesa. II – Conforme o disposto no art. 373, II, do CPC, cabe à parte ré comprovar a existência do débito do qual derivou a consignação em benefício previdenciário da parte autora, devendo fazê-lo notadamente pela exibição do instrumento contratual. III – Ausente a prova válida da celebração do empréstimo consignado, pois impugnado o teor e a assinatura contida no instrumento apresentado, reconhecida como falsa por expert, cabe a declaração de inexistência do contrato e a devolução simples das parcelas pagas. IV– Sob pena de ensejar enriquecimento sem causa, a quantia creditada indevidamente pelo banco em favor do suposto mutuário deve ser devolvida, mediante compensação, a qual não pode ser considerada como amostra grátis prevista no art. 39, parágrafo único, do CDC, por não se tratar de produto ou serviço stricto sensu. V– Atualmente, é regra a devolução dobrada do indébito, como definido pelo STJ no julgamento do EAREsp 676.608/RS publicado em 30.03.2021, com modulação de efeitos a partir da publicação, sendo possível excepcioná-la, caso comprovado o engano justificável do fornecedor ao exigir o débito do consumidor, como na hipótese de fraude praticada por terceiro. VI – Meros dissabores, aborrecimentos e contrariedades decorrentes de descontos indevidos por inexistência de contratação, sem maiores repercussões negativas em desfavor do nome e da imagem do consumidor, não geram danos morais suscetíveis de reparação pecuniária. VII – Se ambas as partes ficaram vencidas, evidenciada está a sucumbência recíproca a ensejar a aplicação da regra prevista no art. 86, caput, do CPC. VIII – Recursos conhecidos, principal parcialmente provido e adesivo não provido. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.22.276214-8/001, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva, 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/4/2023, publicação da súmula em 27/04/2023) (grifos acrescidos)
APELAÇÃO CÍVEL – DIALETICIDADE – APLICAÇÃO CDC – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – RELAÇÃO JURÍDICA – NÃO COMPROVAÇÃO – DESCONTO INDEVIDO – DANOS MORAIS – QUANTUM – HONORÁRIOS. A responsabilidade civil do prestador de serviços é objetiva à luz do disposto no artigo 14 do CDC e subsiste se o mesmo não comprova a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou a inexistência de defeito ou falha na prestação do serviço. Uma vez não comprovada a contratação que originou o débito discutido nos autos, resta caracterizada a falha na prestação dos serviços. O desconto indevido no benefício previdenciário da parte autora enseja a presença de lesão a direito de personalidade e, portanto, de danos morais indenizáveis, em razão de seu caráter alimentar e essencial. O valor da indenização a título de danos morais deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O valor indevidamente creditado na conta da requerente não pode ser considerado amostra grátis, sob pena de enriquecimento sem causa da parte. Os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados com base nos parâmetros previstos no art. 85, §2º, do CPC, levando-se em consideração as características da lide, o trabalho desempenhado pelos advogados e o tempo exigido para o seu serviço. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.23.164985-6/001, Relator(a): Des.(a) Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/09/2023, publicação da súmula em 14/09/2023) (grifos acrescidos)
O veto a esse dispositivo tem, portanto, fundamento na sua contrariedade ao interesse público.
Os §§ 2º e 3º do art. 7º da Proposição
“Art. 7º – (…)
§ 2º – Constatado descumprimento do disposto nesta lei em prejuízo de beneficiário segurado de entidade pública de previdência social, esta será notificada para adoção das medidas cabíveis em relação ao infrator.
§ 3º – Na hipótese do § 2º, tratando-se de entidade pública estadual, observar-se-á o seguinte:
I – suspensão do recebimento de novas consignações ou negócios similares do infrator, enquanto perdurar a infração;
II – suspensão do recebimento de novas consignações ou negócios similares do infrator pelo prazo de um ano, em caso de reincidência;
III – suspensão do recebimento de novas consignações ou negócios similares do infrator pelo prazo de cinco anos, quando este incorrer em dez casos de descumprimento do disposto nesta lei.”
Motivos do Veto
Os §§ 2º e 3º do art. 7º da presente proposição estabelecem regras de competência para fiscalização da publicidade, oferta e celebração de crédito pelas entidades públicas estaduais que operacionalizam a consignação em folha de pagamento. Entretanto, a matéria é reservada à iniciativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos do inciso III do art. 66 da Constituição do Estado.
Ressalta-se, oportunamente, que a consignação em folha de pagamento não se confunde com a relação jurídica contratual estabelecida entre servidor consignado e a entidade privada consignatária, cabendo às unidades de processamento do pagamento do Estado gerir os sistemas de consignação e efetuar os descontos em folha de pagamento, nos termos da Lei nº 19.490, de 13 de janeiro de 2011, e do Decreto nº 46.278, de 19 de julho de 2013.
Ademais, cumpre ponderar que a instituição de competências fiscalizatórias alheias à operacionalização das consignações estabelece um ônus capaz de desestruturar o funcionamento das respectivas unidades, uma vez que compreende a abertura de processos administrativos para cada irregularidade verificada no âmbito da publicidade, oferta, celebração e execução de contratos de empréstimo consignado celebrados entre particulares. Nesse sentido, acarretaria, ainda que indiretamente, impactos financeiros ao Estado, tratando-se, portanto, de interesses e iniciativa do Poder Executivo.
O veto a esse dispositivo tem, portanto, fundamento na sua inconstitucionalidade e na contrariedade ao interesse público.
Em conclusão, Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados, esses são os motivos de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público que me levam a vetar parcialmente a proposição acima.
Nesses termos, submeto os motivos de veto à apreciação e à deliberação da Assembleia Legislativa, conforme dispõe o § 5º do art. 70 da Constituição do Estado.
Na oportunidade, reitero meu apreço e consideração a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro.
Romeu Zema Neto, governador do Estado.