PL PROJETO DE LEI 814/2023
Projeto de Lei nº 814/2023
Reconhece como de relevante interesse cultural e ambiental do Estado as retomadas de terras indígenas.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam reconhecidas como de relevante interesse cultural e ambiental do Estado as retomadas de terras indígenas.
Art. 2º – O reconhecimento de que trata esta Lei tem por objetivo valorizar, promover e difundir as retomadas de terras indígenas como:
I – bens, manifestações e expressões culturais que contêm referências à identidade, à ação e à memória dos povos indígenas como um dos diferentes grupos formadores da sociedade mineira;
II – prática que contribui para a concretização da função socioambiental da posse e da propriedade da terra, bem como do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que deve ser defendido e preservado pelo Poder Público e pela coletividade para as presentes e futuras gerações;
III – elevar a autoestima das comunidades e da sociedade mineira e seu apreço pelos bens culturais e ambientais de seu território, bem como pela necessidade de reparação histórica em razão das violações de direitos dos povos originários.
Art. 3º – As retomadas de terras indígenas, reconhecidas como de relevante interesse cultural e ambiental, nos termos desta lei, poderão ser objeto de proteção pelo Estado, por meio de procedimentos administrativos de iniciativa dos órgãos competentes para a execução da política de patrimônio cultural e ambiental, conforme legislação pertinente.
Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 29 de maio de 2023.
Bella Gonçalves
Justificação: Em um contexto de formação nacional marcada pela invasão e dominação estrangeira e pelas violações de direitos dos povos originários e da Terra, as retomadas se apresentam como instrumento de luta dos povos indígenas. Nas palavras de Karai Tiago dos Santos, liderança Guarani Mbya da TI Tenondé Porã, “elas podem ser vistas assim por outros olhares”, uma vez que “para nós, é o que garante nossa continuidade”, assim como explicita que “Não é que se diga 'vamos retomar para mostrar para o governo' ou 'vamos retomar porque senão vamos perder território'. Para os povos indígenas, retomadas são muito além disso. É o que a gente precisa para continuar em pé nesse mundo”. Afirma ainda que a decisão de retomar não acontece no plano mundano: “Os espíritos dos nossos ancestrais nos guiam. A retomada é feita nessa busca. É muito difícil compreendê-la, mas nós que somos indígenas conseguimos entendê-la perfeitamente”, pois, conforme afirma, “é uma reconexão. Com os espíritos da mata e da natureza, com o sentido da nossa vida para nós mesmos e para nosso mundo”. Também conforme o cacique Babau, da TI Tupinambá de Olivença, “vemos a retomada como uma oração”, como “um ritual de recuperar não só a terra, mas a nossa existência. Não nos referimos só ao território, mas a tomar na mão a vida que foi tirada” (BRASIL DE FATO, Retomadas em todo o país: indígenas ocupam suas terras ancestrais, ainda que sob ataque, 14/11/2021).
Além de toda a relevância história e cultural, as retomadas também cumprem um papel fundamental na preservação ambiental. Um levantamento feito pela organização MapBiomas com base em imagens de satélites e em inteligência artificial mostra que, entre 1985 e 2020, as áreas mais preservadas do Brasil foram as terras indígenas – tanto as já demarcadas quanto as que ainda esperam por demarcação, sendo que, nesses territórios, o desmatamento e a perda de floresta foi de apenas 1,6% no período de 35 anos, número infinitamente menor do que nas demais áreas (O GLOBO, Terras indígenas são as áreas mais preservadas do Brasil nos últimos 35 anos, mostra levantamento, 27/8/2021).
Resta evidente, portanto, a relevância cultural e ambiental das retomadas indígenas. Destaca-se, por fim, que a presente proposição é decorrente dos debates da audiência pública realizada em 26/5/2023, pela Comissão de Participação Popular, com a finalidade de debater a participação dos povos indígenas da Região Metropolitana de Belo Horizonte nas políticas públicas de efetivação de seus direitos (RQC n 1.317/2023). Assim, apresenta-se o presente projeto de lei, contando com o apoio dos nobres pares para sua aprovação.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Cultura para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.