PL PROJETO DE LEI 393/2023
Projeto de Lei nº 393/2023
Institui a Política Estadual pela Primeira Infância.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Capítulo I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º – Fica instituída a Política Estadual pela Primeira Infância, com os princípios, as diretrizes e as competências para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância no Estado.
§ 1º – As políticas públicas para a primeira infância são instrumentos por meio dos quais o Estado assegura o atendimento dos direitos da criança na primeira infância, com vistas ao seu desenvolvimento integral, considerando-a como sujeito de direitos e cidadã.
§ 2º – Para os efeitos desta Política, considera-se primeira infância o período que abrange os primeiros seis anos completos ou setenta e dois meses de vida da criança, considerados na perspectiva do ciclo vital e do contexto familiar e sociocultural em que se insere.
§ 3º – As políticas públicas a que se refere esta lei, bem como os planos, programas, projetos, serviços e benefícios de atenção à criança executados pelo Estado, serão formulados segundo o princípio da prioridade absoluta estabelecida no art. 227 da Constituição Federal e explicitada no art. 4º da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e no art. 3º da Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016 (Marco Legal da Primeira Infância) devendo ser reconhecida a condição peculiar da criança como sujeito em desenvolvimento.
Art. 2º – O monitoramento e a avaliação da Política e seus desdobramentos visarão assegurar a plena vivência da infância enquanto valor em si mesma e como etapa de um processo contínuo de crescimento, desenvolvimento, aprendizagem e participação social.
Seção I
Dos Princípios, das Diretrizes e das Áreas Prioritárias
Art. 3º – A Política, seus planos, programas, projetos, serviços e benefícios voltados ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância, considerando as peculiaridades dessa faixa etária e mantendo relação com as etapas posteriores da vida, obedecerão aos seguintes princípios:
I – atenção ao interesse superior da criança;
II – promoção do desenvolvimento integral e integrado de suas potencialidades;
III – abordagem multidisciplinar e intersetorial das políticas públicas em todos os níveis, com foco nas necessidades de desenvolvimento da criança, priorizando a atuação dos serviços de atendimento nos territórios de domicílio da criança;
IV – fortalecimento do vínculo e pertencimento familiar;
V – estreitamento dos laços comunitários;
VI – participação da criança na definição das ações que lhe dizem respeito, de acordo com o estágio de desenvolvimento e formas de expressão próprias de sua idade;
VII – respeito à individualidade e ritmo próprio de cada criança;
VIII – investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação da criança deve ser prioridade, para que se garanta isonomia ao acesso de bens e serviços que atendam crianças na primeira infância;
IX – atenção às necessidades das crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação e outras situações que requerem atenção especializada;
X – corresponsabilidade da família, da comunidade e da sociedade na atenção, proteção e promoção do desenvolvimento integral da criança;
XI – celeridade no processo de adoção, de modo a possibilitar o encaminhamento a famílias adotivas da forma mais breve possível, respeitando-se o trâmite judicial.
Art. 4º – São diretrizes para a formulação, elaboração, implementação e avaliação da Política:
I – fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância a partir de atividades centradas na criança, focadas na família e baseadas na comunidade;
II – participação solidária das famílias e da sociedade, por meio de organizações representativas na proteção e promoção da criança na primeira infância e controle social das políticas públicas;
III – envolvimento do pai/parceiro em todo o processo de planejamento reprodutivo, gestação, parto, puerpério e cuidado parental, e, quando não houver esta figura, assegurar apoio às mulheres que são responsáveis unilateralmente pelos seus filhos, se desejarem.
IV – consideração do conhecimento científico, da ética e da experiência profissional nos diversos campos da atenção à criança e sua família;
V – realização de planos, programas, projetos, serviços e benefícios do Estado e Municípios, a curto, médio e longo prazo;
VI – previsão e destinação de recursos financeiros, segundo o princípio da prioridade absoluta na garantia dos direitos da criança e do adolescente, preferencialmente por meio da criação de rubricas orçamentárias específicas;
VII – monitoramento permanente, avaliação periódica e ampla publicidade das ações, dos resultados e do orçamento e recursos investidos;
VIII – o respeito à formação cultural da criança, relativamente à identidade cultural e regional e às condições socioeconômicas, étnico-raciais, linguísticas e religiosas, sem prejuízo do direito de acesso a outras culturas e formas de aprendizado, e liberdade de escolha de qual seguir;
IX – a busca ativa por famílias adotivas, para crianças em acolhimento familiar ou institucional, de modo a tornar esse processo o mais célere possível.
Art. 5º – Constituem áreas prioritárias para a Política sem prejuízo de outras que porventura venham a ser identificadas em consonância com os princípios desta política:
I – convivência familiar e comunitária;
II – saúde materno-infantil;
III – segurança e vigilância alimentar e nutricional;
IV – educação infantil;
V – erradicação da pobreza;
VI – assistência social à família e à criança;
VII – cultura da infância, para a infância e com a infância;
VIII – o brincar e o lazer;
IX – interação social no espaço público;
X – ocupação e uso do espaço urbano e rural, e incentivo à convivência em áreas verdes e participação no planejamento e na gestão urbana, em consonância com os Municípios;
XI – direito ao meio ambiente sustentável;
XII – garantia dos direitos humanos fundamentais;
XIII – difusão da cultura de paz, educação sem uso de castigos físicos e proteção contra toda forma de violência;
XIV – prevenção de acidentes;
XV – promoção de estratégias de comunicação que visem à formação da cidadania das crianças;
XVI – proteção contra exposição precoce aos meios digitais;
XVII – proteção contra qualquer publicidade dirigida às crianças na primeira infância.
Seção II
Da Política Estadual pela Primeira Infância de Minas Gerais
Art. 6º – Compete ao Estado coordenar a Política, em articulação e cooperação com os municípios na execução de suas respectivas Políticas Municipais pela Primeira Infância com ampla participação da sociedade.
Art. 7º – A Política será formulada e implementada mediante a abordagem e coordenação intersetorial que articule as diversas políticas setoriais, seus planos, programas, projetos, serviços e benefícios a partir de uma visão abrangente para atendimento de todos os direitos da criança na primeira infância, resguardando as especificidades de cada política e assegurando, pelo menos, as seguintes competências:
I – formação e educação permanente dos profissionais, conselheiros tutelares e conselheiros de direitos que atuam nas políticas públicas, incluindo o preparo para a atuação intersetorial e a especialização para atendimento das diferentes infâncias e das crianças com deficiência, incluindo a detecção precoce de sinais de risco ao desenvolvimento psíquico;
II – oferta de educação infantil suficiente para garantir o acesso a todas as crianças, com qualidade e considerando a indissociabilidade entre o cuidar e o educar, bem como as necessárias interações sociais, o processo lúdico e o brincar como eixos estruturantes, com atividades educativas e de fortalecimento de vínculos entre família e comunidade, inclusive nos finais de semana;
III – atendimento integral à saúde das crianças segundo a Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança – PNAISC;
IV – desenvolvimento de ações voltadas à prevenção da gravidez na adolescência e das doenças sexualmente transmissíveis, para a proteção do nascituro, com atenção para as estudantes grávidas e mães de bebês, a seguirem o processo de escolarização continuada, bem como ações voltadas à prevenção da sexualização precoce;
V – proteção da criança contra todo tipo de violência, abuso e exploração sexual, bullying, exposição a conteúdo pornográfico ou sexualmente apelativo, as armas, substâncias psicoativas e outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, independentemente de se tratar de exposição forçada ou consentida;
VI – acesso a serviços socioassistenciais e setoriais às famílias e às crianças na Primeira Infância;
VII – promoção de meios e oportunidades para as crianças na primeira infância participarem de manifestações artísticas e culturais, como consumidoras e produtoras de cultura, nas suas diferentes expressões e valorização da diversidade regional, observada a respectiva faixa etária;
VIII – atendimento integral e integrado nas unidades prisionais ou socioeducativas, às crianças de zero a nove meses, filhas de mulheres em privação de liberdade;
IX – oferta de atenção integral e integrada às mulheres em prisão domiciliar, com crianças na primeira infância, bem como aos seus filhos, devendo ambos serem referenciados na Rede Socioassistencial e incluídos em programas de apoio à parentalidade;
X – oferta de tecnologia assistida em bibliotecas, museus e pontos de cultura às crianças de zero a seis anos, para tornar tais espaços lugares de inclusão social;
XI – proteção e promoção dos direitos das crianças nos meios de comunicação social e na internet;
XII – educação ambiental às crianças na primeira infância visando fortalecer nelas a consciência de serem integrantes, interdependentes e transformadoras do ambiente em que vivem;
XIII – criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças, bem como a fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades;
XIV – criação de acessibilidade e adaptação dos espaços públicos para favorecer a participação de qualquer criança, oferecendo espaços seguros e livres de riscos e de acidentes;
XV – oferta de serviços de transporte escolar acessível e seguro, adequado às características etárias das crianças, por meio de ações regulatórias, bem como educação para o trânsito seguro;
XVI – a garantia de vacinas para toda população infantil, conforme as recomendações do Programa Nacional de Imunização;
XVII – o desenvolvimento de ações que garantam o direito à amamentação nos locais de trabalho, bem como em quaisquer locais públicos ou privados, além do aconselhamento qualificado para a amamentação nas instalações de saúde;
XVIII – proteção à liberdade religiosa;
XIX – o direito de acesso e contato direto com a natureza.
Art. 8º – As famílias com criança na fase da primeira infância terão prioridade na Política, nas situações de:
I – isolamento;
II – trabalho infantil;
III – vivência de violências;
IV – abandono ou omissão que prive as crianças dos estímulos essenciais ao desenvolvimento motor, sócio afetivo, cognitivo e da linguagem;
V – privação do direito à Educação;
VI – acolhimento institucional ou familiar;
VII – abuso e/ou exploração sexual;
VIII – desemprego dos ascendentes diretos;
IX – vivência de rua;
X – deficiência ou risco ao desenvolvimento psíquico saudável;
XI – desnutrição ou obesidade infantil;
XII – medida de privação de liberdade da mãe ou pai;
XIII – emergência ou calamidade pública;
XIV – privação ao direito à moradia em função de determinação administrativa ou judiciária;
XV – aplicação de outras medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Seção III
Do Atendimento às Famílias
Art. 9º – Os programas destinados ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários no exercício do cuidado, proteção social e educação dos filhos, integrarão as ações voltadas à criança na primeira infância e deverão ser articuladas às áreas prioritárias para a Política, previstas no art. 5º, com vistas ao desenvolvimento integral e integrado da criança e suas famílias.
Parágrafo único – O Estado buscará garantir atendimento integral e integrado às crianças na primeira infância, incluindo as crianças com mais de nove meses de idade, cujas mães estejam em cumprimento de pena em unidade prisional ou no sistema socioeducativo, contemplando atividades de arte, cultura, esporte, brincar, lazer e recreação.
Art. 10 – As ações voltadas ao atendimento das famílias deverão respeitar seu papel central e insubstituível de proteção, promoção, cuidado e educação de seus filhos, objetivando atender às necessidades de desenvolvimento integral da criança.
Art. 11 – O atendimento às famílias, incluindo programas de parentalidade, deverá reconhecer suas potencialidades, valorizando suas competências e possibilidades de discutir, refletir e definir seu próprio projeto de vida na condução da educação das crianças, na perspectiva da garantia de direitos sociais, econômicos e culturais e do desenvolvimento da autonomia e do protagonismo, bem como na gestão das políticas públicas que as envolvam.
Art. 12 – As políticas públicas para o atendimento das famílias deverão superar a visão assistencialista, individualista e fragmentada das necessidades das crianças e de suas famílias.
Seção IV
Da Participação Social
Art. 13 – A sociedade participará da proteção e promoção do desenvolvimento integral da criança na primeira infância, em parceria com o poder público, dentre outras formas:
I – integrando conselhos de áreas relacionadas à primeira infância, com função de acompanhamento, controle e avaliação;
II – apoiando e participando das redes intersetoriais de proteção e promoção do desenvolvimento integral da criança nas comunidades;
III – promovendo ou participando de campanhas e ações socioeducativas que visem aprofundar a consciência social sobre o significado da primeira infância no desenvolvimento do ser humano.
IV – executando ações complementares ou em parceria com o poder público, que contemplem a primeira infância;
V – desenvolvendo programas, projetos e ações compreendidos no conceito de responsabilidade social e de investimento social privado.
Seção V
Do Plano Estadual pela Primeira Infância no Estado de Minas Gerais
Art. 14 – A Política servirá como base para a elaboração do Plano Estadual pela Primeira Infância, referenciado e articulado com o Plano Nacional pela Primeira Infância, observando-se, na sua elaboração:
I – sua duração mínima e período de avaliação;
II – abrangência de todos os direitos das crianças nessa faixa etária;
III – concepção integral da criança como pessoa, sujeito de direitos e cidadã;
IV – inclusão de todas as crianças, com prioridade absoluta às que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco;
V – elaboração conjunta e participativa de todos os setores e órgãos estaduais e municipais que atuam em áreas que têm competências diretas ou relacionadas à vida e desenvolvimento das crianças;
VI – participação da sociedade, por meio de organizações representativas, das famílias e crianças, na sua elaboração, assegurando, por meio de técnicas pedagógicas adequadas, a participação das crianças de até seis anos na elaboração dos Planos Estadual e Municipais pela Primeira Infância;
VII – articulação e complementaridade das ações deste Estado com as dos seus Municípios e da União referentes à Primeira Infância;
VIII – monitoramento contínuo do processo, incluindo os elementos que compõem a oferta dos serviços e avaliação dos resultados.
§ 1º – Para adequado cumprimento desta lei o executivo elaborará, no prazo de 1 (um) ano, a contar da publicação desta proposição, o Plano Estadual pela Primeira Infância, tendo como referência o Plano Nacional da Primeira Infância e a legislação que rege o tema.
§ 2º – Os municípios contarão com a articulação e a cooperação do Estado para implementar os respectivos Planos Municipais pela Primeira Infância, conforme prazo estabelecido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda.
Seção VI
Das Parcerias
Art. 15 – Para os fins de execução das políticas públicas de Primeira Infância, o Poder Executivo poderá firmar convênios com órgãos da administração direta ou indireta, com outras esferas de governo, bem como celebrar parcerias com o setor privado e termos de fomento e colaboração, na forma da lei, que deverão ser precedidas, obrigatoriamente, de licitação ou chamamento público, aos quais se dará ampla publicidade.
Seção VII
Do Comite Gestor
Art. 16 – A coordenação, articulação, monitoramento e avaliação da Política Estadual pela Primeira Infância previstos nesta lei, serão executados por meio de Comitê Estadual Intersetorial de Políticas Públicas pela Primeira Infância, a ser criado pelo Poder Executivo, com a finalidade assegurar a articulação das ações voltadas à proteção e à promoção dos direitos da criança na primeira infância, em âmbito estadual, conforme dispuser regulamento.
Seção VIII
Das Disposições Finais
Art. 17 – Cada secretaria estadual e outros órgãos responsáveis pelo atendimento da criança na primeira infância, no âmbito de suas competências, ao elaborar suas propostas orçamentárias destacarão os recursos para financiamento dos planos, programas, projetos, serviços e benefícios, consolidando essas informações em única rubrica, de modo que seja possível identificar no orçamento do Estado qual o total de gastos com a Política.
Art. 18 – O Estado informará à sociedade, anualmente, a soma dos recursos aplicados no conjunto de programas e serviços voltados à primeira infância e o percentual estimado que os valores representam em relação ao respectivo orçamento realizado.
Art. 19 – Estará previsto no Plano Estadual da Primeira Infância de Minas Gerais informações sobre a soma dos recursos orçamentários que serão aplicados no conjunto dos programas e serviços voltados à primeira infância.
Art. 20 – As despesas decorrentes da execução do disposto nesta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 21 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 20 de março de 2023.
Ana Paula Siqueira, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (Rede).
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Doutor Jean Freire. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 2.915/2021, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.