PL PROJETO DE LEI 217/2023
Projeto de Lei nº 217/2023
Institui o Protocolo Não se Cale MG para a implementação de medidas de proteção a mulheres em situação de risco ou violência sexual nas dependências de estabelecimentos de lazer no âmbito do território de Minas Gerais e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído no âmbito do Estado de Minas Gerais o Protocolo Não se Cale MG que estabelece a obrigatoriedade de implementação pelos espaços de lazer de medidas de proteção a mulheres em situação de risco ou violência sexual nas dependências de seus estabelecimentos em todo o território de Minas Gerais.
Parágrafo único – Para os efeitos desta lei, consideram-se:
I – espaços de lazer as casas noturnas, baladas e festas, inclusive as universitárias e estudantis, festivais de artes e shows, casas de shows, museus, teatros, restaurantes, bares, hotéis, hospedarias e quaisquer espaços de convivência e ambientes destinados ao entretenimento e diversão, bem como os demais estabelecimentos congêneres.
II – situação de risco a mulher que alegue ter sido submetida, nas dependências do estabelecimento de lazer, a qualquer ato, tentativa ou outra forma de coação que tenha por finalidade a interação sexual sem consentimento.
Art. 2º – A fim de observar o Protocolo Não se Cale MG, os espaços de lazer deverão adotar ações de prevenção e acolhimento a potenciais vítimas de situações de risco ou violência sexual nas dependências de seus estabelecimentos.
§ 1º – Consideram-se ações de prevenção de que trata o caput aquelas que contemplem, no mínimo:
I – afixação de placas de fácil visualização para conscientização e acesso aos meios de denúncia para casos de situações de risco ou de violência sexual;
II – disponibilização de material informativo sobre os canais de comunicação de denúncia de situações de risco ou violência sexual;
III – instalação, pelos estabelecimentos elencados nesta lei, de canais virtual e físico de denúncia de situações de risco ou de violência sexual ocorrida no estabelecimento;
IV – elaboração de protocolo de prevenção, conscientização e tratamento sobre situações de risco ou de violência sexual;
V – qualificação e treinamento dos funcionários e demais ocupantes de funções administrativas e de gerência para a identificação de situações de risco iminente e de acolhimento às potenciais vítimas;
VI – designação de funcionário ou funcionária especialmente treinados para o acompanhamento da potencial vítima;
VII – implantação de vigilância especial em áreas de baixa iluminação, isolamento ou qualquer outra condição física que torne o espaço confinado, isolado ou que favoreça a vulnerabilidade física do usuário.
§ 2º – Consideram-se ações de acolhimento de que trata o caput aquelas que contemplem, no mínimo:
I – ouvir, confortar e respeitar a vítima;
II – afastar a vítima do agressor ou agressores;
III – procurar pelos amigos da denunciante, se os houver no momento, e encaminhá-los para o local protegido onde a vítima estiver;
IV – propiciar o acompanhamento de potencial vítima por funcionário ou funcionária especialmente treinado ou treinada para o acolhimento da mesma, desde a identificação ou denúncia do ocorrido até o efetivo deslocamento para delegacias especializadas ou atendimento médico;
V – providenciar o acionamento imediato das autoridades policiais e de proteção da mulher;
VI – viabilizar o encaminhamento das denúncias às autoridades responsáveis com máxima eficiência e discrição para a proteção da integridade física e moral da potencial vítima.
Art. 3º – Constatada, por qualquer meio, a ocorrência de situação de risco ou violência sexual em suas dependências, os estabelecimentos elencados nesta lei, deverão adotar medidas que visem à preservação de todas as evidências que possam ser utilizadas pela autoridade policial para a investigação das alegações da potencial vítima, como imagens de câmeras de segurança, lista de nomes das pessoas que estavam no local dos fatos alegados, isolamento da área dos fatos para posterior perícia forense e identificação de possíveis testemunhas, entre outras que se fizerem necessárias à elucidação dos fatos requisitadas pela Autoridade Competente.
Art. 4º – Os estabelecimentos elencados nesta lei deverão, sempre que necessário, prestar auxílio às autoridades policiais e de proteção da mulher na apuração e investigação das denúncias de situações de risco ou violência sexual ocorridos em suas dependências, tais como:
I – agilidade no auxílio da coleta de provas;
II – facilitação da identificação de potenciais testemunhas;
III – facilitação do acesso da autoridade policial às câmeras de segurança ou outros meios de identificação do suspeito.
Art. 5º – O Poder Público poderá adotar políticas de incentivo e estimulação à adoção pelos estabelecimentos de laser do Protocolo Não se Cale MG, como a concessão de selos especiais para a fixação no exterior dos estabelecimentos, nos moldes a serem regulamentados pelo Poder Público concedente.
Art. 6º – A infração às disposições da presente lei acarretará aos infratores as sanções previstas na Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Art. 7º – Esta lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 6 de fevereiro de 2023.
Lohanna (PV) – Doutor Jean Freire (PT) – Ione Pinheiro (União).
Justificação: A violência contra mulheres constitui-se em uma das principais formas de violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física. Ela é estruturante da desigualdade de gênero.
Não se pode olvidar que a violência atinge mulheres e homens de formas distintas. Grande parte das violências cometidas contra as mulheres é praticada no âmbito privado, enquanto que as que atingem homens ocorrem, em sua maioria, nas ruas.
Todavia, não é apenas no âmbito doméstico que as mulheres são expostas à situação de violência. Esta pode atingi-las em diferentes espaços.
Neste contexto, pesquisas de opinião, como “Bares Sem Assédio”, promovida por uma marca de bebida e amplamente divulgada no ano de 2022, detectou que cerca de dois terços das brasileiras entrevistadas relatam já terem sofrido algum tipo de assédio em bares, restaurantes e casas noturnas, número que sobe para 78% quando incluídas as trabalhadoras nestes locais; 53% das entrevistadas já deixaram de ir a um bar ou balada por medo de assédio e apenas 8% frequentam regularmente este tipo de estabelecimento sozinhas. Cerca de 13% nunca se sentem seguras nestes ambientes e 41% só se sentem mais confortáveis na presença de um grupo de amigos. (https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2022/03/07/johnnie-walker-vai-custear-40-bares-sem-assedio-para-mulheres-pelo-brasil.html/).
Na mesma pesquisa é possível constatar que, dentre as mulheres que relatam assédios, e 40% já foram seguradas por alguma parte do corpo por não terem dado atenção ao agressor; 63% contam que sentiram raiva e 49% impotência diante da violência. 93% atribuem as agressões a outros clientes dos estabelecimentos e 89% nunca chegaram a denunciar as agressões, seja por não saber como (24%), por sentirem medo (18%) ou vergonha (17%).
Em Minas Gerais, em relação a estupros, dados coletados da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) combinados com estatísticas do IBGE e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública detalham que, somente na capital mineira, 613 mulheres foram estupradas no ano de 2018. Em 2019 foram 574. Estatísticas do primeiro semestre do ano de 2020 já apresentavam relevantes preocupações: mais de 40.700 mulheres denunciaram terem sido ameaçadas em Minas Gerais nos seis primeiros meses daquele ano, e outras 10.768 relataram agressões à polícia.
O número de mulheres agredidas em bares, lanchonetes, restaurantes, boates, espaços de shows destaca a importância de que estes sejam espaços seguros a elas. Levantamento feito pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública- Sejusp a pedido da reportagem do jornal “O Tempo” indica que 75 mulheres foram vítimas de agressões em espaços como estes apenas entre os meses de janeiro e setembro de 2020, índices estes considerando-se ainda os impactos da pandemia Covid-19, que impediram o funcionamento destes estabelecimentos. (https://www.otempo.com.br/cidades/lei-determina-que-bares-e-boates-de-bh-deem-suporte-a-mulheres-em-risco-1.2410572).
Embora se devam considerar as cifras ocultas dessa prática criminosa, por afetar profundamente a intimidade e privacidade, bem como seus efeitos físicos, sexuais e psíquicos na vida das pessoas, especialmente de mulheres e meninas, independentemente da determinação biológica, pode-se afirmar que é uma das violações de direitos humanos mais presentes em nossa sociedade.
Observa-se, na sociedade, uma crescente indignação com a violência sexual, por um lado, e de outro, sua banalização diante de casos em que as vítimas, por razão de gênero, são tratadas com descrédito, como ocorreu com Mariana Ferrer, uma jovem vítima de estupro numa casa noturna em Santa Catarina, onde trabalhava, e que, além disso sofreu um conjunto de humilhações no processo legal, dando origem à Lei nº 14.245/2021.
O recente caso de denúncia de estupro envolvendo um jogador famoso na Espanha (Barcelona) em processo ainda em curso, trouxe à luz a possibilidade de serem criadas medidas concretas que envolvam diversos atores sociais para enfrentar este problema, quando se dá em ambiente destinado ao lazer.
O Protocolo “No Callem” (Não nos Calaremos, 2018), de Barcelona, resultou de um trabalho da Prefeitura daquela cidade catalã com os movimentos de mulheres, estabelece normas e fluxos para que toda e qualquer forma de assédio ou violência sexual possa ser prevenida e interrompida quando ocorrer em discotecas ou estabelecimentos noturnos, eventos festivos, bares, restaurantes ou qualquer outro estabelecimento de grande circulação de pessoas. Foi a existência deste mecanismo e a adesão da Discoteca Sutton ao mesmo, o que assegurou à jovem de 23 anos ser retirada de imediato do local e levada de ambulância para exame de corpo de delito, ser observada por câmeras, ser atendida prontamente, ser protegida de possíveis novas agressões, ser acolhida para possíveis impactos sobre sua saúde integral. O objetivo do Protocolo é proteger a vítima e prevenir episódios, mas também se estende à responsabilização do agressor, ao acionar o sistema de segurança pública.
Há um consenso sobre este caso, segundo o qual sem a existência do Protocolo No Callem, criado em 2018, dificilmente a jovem teria obtido o sucesso na sua busca por justiça. Foram os procedimentos que garantiram a existência de provas e testemunhas, e a certeza de que estavam agindo dentro da lei.
Diante deste contexto, diversas autoridades parlamentares, sejam elas municipais, estaduais e federais, protocolaram projetos visando a instituição do Protocolo em casas noturnas, bares, restaurantes e estabelecimentos congêneres, projetos estes que inspiraram e espelharam o que ora se propõe visando salvaguardar a dignidade da mulher mineira.
O enfrentamento das múltiplas formas de violência contra as mulheres é uma importante demanda no que diz respeito a condições mais dignas e justas para as mulheres.
A mulher deve possuir o direito de não sofrer agressões no espaço público ou privado, a ser respeitada em suas especificidades e a ter garantia de acesso aos serviços da rede de enfrentamento à violência de gênero, quando passar por situação em que sofreu algum tipo de agressão, seja ela física, moral, psicológica ou verbal. (http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas-tematicas/violencia).
Assim, é dever do Estado e uma demanda da sociedade, especialmente a mineira, enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. Coibir, punir e erradicar todas as formas de violência deve ser considerada preceito fundamental de estado que preze por uma sociedade justa e igualitária entre mulheres e homens.
Diante do exposto e em prol da dignidade da mulher mineira é que me uno às diversas vozes espalhadas pelo território mineiro e brasileiro, através da proposição do presente projeto, para ratificar e fortalecer a presença da mulher em todo e qualquer lugar onde ela queira estar, razão pela qual pedimos o voto favorável das nobres deputadas e dos nobres deputados desta Assembleia Legislativa, tendo em vista o relevante e urgente interesse público.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pela deputada Ione Pinheiro. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 3.111/2021, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.