PL PROJETO DE LEI 1250/2023
Projeto de Lei nº 1.250/2023
Dispõe sobre o sistema de reserva de vagas nas seleções para os programas de estágio e residência de nível superior e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído o sistema de reserva de vagas nas seleções para os Programas de Estágio e Residência de nível superior na administração pública estadual direta, autárquica, fundacional e nas sociedades empresariais contratadas pelo poder público, inclusive permissionárias e concessionárias do serviço público.
§ 1º – Poderão concorrer às vagas de estágio e residência de nível superior os estudantes regularmente matriculados e com frequência devidamente comprovada em instituições públicas ou privadas de ensino superior em curso compatível com as atividades a serem desenvolvidas.
§ 2º – O sistema de reserva de vagas de que trata o caput será adotado com a finalidade de assegurar seleção e classificação final aplicável ao ingresso de estudantes:
I – negros;
II – indígenas;
III – quilombolas;
IV – autodeclarados travestis e transexuais;
V – pessoas com deficiência;
VI – com filhos em idade de 0 a 5 anos e 11 meses;
VII – que cursaram a integralidade do ensino médio na rede pública;
VIII – em vulnerabilidade socioeconômica com cadastro atualizado no CadÚnico.
§ 3º – O estágio a que se refere o caput trata-se de ato educativo supervisionado e possivelmente reembolsado, desenvolvido no ambiente de trabalho, conforme disposto na Lei Federal nº 11.788, de 25 de setembro de 2008.
Art. 2º – A reserva de vagas será aplicada quando o número de vagas oferecidas na seleção for igual ou superior a três:
§ 1º – Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas:
I – o quantitativo será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que cinco décimos;
II – o quantitativo será diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que cinco décimos.
§ 2º – Fica definido o quantitativo mínimo de 25% e o máximo de 40% de vagas para a reserva de vagas.
§ 3º – Fica definido o quantitativo mínimo de 60% e o máximo de 75% de vagas para a ampla concorrência.
§ 4º – Compreende-se enquanto candidato de ampla concorrência a pessoa que não se enquadra nas modalidades de reserva de vagas definidas no art. 1º, § 2º, I ao VIII.
Art. 3º – Dentre as vagas reservadas para os grupos estipulados no art. 1º, § 2º, I ao VIII, fica definido o percentual de vagas que serão distribuídas entre estes no percentual de mínimo de:
I – 20% (vinte por cento) de vagas reservadas para graduandos negros, indígenas e quilombolas;
II – 20% (vinte por cento) de vagas reservadas para graduandos que cursaram a integralidade do ensino médio na rede pública;
III – 20% (vinte por cento) de vagas reservadas para graduandos em vulnerabilidade socioeconômica com cadastro atualizado no CadÚnico; transexuais e travestis, pessoas com deficiência e com filhos em idade de 0 a 5 anos e 11 meses.
Parágrafo único – O percentual de 40% (quarenta por cento) restante poderá ser remanejado de modo ampliar a reserva de vagas para determinado grupo, sendo obrigatória a fundamentação dessa escolha.
Art. 4º – Fica mantido o regime de autodeclaração nas inscrições para graduandos negros, sendo obrigatória a instituição de Comissão de Heteroidentificação, para verificar a regularidade do exercício dos direitos reconhecidos e reparados por esta lei, especialmente para apurar casos de desvio de finalidade, fraude ou falsidade ideológica, sendo facultada a criação de outros mecanismos para estes fins.
§ 1º – A Comissão de Heteroidentificação necessariamente deverá ser composta por cinco pessoas e um suplente, sendo priorizada a pluralidade étnico-racial dos membros avaliadores.
§ 2º – A aprovação do candidato será dada por aprovação da maioria simples dos votos avaliadores.
§ 3º – Em caso de indeferimento da candidatura da parte dos avaliadores, o estudante terá direito a uma Banca Recursal, composta por cinco pessoas diferentes das que o avaliaram na primeira banca.
§ 4º – Caso o candidato seja indeferido na Banca Recursal, o processo para este se encerrará, em decorrência da verificação de desvio de finalidade, fraude ou falsidade ideológica.
§ 5º – A banca irá realizar a leitura do conjunto dos traços fenotípicos étnico-raciais do candidato, não sendo a ancestralidade, direta ou indireta, critério para aprovação.
Art. 5º – Candidatos indígenas e quilombolas devem apresentar carta de declaração de pertencimento à comunidade indígena ou quilombola assinada por liderança ou emitida por órgão público pertinente.
Art. 6º – Candidatos que se enquadram enquanto Pessoa com Deficiência – PcD – devem apresentar laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, emitido nos últimos 24 (vinte e quatro) meses, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença – CID-10 –, bem como a provável causa da deficiência, no qual deverá constar o nome completo e o número de registro no Conselho Regional de Medicina – CRM – do médico que o forneceu.
Parágrafo único – Os exames comprobatórios da deficiência, mesmo quando perceptível para a comissão de análise, são obrigatórios.
Art. 7º – Graduandos que se reconhecem enquanto pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis) deverão comprovar a sua condição por meio de documento de autodeclaração.
Art. 8º – Aos demais grupos, os seguintes documentos serão aceitos para comprovação de situação:
§ 1º – Histórico escolar, em caso de graduandos oriundos da rede pública de ensino.
§ 2º – Certidão de nascimento e documento que comprove a guarda da criança, em caso de estudantes com filhos em idade de 0 a 5 anos e 11 meses.
§ 3º – Cadastro atualizado no CadÚnico há no mínimo 12 meses, em caso de graduando em vulnerabilidade socioeconômica.
Art. 9º – Em caso de desempate, a prioridade na reserva de vagas será dada prioridade ao estudante que de maneira concomitante se enquadrar nos grupos estipulados no art. 1º, § 2º, I ao VIII.
Art. 10 – Se o número de candidatos selecionados for menor do que o de vagas reservadas, as vagas remanescentes serão ocupadas pelos demais concorrentes.
Art. 11 – Torna-se obrigatória a divulgação das vagas e dos selecionados em sítio eletrônico por parte da entidade responsável pelo processo seletivo.
Art. 12 – Os aprovados deverão ser convocados, respeitando-se a ordem de classificação.
Art. 13 – O candidato que comprovadamente fraudar o processo, em qualquer etapa, irá responder às devidas sanções jurídicas e administrativas.
Art. 14 – O disposto nesta lei não se aplica às seleções cujos editais tiverem sido publicados antes de sua data de entrada em vigor.
Art. 15 – No prazo de dez anos, a contar da data de publicação desta lei, será promovida a revisão do sistema de reserva de vagas, avaliando o impacto deste programa.
Art. 16 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 22 de agosto de 2023.
Betão, presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social (PT).
Justificação: Dentre as diversas interpretações, compreende-se como ações afirmativas o conjunto de medidas que visam reparar as desigualdades socioeconômicas impostas a determinado grupo social em decorrência de fatores históricos.
Destaca-se em especial a Lei nº 12.711/2012, que trata do ingresso em universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio, e a Lei nº 12.990/2014, que reserva 20% (vinte por cento) das vagas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos, no âmbito da administração pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, para candidatos negros. Ambas as medidas são resultados da luta do movimento negro, indígena e quilombola, do movimento estudantil e de outras organizações que buscam equidade racial e reparação justa para a população negra, povos originários e comunidades tradicionais.
Entretanto, essas não são as únicas minorias que sofreram as consequências dos mais de trezentos anos de escravidão. O presente projeto de lei reconhece que a formação econômica, e consequentemente a social, do Brasil prejudicou o acesso à educação e ao emprego para uma parte significativa da população. Portanto, ele estabelece uma série de grupos que, baseando-se no princípio constitucional da equidade, passarão por um processo seletivo que instituirá um sistema de reserva de vagas, com o intuito de remediar os danos que eles enfrentam diariamente.
No contexto dos concursos públicos, segundo dados da República.org, quando a Lei de Cotas para negros em concursos públicos foi implementada, em 2014, a proporção de brancos ingressando no funcionalismo federal caiu de 64%, em 2008, para 52%. Enquanto isso, o percentual de pretos e pardos aumentou de 29% para 42% no mesmo período, caminhando assim em direção à equidade racial no setor público. Contudo, não houve um aumento correspondente no número de pessoas negras em posições estratégicas e de liderança, que representavam apenas 19% dessas posições.
No mesmo tom de análise da efetividade da implementação de uma política pública de ação afirmativa, a lei de cotas raciais nas universidades possibilitou a transformação de diversas realidades, garantindo uma educação de qualidade aos estudantes, ampliando a representatividade nas instituições de ensino e fomentando a diversidade nesses espaços. De acordo com o Levantamento da Lepes do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, antes da Lei de Cotas, em 2010, apenas 6% dos alunos ingressaram na universidade por meio de alguma política de reserva de vagas. Esse número saltou para 35% em 2019.
Pode-se citar também outras medidas de inclusão, em especial a legislação que buscou assegurar direitos às pessoas com deficiência – PcD – no mercado de trabalho. A Lei nº 8.213/1991, que aborda os Planos de Benefícios da Previdência Social e outras disposições, define, em seu artigo 93, a cota de contratação de beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência. Ademais, a Lei nº 8.112/1990 regula o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, garantindo os direitos dos servidores com deficiência. Contudo, de forma análoga aos grupos mencionados anteriormente, as pessoas com deficiência enfrentam situações de vulnerabilidade, preconceito e exclusão, exigindo um esforço contínuo em prol de políticas públicas que almejam superar o cenário atual de subrepresentação.
Um grupo que segue desamparado e conta com poucas, ou praticamente nenhuma, medida de reparação é a população transexual e travesti. De acordo com o 1º Mapeamento de Pessoas Trans da Cidade de São Paulo, conduzido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos da capital paulista, a maioria da população trans é composta por mulheres jovens, pretas e pardas, e 59% delas têm empregos remunerados. No entanto, grande parte trabalha no mercado informal. Embora a pesquisa seja focada na capital paulista, ativistas dos movimentos LGBTQIA+ relatam que a situação é ainda mais desafiadora em outras cidades e regiões, abarcando não apenas a dificuldade de acesso ao trabalho, mas também à educação.
Por último, destaca-se a inclusão de pessoas com filhos em idade escolar, em sua maioria mães, que conforme levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – em março de 2021, somente 54,6% das mães entre 25 e 49 anos, que têm crianças de até três anos em casa, estão empregadas. No caso das mães negras, a situação é ainda mais desfavorável, com uma taxa de ocupação ainda menor: apenas 49,7% estão inseridas no mercado de trabalho. Quando são estudantes, essas mães enfrentam obstáculos adicionais, uma vez que têm dificuldades em se manter no ensino superior, enfrentando riscos significativos de evasão.
Por fim, o presente projeto de lei reconhece a importância dos estágios como etapa fundamental e obrigatória na formação profissional. É um dever do Estado garantir condições equitativas de acesso para aqueles que enfrentam desigualdades no processo de competição por vagas de estágio, seja no processo de inscrição ou de seleção. Os grupos mencionados aqui, que são o foco das medidas de reparação, enfrentam inúmeras dificuldades durante a graduação e ao ingressar no mercado de trabalho. Portanto, não cabe ao Poder Público ser mero espectador dessas desigualdades, mas sim um agente ativo na promoção da justiça social.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Educação e de Administração Pública para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.