PL PROJETO DE LEI 1227/2023
Projeto de Lei nº 1.227/2023
Altera a Lei nº 20846, de 6/8/2013, que institui a Política Estadual para a População em Situação de Rua.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica acrescentado ao artigo 2º da Lei nº 20846, de 6 de agosto de 2013, o seguinte parágrafo único:
Parágrafo único – É vedada a apreensão de pertences pessoais, objetos essenciais à sobrevivência e documentos de identificação das pessoas em situação de rua.
Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 16 de agosto de 2023.
Beatriz Cerqueira, presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia (PT).
Justificação: A presente proposição tem como objetivo coibir a apreensão de documentos de identificação, objetos pessoais e pertences essenciais à sobrevivência, tais como, cobertores, colchões, utensílios domésticos, roupas, alimentos e até mesmo papelões, da população em situação de rua no Estado de Minas Gerais.
A prática de recolhimento de documentos e objetos dessas populações foi amplamente denunciada na última década no município de Belo Horizonte e levada ao judiciário. Recentemente, alguns parlamentares da Câmara Municipal da capital têm defendido o recolhimento de pertences da população em situação de rua, ao aprovarem em primeiro turno uma proposição nesse sentido (PL 340/22). Isso configura grave violação aos direitos dessa população altamente vulnerabilizada, diminuindo sua possibilidade de sobrevivência com o mínimo de dignidade, infringindo os direitos fundamentais da igualdade e da propriedade (artigo 5º da CF/88). Importa ressaltar que é vedado tratar de forma diferenciada determinada parcela da população apenas pela penúria que lhe é peculiar.
Não pode o Poder Público tratar as pessoas como se pertencessem a categorias diversas, apreendendo bens dos mais humildes na mais absoluta arbitrariedade. Há que se reconhecer os direitos fundamentais de todas as pessoas, admitindo-se a aplicação da máxima aristotélica, de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam, de modo a resguardar os mais desfavorecidos, e não a prejudicá-los, conferindo-lhes tratamento digno fundado nas premissas de justiça, garantidas pelo nosso ordenamento jurídico.
Neste aspecto, a atuação de agentes públicos fundada na supremacia do interesse público não pode justificar a prática de excessos, contrariando a dignidade da pessoa, fundamento da nossa República Federativa, conforme artigo 1º, inciso III da CF/88, encontrando-se a existência digna de todo o ser humano extraída de diversos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, entre eles a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e o Protocolo Adicional de São Salvador, incorporados ao nosso ordenamento jurídico, respectivamente, por meio do Decreto nº 678/1992 e do Decreto nº 3.321/1999, ostentando ambos natureza supralegal.
Com efeito, visando à proteção da dignidade das pessoas em situação de rua, em face de um contexto recorrente de práticas abusivas por parte de agentes públicos no município de Belo Horizonte, em 14/05/2019, a 8ª câmara cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no âmbito da apelação cível nº 1.0024.12.135523-4/004, firmou o entendimento de que é ilegal o ato de apreensão dos pertences pessoais e dos documentos de identificação dessas populações.
No âmbito dos autos supramencionados, foram juntados relatórios elaborados pelo Programa Polos de Cidadania vinculado à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – FDUFMG –, que concluem que o recolhimento de pertences da população em situação de rua, ao invés de proteger a população vulnerável, legitima uma série de violências praticadas pelos agentes públicos, contrariando as garantias constitucionais. Nos seus pareceres, o professor José Luiz Quadro de Magalhães e a professora Tatiana Ribeiro de Souza explicitam que "a retirada de bens das pessoas em situação de rua é inconstitucional e se for regulamentada, estará em flagrante violação dos direitos fundamentais à propriedade e à igualdade".
Mediante a ameaça de retorno e regulamentação dessa prática abusiva, a presente proposição visa, portanto, estabelecer na legislação estadual, de forma expressa, o entendimento já firmado pelo TJMG, em consonância com os princípios e diretrizes da Política Estadual para a População em Situação de Rua, amparados pelos princípios da dignidade, da propriedade e da igualdade, previstos na Constituição Federal/88.
O Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG –, com base nos números do Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico –, identificou que em dez anos, de 2012 a 2022, a população em situação de rua aumentou 380% em Belo Horizonte e em todo o estado, o crescimento foi de 584%. Esse estudo também aponta que as pessoas sem-teto são majoritariamente negras e com baixa escolaridade.
Os dados são alarmantes e exigem do Estado, em sentido lato, a adoção de políticas públicas de assistência e inclusão social, que combata o racismo estrutural que persiste em nossa sociedade. Políticas aporofóbicas, de expulsão e higienização social dos centros urbanos, a partir da rejeição e da marginalização dos pobres, intensificam as desigualdades e injustiças sociais, ignorando a triste realidade de milhares de famílias e pessoas sem-teto.
Pela importância da matéria aludida, conto com o apoio dos meus nobres pares para a aprovação desta proposição.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pela deputada Bella Gonçalves. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 1.143/2023, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.