PL PROJETO DE LEI 3926/2022
Projeto de Lei nº 3.926/2022
Dispõe sobre distribuição de cópias da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e Adolescentes – ECA.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica o Poder Público obrigado a distribuir cópias da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e Adolescentes ECA:
I – nas maternidades públicas e privadas;
II – nas escolas.
§ 1º – Nas maternidades, o Estatuto da Criança e Adolescentes deverá ser ofertado às mães no período do puerpério.
§ 2º – Nas escolas, o Estatuto da Criança e Adolescente terá como público alvo crianças e adolescentes a partir de 12 anos.
Art. 2º – Serão promovidas pelas instituições de ensino atividades de discussões sobre o ECA, com objetivo de promover o conhecimento da matéria legal para o público infanto-juvenil.
Parágrafo único – Ficam as instituições de ensino autorizados a firmar parcerias com instituições de ensino superior para realizações de discussões sobre o ECA.
Art. 3º – A Estratégia Saúde da Família – ESF – promoverá grupos de discussões sobre o ECA com gestantes, a partir de 32 semanas, e familiares, durante o período pré-natal.
Parágrafo único – Fica a Estratégia Saúde da Família – ESF – autorizado a firmar parcerias com instituições de ensino superior para realizações de discussões sobre o ECA.
Art. 4º – As despesas decorrentes desta lei correrão à conta da dotação orçamentária própria.
Art. 5º – Essa lei entra em vigor na data da sua publicação.
Sala das Reuniões, 8 de agosto de 2022.
Doutor Jean Freire, 2º-vice-presidente (PT) – Professor Cleiton, vice-presidente da Comissão de Participação Popular (PV).
Justificação: A Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, é o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil.
Criada em 13 de julho de 1990, foi resultado de um amplo debate democrático, capitaneado por movimentos sociais, organizações, articulações e atores da sociedade civil e instituições voltadas para a conscientização e o respeito pela criança e pelo adolescente como sujeitos a ter direitos.
O estatuto trouxe uma mudança de paradigma, pois foi a primeira legislação com a doutrina da proteção integral na América Latina a se inspirar na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1979 e na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovados pela Organização das Nações Unidas – ONU –, em 1989.
Preconiza a doutrina da proteção integral às crianças e aos adolescentes e estabelece que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos seus direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O ECA instaurou a proteção integral por meio dos seus 267 artigos e uma carta de direitos fundamentais para a infância e a juventude. O documento considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.
Entre tantas questões importantes trazidas pelo estatuto, além de considerar a criança e o adolescente como sujeito de direitos, surgiram importantes instituições: o Conselho Tutelar, encarregado de trabalhar e zelar pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, e os Conselhos de Direitos da Criança, ambos nos âmbitos nacional, estadual e municipal, tendo como atribuições a formulação das políticas nacional, estadual e municipal para crianças e adolescentes, respectivamente.
Ao longo das três décadas de existência, diversos aprimoramentos foram somados ao ECA, como a Lei nº 12.594, de 2012, conhecida como Lei do Sistema Nacional Socioeducativo – Sinase –, que regulamenta a execução de medidas socioeducativas no País; a Lei nº 13.257, de 2016 – Lei da Primeira Infância –, que obriga o Estado a estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância; e a Lei nº 12.010, de 2009, denominada Lei da Adoção, que detalha procedimentos da adoção.
No relatório “30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança: avanços e desafios para meninas e meninos no Brasil”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef –, temos que “de acordo com dados da Pnad, entre 1990 e 2017, o percentual de crianças e adolescentes fora da escola caiu, passando de 19,6% para 4,7%. Também houve uma queda significativa na taxa média de analfabetismo entre 10 e 18 anos de idade: de 12,5%, em 1990, para 1,4%, em 2013, uma redução de 88,8%. Entre os adolescentes negros a evolução foi ainda maior, de aproximadamente 91%”.
Mesmo completando os seus 32 anos de vigência em 2022, parte significativa da ECA ainda não foi implementada, e diante da atual conjuntura encontra fortes desafios para manter as conquistas alcançadas nas últimas décadas.
No ano de 2021, pesquisa sobre o “Cenário da Infância e da Adolescência no Brasil”, elaborada pela Fundação Abrinq, que tem como base a pesquisa Pnad/Covid, do IBGE, mostra que cerca de 18,8 milhões de meninos e meninas até 14 anos passam fome. O levantamento ainda aponta que dessas crianças pelo menos 9 milhões vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita mensal de no máximo R$275,00.
Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, até maio de 2022 já haviam sido registradas 4.486 denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes, das quais 18,6% estão ligadas a situações de violência sexual. Um levantamento da mesma pasta, feito em 2021, mostrou que, dos 18.681 registros, em quase 60% a vítima tinha entre 10 e 17 anos; e que em cerca de 74% a violação era contra meninas. Os dados também apontaram que em 8.494 dos casos a vítima e o suspeito moravam na mesma residência. Outros 3.330 casos aconteceram na casa da vítima e 3.098 na casa do suspeito. Dentro do número de denúncias, os agentes da Rede de Proteção das Crianças e dos Adolescentes apontam como causa da subnotificação o ensino remoto, pois a escola é o principal espaço onde as vítimas sentem-se seguras para relatar possíveis violações.
Um levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef –, entre os anos de 2017 e 2022, mostrou que o Brasil registrou 179.277 casos de estupro ou estupro de vulnerável com vítimas de até 19 anos – uma média de quase 45 mil casos por ano. Dos envolvidos, crianças de até 10 anos representam 62 mil vítimas.
Em 2019, no Brasil, havia 38,3 milhões de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos de idade, dos quais 1,8 milhão estavam em situação de trabalho infantil (4,6%). Desse total, 706 mil estavam ocupados nas piores formas de trabalho infantil (Lista TIP). O trabalho em lixões é classificado como uma das piores formas de trabalho infantil.
Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, em 2019, no Estado de Minas Gerais, 288.358 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil, em um universo de 3.654.922 crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 17 anos. No mesmo ano, o universo de crianças e adolescentes trabalhadores equivalia a 7,9% do total desse segmento no Estado, número acima da média nacional, que era de 4,8% do total.
Estima-se que, sem estratégias de mitigação, o número de crianças em situação de trabalho infantil poderá aumentar em 8,9 milhões até finais de 2022, face ao aumento da pobreza e da vulnerabilidade.
Reunindo dados do período entre os anos 2016 e 2020, o estudo da Unicef identifica 34.918 mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes no País nesse intervalo de tempo – portanto, uma média de 6.970 mortes por ano ao longo dos últimos cinco anos. A grande maioria das vítimas são adolescentes – em mais de 31 mil desses casos, as vítimas estavam na faixa etária entre 15 e 19 anos. Essa constatação não deve ocultar que foram identificadas nesse período pelo menos 1.070 de crianças de até 9 anos de idade: em 2020, foram 213 mortes violentas intencionais nessa faixa etária.
A sociedade não conhece o Estatuto da Criança e do Adolescente e ainda se mostra incrédula em relação ao seu teor, vendo-o, por vezes, como instrumento de permissividade e impunidade. Há dois grandes desafios a serem superados: tornar o ECA conhecido por todos, para desmistificá-lo, e concretizá-lo mediante a implementação de políticas públicas.
A construção desta proposição nasce de discussões em audiência pública e tem como estratégia a distribuição do ECA em maternidades e em escolas e também promover a difusão de conhecimentos sobre esse estatuto.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, do Trabalho e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.