PL PROJETO DE LEI 3656/2022
Projeto de Lei nº 3.656/2022
Institui a Política Estadual de Proteção e Atenção aos Órfãos do Feminicídio.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituída, no âmbito do Estado de Minas Gerais, a Política Estadual de Proteção e Atenção aos Órfãos do Feminicídio.
§ 1º – Para os fins desta lei, consideram-se órfãos do feminicídio as crianças e adolescentes dependentes de mulheres que tenham sido assassinadas em contexto de violência doméstica e familiar ou de flagrante menosprezo e discriminação à condição de mulher, caracterizando-se como crime de feminicídio nos termos da Lei Federal nº 13.104, de 9 de março de 2015.
§ 2º – Aplicam-se, também, as disposições desta lei às crianças e adolescentes dependentes de mulheres que, em decorrência de violência doméstica e familiar, tenham adquirido lesões permanentes ou questões de saúde que impeçam ou prejudiquem a execução de atividades laborais.
§ 3º – As mulheres vítimas de feminicídio referidas no § 1º são todas aquelas que se auto identificarem com o gênero feminino.
Art. 2º – Para implementação desta lei, o Poder Executivo poderá criar a Rede de Proteção aos Órfãos do Feminicídio, que será composta pelos seguintes atores, sem prejuízo de outros órgãos pertinentes:
I – Conselho Estadual de Juventude;
II – Conselho Tutelar;
III – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Sedese;
IV – Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública – Sejusp;
V – Secretaria de Estado de Saúde – SES;
VI – Secretaria de Estado de Educação – SEE;
VII – Polícia Civil;
VIII – Polícia Militar;
IX – Ministério Público do Estado;
X – Defensoria Pública do Estado;
XI – Representantes da sociedade civil, a serem definidos em regulamentação própria.
Parágrafo único – Deve ser ofertada capacitação continuada sobre o conteúdo desta Lei aos servidores e profissionais dos órgãos que integrem a Rede de Proteção aos Órfãos do Feminicídio.
Art. 3º – São objetivos da Política Estadual de Proteção e Atenção aos Órfãos do Feminicídio:
I – assegurar a proteção integral das crianças e dos adolescentes órfãos do feminicídio, na sua condição de vítimas ou testemunhas de violência no âmbito de relações domésticas, familiares e sociais.
II – promover, com absoluta prioridade, o direito à saúde física e mental dos órfãos do feminicídio, de maneira a possibilitar o seu pleno desenvolvimento.
III – promover os direitos à assistência social, à saúde, à alimentação, à moradia, à educação e à assistência jurídica gratuita dos órfãos do feminicídio e de seus responsáveis legais.
§ 1º – A realização dos objetivos desta lei orientar-se-á pelas diretrizes da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
§ 2º – Para alcançar os objetivos referidos nos incisos I a III incentivar-se-á a intersetorialidade, de modo a integrar os serviços da assistência social, saúde, segurança pública e educação.
Art. 4º – São princípios e diretrizes para a execução da Política Estadual de Proteção e Atenção aos Órfãos do Feminicídio:
I – o incentivo às políticas intersetoriais de prevenção da reincidência e mitigação da letalidade da violência de gênero;
II – o fortalecimento do Sistema Único de Saúde – SUS e do Sistema Único de Assistência Social – SUAS em seus componentes especializados no atendimento a vítimas de violência, como equipamentos públicos prioritários no atendimento a órfãos do feminicídio e seus responsáveis legais;
III – o atendimento de órfãos do feminicídio e seus responsáveis legais, por unidades de referência do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, para orientação quanto à possibilidade de recebimento de benefícios socioassistenciais e acesso aos eventuais benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS de seus ascendentes;
IV – o atendimento, pelo Conselho Tutelar da localidade, de crianças e adolescentes órfãos do feminicídio, para o encaminhamento de denúncias de violações de direitos para o Ministério Público, a aplicação das medidas protetivas cabíveis e o referenciamento na rede de atendimento, nos termos do art. 136, I, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990;
V – a realização de escuta especializada de crianças e adolescentes dependentes de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, quando necessário, visando minimizar a revitimização decorrente de escuta não qualificada, nos termos da Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017;
VI – a promoção de assistência judiciária gratuita, de forma prioritária, às crianças e adolescentes órfãos do feminicídio;
VII – a garantia, com prioridade, de atendimento psicossocial e psicoterapêutico especializado e por equipe multidisciplinar aos órfãos do feminicídio e seus responsáveis legais, preferencialmente em localidade próxima à sua residência, para o acolhimento e a promoção da saúde mental;
VIII – a capacitação e o acompanhamento de pessoas que ofertarem lar provisório a órfãos do feminicídio afastados do convívio familiar, por determinação judicial ou por adesão voluntária, de membros da família extensa que passarão a ser seus responsáveis legais;
IX – a inserção dos órfãos do feminicídio e seus familiares ou responsáveis legais em programas de proteção policial do Estado de Minas Gerais, quando houver a necessidade;
X – a priorização das matrículas de órfãos do feminicídio, mediante a apresentação de documentos comprobatórios da situação de violência, em instituição educacional mais próxima ao domicílio, ou transferência para a unidade escolar requerida, independente da existência de vagas, nos termos do art. 9º, §7º, da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006; e
XI – a integração operacional de órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para o efetivo atendimento multissetorial de crianças e adolescentes dependentes de vítimas de feminicídio.
Art. 5º – Entre as ações a serem implementadas no âmbito da Política Estadual de Proteção e Atenção aos Órfãos do Feminicídio, estão compreendidos:
I – a promoção de campanhas permanentes e ações de sensibilização sobre os direitos de familiares de vítimas de feminicídio previstos nesta Lei;
II – o monitoramento da adesão voluntária de familiares de vítimas de feminicídio aos serviços articulados no âmbito desta Política;
III – a instituição, pelo Poder Executivo, de um auxílio financeiro aos órfãos que se encontrem em condição de vulnerabilidade econômica até que completem a maioridade.
Art. 6º – O Delegado de Polícia competente deverá informar ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público o nome completo de crianças e adolescentes dependentes de vítimas de feminicídio e respectivas idades, devidamente identificadas ao lavrar ocorrências de feminicídios, ocorridos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, consoante o art. 12, § 1º, inciso II, da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Art. 7º – Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
Sala das Reuniões, 19 de abril de 2022.
Cristiano Silveira (PT)
Justificação: A Lei Federal nº 13.104, de 9 de março de 2015, acrescentou ao Código Penal brasileiro (Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) a qualificadora de feminicídio, para se referir à violência letal de gênero praticada contra mulheres, em contexto de violência doméstica e familiar, ou em flagrante menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública, no ano de 2021 registrou-se um total de 144.618 de vítimas de violência doméstica no Estado de Minas Gerais. Nos dois primeiros meses de 2022, a Secretaria reputou a ocorrência de 48 casos de feminicídio no Estado, dados que revelam a gravidade da questão em tela.
Além das mulheres que são vítimas de feminicídio, essa forma de violência atinge às famílias que elas integravam, vitimizando, sobretudo, as crianças que eram delas dependentes, que se tornam submetidas a uma condição de especial vulnerabilidade social. A cada ano, o feminicídio deixa duas mil crianças órfãs no Brasil, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Nesse contexto, a presente proposição visa garantir o atendimento psicossocial à crianças e adolescentes cujas mães foram vítimas de feminicídio, estendendo a rede de proteção estatal por meio da promoção do direito à assistência social, à saúde, à alimentação, à moradia, à educação e à assistência jurídica gratuita para órfãos do feminicídio e seus responsáveis legais.
Assim, diante da relevância da presente proposição, bem como dos eventuais benefícios que dela poderão advir sob a ótica da proteção de crianças e adolescentes, pedimos apoio dos nobres deputados e deputadas na sua aprovação.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pela deputada Ana Paula Siqueira. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 3.632/2022, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.