PL PROJETO DE LEI 3641/2022
Projeto de Lei nº 3.641/2022
Cria a Política de Acolhimento à Criança e ao Adolescente Órfãos do Feminicídio.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica criada a Política de Acolhimento à Criança e ao Adolescente Órfãos do Feminicídio.
§ 1º – Para os fins desta lei, consideram-se órfãos do feminicídio as crianças e os adolescentes dependentes de mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica e familiar ou flagrante menosprezo e discriminação à condição de mulher, nos termos em que dispõe a Lei Federal nº 13.104, de 9 de março de 2015, Lei do Feminicídio.
§ 2º – As mulheres vítimas de feminicídio são todas aquelas que se autoidentificam com o gênero feminino, vedadas discriminações por raça, orientação sexual, deficiência, idade, escolaridade e por outras naturezas.
Art. 2º – Esta politica tem como objetivo:
I – colaborar para criação de rede de apoio e suporte à crianças e adolescentes órfãos;
II – romper com o ciclo de violência familiar;
III – garantir apoio psicológico a crianças e adolescentes em situação de orfandade e à família acolhedora no processo de adaptação e acolhimento;
IV – garantir acesso a programas de acolhimento com terapeutas ocupacionais e psicopedagogos, entre outros profissionais que busquem minimizar os impactos no rendimento escolar;
V – buscar o aperfeiçoamento do conselho tutelar para acompanhamento especializado;
VI – fortalecer o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente, através dos respectivos órgãos competentes, em seus componentes especializados no atendimento a vítimas de violência, como equipamentos públicos prioritários no atendimento a órfãos do feminicídio e responsáveis legais;
VII – promover o atendimento especializado e por equipe multidisciplinar, com prioridade absoluta, considerada a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
VIII – garantir o acolhimento como dever e norteador do trabalho dos serviços públicos e conveniados implicados no fluxo de atendimento;
IX – garantir a vedação às condutas de violência institucional, praticadas por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização de crianças e adolescentes.
Art. 3º – Os órfãos do feminicídio contarão com atendimento especializado que deverá será orientado por princípios que compreendam a promoção, entre outros, dos direitos à assistência social, à saúde, à alimentação, à moradia, à educação e à assistência jurídica gratuita.
Parágrafo único – Os princípios para o atendimento especializado aos órfãos do feminicídio serão orientados pela garantia da proteção integral e prioritária dos direitos das crianças e dos adolescentes, preconizada pela Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Art. 4º – O Poder Executivo deve criar e manter um cadastro atualizado e periódico de crianças e adolescentes em situação de orfandade devido ao feminicídio de forma a subsidiar as políticas previstas nesta lei e evitar a revitimização.
§ 1º – O cadastro a que se refere o caput deste artigo tem como objetivo identificar e localizar crianças e adolescentes indicados no parágrafo 1º do art. 1º desta lei.
§ 2º – O cadastro poderá ser utilizado nas escolas para subsidiar e instruir os profissionais da educação sobre o processo de acolhimento adequado, evitando exposições e minimizando os impactos psicológicos.
§ 3º – Em caso de irmãos em situação de orfandade em virtude de feminicídio, devem ser desenvolvidos mecanismos de identificação e alerta para que estes sejam acolhidos por tutores ou outros familiares de forma conjunta.
Art. 5º – Por meio de seus órgãos e instituições, o Poder Legislativo deve fomentar ações e políticas de regularização de guarda nos casos identificados de orfandade, constituindo parcerias e ações junto às instituições de justiça, a fim de prevenir a adoção em desacordo com a legislação vigente, a exploração do trabalho infantil e outras formas de negligência, violação e exploração a que crianças e adolescentes, em situação de orfandade devido ao feminicídio, possam estar expostos.
Art. 6º – Por meio de seus órgãos e instituições, o Poder Executivo deve verificar a situação escolar das crianças e adolescentes identificadas no cadastro definido no art. 4º, para evitar ou superar evasão escolar causada pela ausência do responsável legal pela matrícula e frequência escolar dessas crianças, bem como verificar as condições materiais em que se encontram, em especial sua segurança alimentar.
§ 1º – A criança e o adolescente em situação de orfandade em virtude de feminicídio terão prioridade para ocupar vaga escolar em escolas próximo da sua nova residência e também terão permitida a realização de matrícula fora do período regular.
§ 2º – As crianças e adolescentes em situação de orfandade em virtude do feminicídio terão prioridade de atendimento nos programas de enfrentamento à evasão escolar e nos programas de qualificação profissional, desde que tenham 16 anos completos.
Art. 7º – Por meio de seus órgãos e instituições, o poder público deve, em relação às crianças e adolescentes identificados no cadastro definido no art. 4º, fomentar a criação de atendimento especializado, especialmente junto aos centros de atenção psicossocial – Caps – e profissionais da rede de saúde mental, podendo firmar parcerias com faculdades de psicologia e medicina, para avaliar os impactos que a morte pelo feminicídio da mãe ou responsável teve no aspecto emocional dessas crianças e ajudá-las a vivenciar o luto de forma a minimizar suas consequências.
Art. 8º – Por meio de seus órgãos e instituições, o poder público deve, em relação às crianças e aos adolescentes identificados no cadastro definido no art. 4º, verificar a existência de benefício previdenciário ou eventual herança a que têm direito essas crianças e adolescentes pela morte de sua genitora ou responsáveis, e se já foram tomadas as medidas administrativas e judiciais competentes para seu recebimento.
Art. 9º – Fica o Poder Executivo autorizado conceder à criança e ao adolescente em situação orfandade auxílio no valor de R$1000,00 (um mil reais) a ser pago mensalmente, até o alcance da maioridade civil.
§ 1º – O auxílio a que se refere o caput é instrumento de amparo às crianças e aos adolescentes em situação de orfandade devido a morte da mãe ou responsável pela pratica do feminicidio e tem por finalidade contribuir para a garantia do direito à vida e à saúde, bem como para o acesso à alimentação, educação e lazer.
§ 2º – Poderão ser beneficiários do auxílio crianças e adolescentes com domicílio fixado, há pelo menos um ano antes da orfandade no território do Estado, inclusive as que se encontrarem sob cuidado de família substituta e as que estejam em acolhimento institucional, cuja renda familiar, antes ou depois do momento da morte da responsáveis, não seja superior a três salários mínimos.
§ 3º – O auxilio a que se refere o caput poderá ser prorrogável se o adolescente encontrar-se matriculado em unidade de ensino superior, persistindo a situação de vulnerabilidade econômica, até 24 anos de idade.
§ 4º – O valor de que trata o caput deste artigo será corrigido monetariamente, anualmente.
§ 5º – No caso de crianças e adolescentes em acolhimento institucional, o valor do auxílio deve ser recolhido e mantido em conta em instituição financeira oficial.
§ 6º – Não terão direito ao valor a criança e o adolescente que figurarem como beneficiários de pensão por morte, em regime previdenciário, que assegure valor integral em relação aos rendimentos do segurado.
§ 7º – Cessa o direito de recebimento do auxílio a que se refere o caput deste artigo a ocorrência de quaisquer das seguintes condições:
I – o alcance da maioridade civil;
II – a comprovação de fraude para fins de participação no programa, ensejando a responsabilização daquele que lhe deu causa, nos termos da legislação em vigor;
III – não constatada a situação de vulnerabilidade da criança nos últimos 12 meses.
Art. 10 – Ficam vedadas as condutas de violência institucional, praticadas por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização de crianças e adolescentes, nos termos do art. 4º, IV, da Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017, Lei da Escuta Especializada e Depoimento Especial.
Art. 11 – É objetivo desta lei assegurar a proteção integral e o direito humano das crianças e dos adolescentes de viver sem violência, preservando sua saúde física e mental, seu pleno desenvolvimento e seus direitos específicos na condição de vítimas ou testemunhas de violência no âmbito de relações domésticas, familiares e sociais, resguardando-os de toda forma de negligência, discriminação, abuso e opressão, na forma que dispõe o art. 2º da Lei Federal nº 13.431, de 2017.
Art. 12 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 13 de abril de 2022.
Doutor Jean Freire, 2º-vice-presidente (PT).
Justificação: Feminicídio é uma expressão utilizada para denominar as mortes violentas de mulheres em razão de gênero, ou seja, que tenham sido motivadas por sua condição de mulher. A partir da Lei nº 8.072, de 1990, passou-se a classificar o crime como crime hediondo no Brasil, tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre outros, e tipificado através da Lei nº 13.104, de 2015 (Lei do Feminicídio), que alterou o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – Código Penal, incluindo o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.
Sobre a necessidade de elaboração de uma norma que tem como objetivo coibir a pratica de um crime, a Defensoria Pública do Amazonas muito bem escreve “uma lei específica para os crimes relacionados ao gênero feminino está no fato de 40% dos assassinatos de mulheres, nos últimos anos, serem cometidos dentro da própria casa das vítimas, muitas vezes por companheiros, ex-companheiros ou membros da família. Tais práticas violentas são oriundas de comportamentos misóginos e discriminatórios construídos socialmente pela cultura machista enraizada e disseminada pela sociedade.”
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP -, hoje o Brasil é um dos países que mais mata mulheres no mundo. 97,8% das vítimas foram mortas por um companheiro atual, antigo ou outro parente. 66,7% das vítimas são mulheres negras, e mais de 70% das mulheres mortas tinham entre 18 e 44 anos. Acredita-se que, no ano de 2021, o número de órfãos seja superior a 2.300 no País.
Pensando que toda mulher assassinada pertence a um grupo familiar, que a prática de violência contra a mulher não causa dano apenas a ela mas também aos seus filhos e buscando resguardar a efetivação dos direitos determinados pelo Estatuto da Criança e do Adolescentes, apresento a presente proposição que tem como objetivo mitigar e reparar situações de quem sofre por ausência de politicas públicas.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pela deputada Ana Paula Siqueira. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 3.632/2022, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.