PL PROJETO DE LEI 3449/2022
Projeto de Lei nº 3.449/2022
Dispõe sobre a vedação ao emprego de técnicas de arquitetura hostil em espaços livres de uso público no Estado de Minas Gerais, no uso da competência prevista no art. 11, inciso II, III e X da Constituição Estadual.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica vedado, nos espaços livres de uso público, em seu mobiliário e em suas interfaces com os espaços de uso privado, o emprego de técnicas de arquitetura hostil que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros seguimentos da população.
§ 1º – Entende-se por arquitetura hostil qualquer intervenção ou estratégia que utilize materiais, estruturas, equipamentos ou técnicas de construção ou disposição de objetos com o objetivo de afastar ou restringir, no todo ou em parte, o uso ou a circulação de pessoas.
§ 2º – O poder público deve zelar pela promoção do conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços aos quais se refere o caput deste artigo.
Art. 2º – A vedação contida no caput do art. 1º refere-se especialmente aos seguintes espaços públicos:
I – aqueles situados sob vãos e pilares de viadutos, pontes, passarelas e áreas a estes adjacentes;
II – calçadas;
III – praças; e
IV – outros nos quais a circulação e permanência de pessoas possa vir a ser obstada, salvo onde a convivência com outros usos instalados ou condições ambientais adversas causem risco à população ou onde a livre circulação e permanência seja incompatível com a proteção do meio ambiente.
Art. 3º – Os municípios terão o prazo de 30 dias partir da publicação desta lei para se adequarem aos seus dispositivos, procedendo à retirada de arquitetura hostil em seu território.
Art. 4º – Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 12 de janeiro de 2022.
Beatriz Cerqueira, presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia (PT).
Justificação: A presente propositura tem como objetivo coibir o emprego de “arquitetura hostil” em espaços livres de uso público em todo o Estado de Minas Gerais, em razão de que este tipo de arquitetura tem sido cada vez mais presente nas cidades brasileiras.
A proposta de lei é incentivada pela atuação do Padro Júlio Lancellotti no atendimento e acolhimento às pessoas necessitadas, onde ajudou a difundir no Brasil o conceito de “Aporofobia” (que se refere ao medo e rejeição aos pobres) e através de seu trabalho combate diversas políticas de exclusão das pessoas em situação de rua, combatendo em especial a arquitetura hostil nas cidades brasileiras, motivo que inclusive levou o Congresso Nacional a batizar o projeto de lei sobre o tema com seu nome.
A necessidade de discussão e aprovação do presente projeto de lei encontra respaldo e semelhança em todo o país, onde iniciativas idênticas à presente estão sendo propostas e aprovadas, estando em discussão inclusive no Congresso Nacional.
O conceito de “arquitetura hostil” se refere a elementos urbanos criados com o intuito de restringir determinados comportamentos nos espaços públicos, assim como dificultar a presença de algumas pessoas, como em particular, os que se encontram em situação de rua.
A arquitetura hostil é defendida como um meio de impedir determinados comportamentos considerados “intoleráveis” por uma parcela da população e é projetada para que o público não utilize determinados espaços, mesmo sendo estes, espaços públicos. Em resumo, é uma forma de controlar o comportamento humano, impedindo que as cidades sejam ocupadas de forma plena, por todos.
Há anos muitas cidades brasileiras têm não apenas tolerado, mas incentivado a arquitetura defensiva, sucumbindo especialmente à especulação imobiliária em determinadas regiões. A ideia que está por trás dessa “lógica” neoliberal é a de que a remoção do público indesejado em determinada localidade resulta na valorização de seu entorno e, consequentemente, no aumento do valor de mercado dos empreendimentos que ali se localizam, gerando mais lucro a seus investidores.
No entanto, todas as pessoas, especialmente as que se encontram em situação de rua, necessitam do acolhimento do poder público e da sociedade, não devendo ser admitida qualquer intervenção que lhes retire o direito de acesso à cidade onde vivem e ações que tenham por resultado a sua expulsão dos locais públicos.
Alguns exemplos de arquitetura hostil foram mencionados pelo urbanista Nabil Bonduki, em coluna no jornal Folha de S. Paulo:
“Espetos e pinos metálicos pontudos; pavimentações irregulares; plataformas inclinadas; pedras ásperas e pontiagudas; bancos sem encosto, ondulados ou com divisórias; regadores, chuveiros e jatos d'água; cercas eletrificadas ou de arame farpado; muros altos com cacos de vidro; plataformas móveis inclinadas; blocos ou cilindros de concreto nas calçadas; dispositivos antiskate. A lista é longa e está incompleta”.
A capital de nosso estado nos últimos anos assistiu a criação deste tipo de arquitetura em diversos locais, especialmente embaixo de viadutos e locais públicos onde pessoas em situação de rua encontram abrigo da chuva e do frio, com a instalação de pedras pontiagudas e diversos obstáculos que impossibilitavam o acolhimento de quem não tem onde morar.
Esta tática foi utilizada inclusive pelo próprio Governo do Estado na realização da obra popularmente denominada “linha verde”, na cidade de Belo Horizonte, em praticamente todos os viadutos localizados na extensão das avenidas Cristiano Machado, Antônio Carlos e Dom Pedro I.
Não é difícil concluir que tais instalações são medidas simplistas e cruéis, uma vez que a raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolverá tais problemas. Pelo contrário, aprofundará ainda mais a desigualdade urbana, estimulando a marginalização e aumentando ainda mais a ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa, já tão negligenciado àqueles que se encontram em situação de rua.
A arquitetura hostil se manifesta de várias formas em nosso estado, seja no mobiliário urbano, na fachada de estabelecimentos, em prédios ou embaixo de viadutos.
Devemos lutar pelo direito às cidades e acreditamos que a proibição da arquitetura hostil é um passo para a garantia desse direito, em conformidade com as Constituições Federal e Estadual, que ao detalharem a noção de desenvolvimento e política urbana, seguem estas diretrizes.
Nos termos do art. 182, caput da Constituição Federal e art. 244, § 1º da Constituição Estadual, a política urbana e seu desenvolvimento, a ser executada pelos municípios a partir das normas gerais estabelecidas pela União, com a participação do Estado, terá por “objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Paralelamente a essas disposições está o objetivo fundamental da República e também de nosso Estado, qual seja: a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF e art. 2º, XII da Constituição Estadual).
Nesse sentido, o desenvolvimento urbano está intimamente ligado à redução da marginalização e qualquer ação em sentido contrário deve ser repudiada pelo Estado.
Conforme aponta a nota técnica nº 73 da divisão de estudos e políticas sociais do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as pessoas em situação de rua totalizavam em 2020 cerca de 222 mil pessoas no Brasil, sendo mais da metade (124.698 pessoas) apenas na região Sudeste.
O poder público, sob pressão do capital financeiro, tenta removê-los até mesmo de um lugar em que se abrigam da chuva e do frio, o que revela flagrante ofensa ao princípio da dignidade da pessoa, sendo nosso dever como agentes políticos estabelecer norma que proíba essa prática e garanta que as cidades sejam de fruição de todas as pessoas.
A expulsão de pessoas, através da chamada arquitetura hostil, não soluciona qualquer problema, pelo contrário, agrava a desigualdade social e portanto merece sua proibição pela lei, para que esta conduta não seja adotada em nenhum município, de forma a garantir o acesso de todos às cidades e estimular o poder público para a adoção de políticas públicas de acolhimento e proteção à pessoas em situação de rua, cumprindo o objeto constitucionalmente firmado da erradicação da pobreza e da marginalização na sociedade.
Pela importância da matéria aludida, conto com o apoio dos meus nobres pares para a aprovação desta proposição.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos e de Assuntos Municipais para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.