PL PROJETO DE LEI 3038/2021
Projeto de Lei nº 3.038/2021
Declara de Relevante Interesse Cultural de Minas Gerais a festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito – “A Fé que Canta e Dança”.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica declarada de Relevante Interesse Cultural de Minas Gerais a festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito – “A Fé que Canta e Dança”.
Art. 2º – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 9 de agosto de 2021.
Andréia de Jesus, presidenta da Comissão de Direitos Humanos (Psol).
Justificação: A origem do Reinado do Alto da Cruz se relaciona à memória de Chico Rei. Em contexto diaspórico, a construção desta memória aponta para a necessidade dos grupos vindos do continente africano se apropriarem do território para onde migraram à força. Era preciso criar elementos para definir um território físico e simbólico compartilhado, no interior do qual os dominados pudessem se reconhecer entre si e construir um olhar sobre a realidade. Essa perspectiva se realiza concretamente, portanto, em pleno contexto moderno. O centro físico desse território para a comunidade vinculada ao congado é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, que definiu o recinto habitado pelos pobres e acolheu suas representações de memória social. O lugar de fala pós-colonial se relaciona à possibilidade de enunciar discurso desde esta perspectiva.
A retomada do Reinado interfere então na estrutura social em dois tempos: produz uma ruptura com a realidade cotidiana durante a liminaridade, quando o grupo se abre para experiências de igualdade e solidariedade. Em um segundo momento, por conta desta ruptura realizada, o grupo acumula força política suficiente para atuar como interlocutor na estrutura social. Isso implica em assumir a posição de sujeito capaz de transformar a própria realidade. O fortalecimento espiritual do grupo na antiestrutura é, portanto, correlato de um fortalecimento político na própria estrutura.
Ao assumir o Reinado como uma herança legada por Chico Rei, a Guarda de Congo chamou para si uma responsabilidade grande dentro da estrutura de organização social dos congadeiros em Minas Gerais. Este lugar estava vago, e a princípio só poderia ser ocupado pela Guarda do Alto da Cruz. Há aí uma questão de território que é decisiva, porque a celebração se vincula necessariamente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia e a sua irmandade. Uma guarda de congo de outro lugar não poderia celebrar o Reinado de Chico Rei ali sem invadir o espaço da guarda local, o que provavelmente não seria permitido. Foi, portanto, condição necessária para a retomada do Reinado, que a celebração fosse organizada pela comunidade do Alto da Cruz. E que esta encontrasse os caminhos para se organizar e fazê-la.
Sua retomada aconteceu em 2009, quando a Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia se fortaleceu o suficiente para erguer suas bandeiras. Apoiados pela comunidade de moradores do Alto da Cruz, por Irmãos do Rosário de outras localidades e também por pesquisadores e militantes de movimentos pela igualdade social, o Congado conseguiu produzir o Reinado em 2009. Desde então o Reinado acontece anualmente. No ano de 2011 foi criada a Associação Amigos do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia – AMIREI, entidade da sociedade civil que formalizou a equipe de produção em pessoa jurídica e firmou o compromisso de buscar os caminhos para a sustentabilidade do evento. Entendendo o Reinado como manifestação cultural de natureza imaterial reconhecida como patrimônio pelos congadeiros e também pela sociedade ouropretana em geral, a produção do Reinado visa a médio prazo atuar como interlocutora em um processo de transformação da estrutura de organização da sociedade. Por meio da vivência do patrimônio a comunidade fortalece os laços de identidade que nos unem e se prepara para atuar de forma crítica na sociedade. O Reinado produz impactos na sociedade mineira em vários níveis. É notável que ao longo desses nove anos de produção o projeto contribuiu para criar uma imagem positiva da comunidade do Alto da Cruz na cidade e diversos municípios próximos. Um espaço que era relacionado à violência, ao tráfico e ao uso de drogas passou a ser visto como um território de resistência cultural. Grupos ligados à luta pelos direitos civis e igualdade social passaram a estabelecer relações com a Guarda de Congo, ao passo que os congadeiros se interessaram em desenvolver ferramentas para elaborar e expressar suas formas singulares de ver o mundo. O evento tem uma relação de respeito com as comunidades locais. Isso ocorre porque o Reinado criou condições para a interlocução da comunidade com outros segmentos da sociedade.
Em plano local, há um benefício cultural forte que se vincula à própria imagem da Guarda de Congo e de outras manifestações culturais afrodescendentes. Antes da retomada do Reinado, a Guarda de Congo era vista com preconceito, como se fosse à expressão de uma cultura indesejável, vinculado a práticas de feitiçarias e a uma herança que era preferível não assumir, uma vez que implicava no reconhecimento de uma posição subalterna na sociedade. A riqueza e a diversidade que são apresentadas à sociedade por meio do Reinado têm a força de reverter esse quadro. O Congado já não é visto como algo inferior, mas como a expressão de uma cultura nobre, capaz de nutrir nosso grupo social de valores que nos alçam a uma posição de igualdade em relação a outros grupos da cidade. A comunidade local do Alto da Cruz, portanto, se apropria deste benefício relacionado à identidade local, e ao lado do Reinado busca os meios para o exercício da cidadania cultural de seus participantes.
Uma evidência deste benefício é que a Guarda de Congo conquistou novos membros e cresceu de modo suficiente para criar uma Guarda de Moçambique, composta por jovens da comunidade que iniciaram sua trajetória no Congo. O Reinado fortalece a prática cultural do Congado em Minas Gerais. Uma vez que o território do Alto da Cruz constitui referência importante para a memória social do Congado mineiro, é evidente que nossa celebração produz forte impacto entre as guardas de congo visitantes. Desta forma, quando a Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia se comprometeu em levantar suas bandeiras houve um fortalecimento de todo o movimento congadeiro no estado. As guardas visitantes têm oportunidade de experimentar relações bastante íntimas com nossa ancestralidade durante os rituais do Reinado, e a vivência desta religiosidade é relevante para a consolidação das irmandades do Rosário como patrimônio cultural mineiro.
Assim, diante da importância histórico-cultural da festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito – “A Fé que Canta e Dança” de Ouro Preto em nosso estado, é que submeto à apreciação dos meus pares o presente projeto de lei, contando com o apoio para sua aprovação.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Cultura para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.