PL PROJETO DE LEI 2812/2021
Projeto de Lei nº 2.812/2021
Institui a Política Estadual de Abastecimento Alimentar – PEAA – e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Capítulo I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º – Esta Lei institui os princípios, define os objetivos e as competências institucionais, e estabelece as ações da Política Estadual de Abastecimento Alimentar – PEAA – que está em consonância com o inciso VIII do artigo 11, artigo 247 e inciso XIV do artigo 248 da Constituição Estadual e em conformidade com o Decreto Federal nº 1.102 de 21 de novembro de 1903, Decreto-Lei Federal nº 79, de 19 de dezembro de 1966 e das Leis Federais nºs 8.171, de 17 de janeiro de 1991, 8.427, de 27 de maio de 1992, 9.973, de 29 de maio de 2000, artigo 19 da Lei Federal nº 10.696, de 2 de julho de 2003, as Leis Federais nºs 11.326 de 24 de julho de 2006, 11.346, de 15 de setembro de 2006 e 11.947, de 16 de junho de 2009, a Lei Estadual nº 22.806, de 29 de dezembro de 2017 e o Decreto Estadual nº 47.502, 2 de outubro de 2018, a Lei Estadual nº 20.608, de 7 de janeiro de 2013, a Lei Estadual nº 11.405, de 28 de janeiro de 1994 e a Lei Estadual nº 21.156, de 17 de janeiro de 2014.
Art. 2º – Para os fins desta Lei, consideram-se:
I – Abastecimento alimentar: é a garantia de disponibilidade de alimentos para toda população em condições apropriadas em termos de quantidade, preço e qualidade sob formas socialmente equitativas, ambientalmente sustentáveis e culturalmente adaptadas.
II – Soberania alimentar: é o direito dos povos de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo, pautado em alimentos saudáveis e culturalmente adequados, produzidos de forma sustentável e ecológica, o que coloca aqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos no centro dos sistemas e políticas alimentares, acima das exigências dos mercados e das empresas, além de defender os interesses e incluir as futuras gerações.
III – Segurança alimentar e nutricional: consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como bases práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Art. 3º – Cabe ao Poder Público Estadual a implementação e a execução da PEAA, em cooperação com a União, Estados, Municípios e seus órgãos, observados as diretrizes do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN.
Art. 4º – A PEAA fundamenta-se nos seguintes princípios:
I – garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada, com disponibilidade e acessibilidade de alimentos;
II – promoção, respeito e valorização dos produtos da sociobiodiversidade, dos modos tradicionais de produção e da agroecologia, como instrumentos de sustentabilidade, de uso, conservação e recuperação ambiental e de valorização cultural;
III – participação e controle social na gestão da PEAA, garantindo a equidade de gênero, geração, raça e etnia;
IV – valorização de processos permanentes de educação, de incentivo aos hábitos alimentares saudáveis, pesquisa e formação nas áreas de segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada;
V – zelo pela qualidade e segurança dos alimentos, da produção ao consumo.
Capítulo II
DOS OBJETIVOS
Art. 5º – São objetivos da PEAA:
I – promover o acesso regular e permanente da população de Minas Gerais a alimentos, em quantidade suficiente, qualidade e diversidade, observadas as práticas alimentares promotoras da saúde e respeitados os aspectos culturais e ambientais;
II – aperfeiçoar os mecanismos de compras governamentais e ampliar o acesso ao mercado da produção da agricultura familiar, dos povos indígenas, remanescentes de quilombos e demais povos e comunidades tradicionais, da pesca artesanal, da aquicultura e da silvicultura familiar, da produção extrativista e dos assentamentos da reforma agrária e dos pequenos e médios produtores e produtoras rurais, urbanos e periurbanos;
III – promover a valorização e sustentabilidade dos circuitos locais e regionais de produção, armazenamento, conservação, processamento, distribuição e comercialização, para a preservação de hábitos alimentares, dos modos tradicionais de produção e da expansão e fortalecimento da economia local;
IV – minimizar as formas abusivas de intermediação, estimulando a comercialização direta entre produtor e consumidor, com a incorporação de novas tecnologias e abertura de canais de comercialização adequados para escoamento de produtos, priorizando a produção do público definido no inciso II do art. 3° desta Lei;
V – reduzir o desperdício de alimentos, desde a produção até o consumo;
VI – monitorar os preços entre a produção agroalimentar e o varejo de gêneros alimentícios, no intuito de instrumentalizar as ações governamentais de regulamentação e de abastecimento;
VII – incentivar a produção, distribuição e o consumo de alimentos in natura, com destaque para as frutas e hortaliças, preferencialmente de origem local e orgânica e/ou agroecológica;
VIII – respeitar, resgatar e promover os hábitos alimentares regionais e a diversidade de espécies alimentícias dos diferentes biomas;
IX – zelar pela inocuidade química, física, genética e biológica dos alimentos, bem como pela sua qualidade nutricional;
X – regular e mitigar progressivamente o uso de tecnologias nocivas à saúde ou cujos efeitos são desconhecidos para quem produz, para quem consome os alimentos e ao ambiente onde estes são produzidos;
XI – assegurar ao consumidor o direito à informação adequada sobre as condições dos produtos ofertados;
XII – adotar medidas que contribuam com o disciplinamento da rotulagem e da publicidade dos produtos alimentícios.
Capítulo III
DAS COMPETÊNCIAS E DAS AÇÕES
Art. 6º – Compete ao Poder Público Estadual, no âmbito da PEAA, implementar as seguintes ações:
I – promover ações que contribuam para o cumprimento dos objetivos da PEAA, com a participação de órgãos federais, estaduais e municipais;
II – apoiar os circuitos locais e regionais, da produção ao consumo;
III – promover e incentivar a produção de produtos orgânicos e/ou agroecológicos dos públicos definidos no inciso II do art. 3° desta Lei, incluindo a instalação de hortas comunitárias e escolares, bem como de feiras livres e comunitárias como instrumento de abastecimento alimentar;
IV – orientar tanto a produção quanto o consumo de alimentos para práticas alimentares conscientes, diversificadas e saudáveis, em articulação com as ações de educação alimentar e nutricional.
Seção I
Da aquisição e doação de alimentos
Art. 7º – O Poder Público Estadual implementará programas de aquisição e doação de alimentos com o objetivo de garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
Art. 8º – As compras governamentais da produção agrícola, quando destinadas ao atendimento dos programas de distribuição de alimentos, serão realizadas, preferencialmente, dos públicos definidos no inciso II do art. 3° desta Lei.
Seção II
Da gestão do Mercado Livre do Produtor – MLP e das demais formas de produção, comercialização, distribuição e consumo de alimentos
Art. 9º – O Poder Público Estadual deverá:
I – Executar, diretamente ou por delegação, a gestão das unidades do Mercado Livre do Produtor – MLP, vinculadas a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Seapa –, modernizando e revitalizando suas estruturas;
II – assegurar e estruturar uma rede pública de unidades de comercialização de alimentos, estrategicamente localizadas, considerando as necessidades específicas dos diversos tipos de alimentos, como suporte às operações governamentais de abastecimento, incluindo o atendimento às demandas sociais e emergenciais;
III – estruturar e revitalizar as redes de equipamentos públicos de alimentação e nutrição priorizando o atendimento às populações em insegurança alimentar;
IV – promover a atuação integrada do abastecimento no nível local, por meio da formação de redes de equipamentos públicos que atuem de forma integrada;
V – apoiar a modernização e revitalização dos mercados municipais e incentivar as feiras livres;
VI – estimular a formação de redes solidárias de produção, comercialização, distribuição e consumo de alimentos;
VII – apoiar a estruturação e modernização do comércio varejista de pequeno porte para a melhoria do abastecimento alimentar nas comunidades carentes, em especial das periferias dos centros urbanos;
VIII – apoiar e fomentar a implementação de unidades e centros de distribuição de alimentos para o abastecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.
Seção III
Das informações
Art. 10 – O Poder Público Estadual fica autorizado a instituir o Sistema de Informações Agrícolas e de Abastecimento no âmbito da SEAPA, que elaborará e disponibilizará ao público interessado estudos, análises e informações de produção, mercado agrícola nacional e internacional, comercialização dos estoques públicos e do suprimento alimentar.
Capítulo IV
DO CONTROLE SOCIAL
Art. 11 – O controle social da PEAA deverá observar as diretrizes e orientações do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais – Consea-MG – e do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável de Minas Gerais – Cedraf-MG.
Capítulo V
DA GESTÃO
Art. 12 – A gestão da PEAA compreende a conjugação de esforços entre órgãos e entidades da administração pública estadual e municipal, e do controle social, em suas respectivas esferas de competência.
Art. 13 – O Poder Executivo Estadual fica autorizado a instituir o Grupo Gestor do PEAA, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras definidas em regulamento:
I – coordenar a implementação da Política;
II – indicar prioridades e metas;
III – definir a sistemática de monitoramento e avaliação.
Capítulo VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 14 – O Poder Executivo Estadual fica autorizado a estabelecer as condições para a execução da PEAA pela SEAPA ou outros órgãos estaduais, de acordo com suas atribuições.
Art. 15 – O Poder Executivo Estadual regulamentará esta Lei.
Art. 16 – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 10 de junho de 2021.
Leninha, vice-líder do Bloco Democracia e Luta e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos (PT).
Justificação: O abastecimento alimentar no Brasil e em Minas Gerais dá-se por meio de sistema interdependente que inter-relaciona organizações públicas e privadas em mercados locais, regionais, nacional e internacionais, marcado pela crescente concentração mercadológica. A atuação do Estado é fundamental para garantir o acesso da população aos alimentos de qualidade e com regularidade. Por isso a necessidade de instituir a Política Estadual de Abastecimento Alimentar – PEAA.
A PEAA passa, entre outras coisas, pela redefinição do próprio conceito de abastecimento, a ser entendido não como simples questão de armazenagem, transporte e distribuição atacadista e varejista, mas como um sistema integrado que se estende da produção ao consumo no qual o Estado e a sociedade civil figuram enquanto atores relevantes. Nesses termos, a PEAA tem como campos de atuação tanto os alimentos (disponibilidade e acessibilidade de bens) quanto a alimentação (modos de apropriação dos bens pela população), englobando ações de caráter gerais relacionadas com o comércio de alimentos e os serviços de alimentação, bem como ações dirigidas a grupos populacionais específicos, todas coordenadas com programas voltados para a produção equitativa e sustentável dos alimentos.
Atualmente, por exemplo, os cinco maiores grupos empresariais do varejo chegam a responder por 57% do faturamento do setor. Ademais, processo similar verifica-se no setor da produção, de insumos e de processamento de alimentos, com redução da produção nacional a poucos alimentos (soja, milho e arroz), o que faz aumentar a vulnerabilidade do sistema alimentar, favorecendo uma dieta pobre e inadequada. Este é um dos fatores que traz transformações preocupantes aos hábitos alimentares brasileiros: o consumo alimentar atual combina uma dieta tradicional, baseada em arroz e feijão (com a redução preocupante do consumo de feijão) com alimentos de baixo teor nutricional e elevado conteúdo calórico, nos quais se verificam altos teores de açúcares, sódio e gordura (produtos ultra processados), aliado ao insuficiente consumo de frutas e hortaliças. Como consequência, os dados comparativos das duas Pesquisas de Orçamento Familiar – POF (2002/03 e 2008/09) indicam ganho de peso em todas as classes sociais – apesar de mais veloz nas famílias mais vulnerabilizadas – impactando sobremaneira no adoecimento da população e nas altas taxas de prevalências das doenças crônicas.
A atual alta de preços dos alimentos e dificuldades de acesso das populações pobres está relacionado a falta de gestão ao nível nacional, que permitiu a venda dos estoques públicos e privados em um momento de crise alimentar global, durante a pandemia. Somou-se a isso a perda de renda da população em função da retração das atividades econômicas ocasionadas pela pandemia do Corona Vírus.
Segundo, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, conduzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria de ActionAid Brasil, FESBrasil e Oxfam Brasil, hoje, em meio à pandemia, mais da metade da população brasileira está em situação insegurança alimentar, que é quando alguém não tem acesso pleno e permanente a alimentos. Nos mais variados níveis: leve, moderado ou grave. E a insegurança alimentar grave afeta 9% da população – ou seja, 19 milhões de brasileiros estão passando fome.
Os resultados dessa pesquisa realizada em 2.180 domicílios nas cinco regiões do país, em áreas urbanas e rurais, entre 5 e 24 de dezembro de 2020 mostram que nos três meses anteriores à coleta de dados, apenas 44,8% dos lares tinham seus moradores e suas moradoras em situação de segurança alimentar. Isso significa que em 55,2% dos domicílios, os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018 (36,7%).
Em números absolutos: no período abrangido pela pesquisa, 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Desses, 43,4 milhões (20,5% da população) não contavam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estavam passando fome (insegurança alimentar grave). É um cenário que não deixa dúvidas de que a combinação das crises econômica, política e sanitária provocou uma imensa redução da segurança alimentar em todo o país. Ou seja, infelizmente o Brasil voltou ao mapa da fome e a situação tende a ser ainda mais alarmante, já que o impacto da crise econômica foi agravado pela pandemia de Covid-19.
Dessa forma, é fundamental instituir a Política Estadual de Abastecimento Alimentar – PEAA –, um vez que o governo federal está se eximindo deste tema, deixando de atuar na temática do abastecimento alimentar e não se comprometendo com a Política e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Sisan – com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências (Lei Federal nº 11.346, de 15 de setembro de 2006). Tendo inclusive extinguido o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea – através da Medida Provisória nº 870, de 2019.
Minas Gerais novamente é chamada a ser vanguarda nacional numa temática tão fundamental como a do abastecimento alimentar e ser exemplo para os outros estados e municípios, assim como também no plano federal.
Por essas razões, contamos com o apoio dos nobres pares para a aprovação do nosso projeto de lei.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Agropecuária para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.