PL PROJETO DE LEI 2129/2020
Projeto de Lei nº 2.129/2020
Dispõe sobre a proibição de homenagens por meio da utilização de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão e/ou a pessoas notoriamente participantes do movimento eugenista brasileiro por pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito público ou privado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – São proibidas homenagens por meio da utilização de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão e/ou a pessoas notoriamente participantes do movimento eugenista brasileiro por pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito público ou privado, devendo:
I – o poder público, em todas as suas esferas, seja na administração direta ou indireta, se abster de utilizar na designação ou sigla de entidade ou órgão público, nas rodovias e repartições públicas, e nos bens de qualquer natureza pertencentes ou que sejam geridos pelo Estado ou por pessoas jurídicas da administração indireta de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão e/ou a pessoas participantes do movimento eugenista brasileiro;
II – as pessoas jurídicas de direito privado que atualmente se utilizam de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão e/ou a pessoas notoriamente participantes do movimento eugenista brasileiro em suas marcas, nomes fantasias e/ou comerciais devem, em até seis meses, providenciar sua mudança;
III – a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais se recusará a registrar marcas com expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão , tais como "casa grande e senzala", "senzala", "sinhá", "negreiros", "navio negreiro", "escravocrata", "mucama" dentre outros, bem como nomes que homenageiem pessoas notoriamente participantes do movimento eugenista brasileiro.
Art. 2º – Subordinam-se ao regime desta lei:
I – os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
II – as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos Estados e Municípios;
III – às entidades privadas sem fins lucrativos;
IV – a empresas privadas de qualquer tipo e os microempreendedores individuais.
Art. 3º – O descumprimento do previsto neste artigo sujeita o infrator a:
I – sendo empresa privada ou microempreendedor individual, a multa proporcional ao seu faturamento que será destinada a políticas públicas, programas e projetos voltados a igualdade racial, sendo que o atraso por mais de doze meses acarretará na duplicação da multa e por mais de vinte e quatro meses na cassação de seu alvará de funcionamento;
II – sendo órgão ou instituição pública, da administração direta ou indireta, deverá, constatado o erro, tornar nulo o ato que permitiu a utilização de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão, ser investigado o(s) agente(s) que deu causa ao ato para sua responsabilização cível e administrativa.
Parágrafo único – Excepciona-se o disposto neste artigo aos nomes dados em homenagem a resistência à escravidão e aos heróis e heroínas abolicionistas.
Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua aplicação.
Sala das Reuniões, 28 de julho de 2020.
Deputada Ana Paula Siqueira, Vice-Presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao uso de Crack e outras Drogas (REDE) – Deputada Leninha, Presidente da Comissão de Direitos Humanos (PT) – Deputada Andréia de Jesus, Presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos (PSOL).
Justificação: Infelizmente não é incomum termos comércios, produtos e até mesmo monumentos que façam alusão a expressões racistas e à discriminação de cunho racial. A imagem dos negros e negras são comumente associadas a imagens pejorativas, preconceituosas e que promovem o apagamento de sua cultura, história e conquistas.
Indubitavelmente, isso é fruto de um racismo estrutural que traz consigo o costume de distorcer e diminuir a imagem de tudo que é comum ao povo negro e sua história.
Essas referências comerciais, além das demais, acabam por reproduzir essa lógica racista e reforçar os errôneos esteriótipos que por anos nossa sociedade construiu e reproduziu. Além de desprezar e banalizar o sofrimento de milhões de pessoas que estiveram submetidas aos mais bárbaros tratamentos ao longo dos mais de 300 anos de escravidão institucionalizada em nosso país.
Como afirma Milton Santos "no Brasil: o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais" SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. Folha de São Paulo. Maio de 2000.
Mesmo com as muitas conquistas já alcançadas em nosso país, não vemos nenhuma norma em vigor que disponha especificamente sobre o assunto aqui posto. Atualmente temos a Lei 9.279/96 de Propriedade Industrial, em seu artigo 124, III; "expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração" e, tais ações de nomeação a estabelecimentos comerciais, marcas, produtos e afins; são exatamente essa ofensa no texto exposta.
Em uma reportagem do Portal Geledés , a jornalista Aline Ramos afirma que "a única forma de se falar de escravidão seria problematizando a questão, denunciando o que aconteceu e fazendo um resgate histórico capaz de expor as mazelas do racismo" e ainda acrescenta, "Mas são empresas, né? Então o que fazem quando usam símbolos de escravidão é tornarem aquilo em algo positivo. Uma inversão muito perversa e danosa para a nossa sociedade, que ainda tem dificuldade em entender como o período da escravidão exerce forte influência no nosso dia a dia". Além da gravidade de uma cultura discriminatória reproduzida com esse hábito, enfatiza-se também que é comum vermos nomes de pessoas notoriamente vinculadas ao movimento eugenista brasileiro serem designados para ruas, praças, pontes, viadutos e outros espaços públicos. É bom lembrar que existem inúmeras pesquisas, fartamente documentadas sobre o movimento eugenista brasileiro e seus membros.
Importante mencionar, ainda, a Lei Federal 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura AfroBrasileira" e da Lei Federal 11.645, de 10 março de 2008 que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena", que são marcos importantes na valorização História e Cultura AfroBrasileira.
A construção de um país soberano e igualitário passa pelo respeito à contribuição histórica de todos os povos que o formam e de todos os seus(as) cidadãos(ãs).
É com essa consciência e sabendo a necessidade de uma ruptura com essa lógica racista, que pedimos as nobres companheiras (os) que contribuam para a aprovação do presente projeto, uma vez que pretendemos extinguir o uso de expressões e símbolos escravocratas, sejam elas em quaisquer âmbito, local e esfera; que são inaceitáveis em nosso atual paradigma de Estado Democrático de Direito.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos e de Administração Pública para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.