PL PROJETO DE LEI 1363/2019
Projeto de Lei nº 1.363/2019
Institui no estado o título de Relevante Interesse Cultural e altera a Lei nº 11.726, de 30 de dezembro de 1994, que dispõe sobre a política cultural do estado de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído o título de Relevante Interesse Cultural de Minas Gerais, a ser conferido pelo Poder Legislativo, por meio de lei específica, para valorização dos bens, manifestações ou expressões culturais que contenham referências à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade mineira.
Art. 2º – São objetivos da concessão do título instituído por esta lei:
I – promover e difundir os bens culturais materiais e imateriais reconhecidos como de relevante interesse cultural;
II – elevar a autoestima das comunidades e seu apreço pelos bens culturais de seu território;
III – promover o reconhecimento e a valorização das manifestações culturais dos diferentes grupos que constituem a sociedade mineira.
Art. 3º – O título de que trata esta lei poderá ser concedido a bens, manifestações ou expressões culturais que:
I – sejam criações, atividades ou expressões locais ou regionais típicas ou excepcionais;
II – sejam locais tradicionais de realização de atividades, encontros ou celebrações coletivas da comunidade ou;
III – reforcem, para um ou mais grupos sociais, a identidade e o sentimento de pertença à comunidade.
Art. 4º – Os bens reconhecidos como de relevante interesse cultural, nos termos desta lei, poderão ser objeto de proteção pelo Estado, por meio de procedimentos administrativos de iniciativa dos órgãos competentes para a execução da política de patrimônio cultural, conforme legislação pertinente.
Art. 5º – Ficam acrescentados à Lei nº 11.726, de 30 de dezembro de 1994, os seguintes arts. 3º-A e 3º-B:
“Art. 3º-A – A proteção do patrimônio cultural mineiro dar-se-á por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e outras formas de acautelamento, nos termos dos arts. 216 da Constituição da República e 209 da Constituição do Estado.
§ 1º – Os atos constitutivos do inventário, do registro, da vigilância, do tombamento e da desapropriação dos bens do patrimônio cultural serão precedidos de pesquisa e análise técnica por meio de procedimento administrativo próprio, realizados pelos órgãos competentes para a execução da política de patrimônio cultural, conforme a legislação pertinente.
Art. 3º-B – Para valorizar, promover e difundir os bens, as manifestações e as expressões culturais mineiras, poderá ser concedido, pelo Poder Legislativo, o título de Relevante Interesse Cultural de Minas Gerais.”.
Art. 6º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 11 de dezembro de 2019.
Deputado Bosco
Justificação: Esta iniciativa visa dotar o Poder Legislativo de instrumento próprio para distinguir bens e manifestações culturais que, embora carregados de valor simbólico e identitário para determinada parcela da população mineira, podem não atender aos requisitos necessários para serem reconhecidos como patrimônio cultural do Estado.
Patrimônio ou Herança cultural, de natureza material ou imaterial, pode ser definido como tudo o que é valorizado, transmitido e perpetuado entre gerações, de modo a provê-las de um relativo senso de continuidade,1 tornando-se fator constitutivo de identidade e de diversidade cultural local.2 Em seu art. 216, a Constituição Federal define o patrimônio cultural brasileiro como sendo constituído pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. No § 1º do citado artigo, determina, também, que o poder público, em colaboração com a comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de mecanismos como inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e outras formas de acautelamento e preservação.
Um traço comum a qualquer dos mecanismos de proteção é a necessidade de que as razões que fundamentem a declaração do bem como parte integrante do patrimônio cultural esteja amparada em um suporte fático existente e suficiente, o que é feito com base em estudos técnicos complexos e multidisciplinares realizados pelos órgãos especializados do Poder Executivo que subsidiam a verificação do motivo do ato administrativo. Destaca-se que o Estado brasileiro conta com arcabouços normativos robustos e consolidados, oriundos inclusive de acordos internacionais, que disciplinam os procedimentos administrativos que culminam na patrimonialização de determinado bem e, por isso, tem sido reconhecido internacionalmente como referência em política de proteção ao patrimônio cultural.
Paralelamente à atuação do órgão do Poder Executivo, desde 2001, esta Casa aprovou 14 leis que declararam determinados bens como patrimônio cultural do Estado, o que deveria denotar um compromisso do Estado com sua proteção. Contudo é preciso reconhecer que foge ao escopo do processo legislativo a realização prévia de estudos técnicos acerca da pertinência de um bem como patrimônio cultural de um ou mais grupos sociais, o que torna inexequíveis as consequentes medidas de sua proteção.
Considerando que o estabelecimento de critérios objetivos para a adoção de mecanismos de tutela de valores e interesses coletivos é uma atribuição típica da função executiva do Estado, percebemos que tais leis voltadas para a declaração de bens culturais possuem natureza nitidamente administrativa, e tem sido elaboradas em desacordo com os procedimentos previsto pelas normas em vigor, resultando na promulgação de leis de pouca ou nenhuma eficácia, acentuando os riscos de descrédito da política pública de proteção ao patrimônio cultural executada em Minas Gerais, tendo em vista a inefetividade dessas normas.
Não olvidamos, contudo, o legítimo interesse do Poder Legislativo em conferir reconhecimento a manifestação cultural específica, tendo em vista que os parlamentares, enquanto representantes da população, trazem para o exercício de sua função o valoroso conhecimento dos valores, sentimentos e identidades que estão contidas nas mais diversas regiões e segmentos populacionais do Estado.
O próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em parecer sobre o PL 1.794/2011 da Câmara dos Deputados, reconheceu, nos seguintes termos, a possibilidade de atuação do Poder Legislativo nessa seara:
“Caso haja interesse do Poder Legislativo em reconhecer a relevância de expressões culturais que não apresentam os requisitos para o reconhecimento como patrimônio imaterial pelo Iphan, no marco dos dois Decretos já citados, entendemos que isso seja feito no sentido de reconhecer o valor ou relevância cultural para o Brasil da referida expressão, de modo amplo, sem relacioná-la diretamente ao campo do patrimônio cultural imaterial. Isso permitiria atender à espeficidade da atuação parlamentar e, ao mesmo tempo, manter a coerência e a credibilidade da atuação do estado Brasileiro nesse campo, o que fez com que ele se tornasse referência internacional na salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. (grifos do original) (…) o Legislativo pode declarar as expressões e manifestações culturais como componente/integrante da cultura brasileira, por sua relevância histórica, por ser referência cultural, etc, mas não tornar um bem cultural como “patrimônio cultural ou patrimônio cultural imaterial”, o que somente o devido processo administrativo de patrimonialização tem o condão de estabelecer. O bem cultural se torna patrimônio a partir de uma análise técnica e metodológica, com participação dos chamados detentores e produtores de bens culturais, que atende a princípios, critérios, diretrizes, e normas especiais”.
Entendemos que normas declaratórias de relevante interesse cultural de iniciativa parlamentar, como título honorífico, incidem sobre o plano simbólico, no sentido de contribuir para promover, valorizar e difundir o reconhecimento da relevância do bem, com potencial de impactos positivos para a elevação da autoestima das comunidades envolvidas. Todavia, tais efeitos não diferem dos produzidos atualmente pelas leis de declaração de patrimônio cultural editadas pelo parlamento mineiro. Em compensação, a criação de um instrumento próprio para o Poder Legislativo distinto dos mecanismos de preservação e proteção do Poder Executivo poderá contribuir para evitar tensões entre os poderes, além de manter a salvo a credibilidade da política pública de proteção de patrimônio cultural.
Há que se registrar que já contamos no nosso ordenamento jurídico com a Lei nº 22.898, de 11/1/2018, que declara de relevante interesse cultural do Estado a Festa de Nossa Senhora da Abadia, realizada no município de Romaria e que atualmente estão em tramitação outros oito projetos de lei apresentados acordo com a terminologia aqui defendida.
Acreditamos que o projeto que apresentamos é importante para estabelecer os parâmetros mínimos que orientarão a tramitação de tais proposições nesta casa, por isso contamos com o apoio dos Nobres Pares a sua aprovação.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Cultura e de Administração Pública para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.