PL PROJETO DE LEI 1360/2019
Projeto de Lei nº 1.360/2019
Institui a Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituída a Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência de Minas Gerais – PERV-MG –, com o objetivo de contribuir para a reparação das violações de direitos humanos de pessoas afetadas direta e indiretamente pela violência.
§ 1º – A PERV-MG será gerida pela Secretaria de Estado responsável pela gestão da política estadual de segurança pública.
Art. 2º – Nos termos desta lei, considera- se:
I – Violência: ato de violência praticado por agente público ou privado que resulte em danos graves à integridade física, psíquica e moral de uma pessoa, podendo ocasionar sua morte.
II – Vítima direta: pessoa que sofreu diretamente o ato violento.
III – Vítima indireta: familiares, amigos e outras pessoas que tenham vínculo afetivo com a vítima direta, independentemente de relação de consanguinidade.
IV – Reparação: restituição, compensação, reabilitação, satisfação e garantias de não-repetição, conforme arts. 18 a 23 dos Princípios e Diretrizes Básicos sobre o Direito das Vítimas de Violações das Normas Internacionais de Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário a Interpor Recursos e Obter Reparações – Resolução 60/147, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 2005.
V – Ressignificação: atribuição de novo sentido às experiências de sofrimento decorrentes da violência sofrida a partir de intervenções realizadas conjuntamente pelos órgãos que integram a PERV-MG e pela vítima de violência, compreendida como um processo de reparação, que compõe um sentido de justiça para a pessoa atendida.
VI – Transdisciplinaridade: o exercício permanente do diálogo e da articulação de domínios de saber que permitam buscar formas de intervenção qualificadas, criativas, que levem em consideração os desejos das pessoas atendidas, de forma a criar possibilidades de ressignificação da violência experienciada.
Art. 3º – São princípios da PERV-MG:
I – Autonomia do sujeito;
II – Acesso à Justiça;
III – Regionalização progressiva;
IV – Respeito ao sigilo das informações, nos termos da Lei 12.527/2011;
V – Igualdade e não-discriminação;
VI – Proteção integral e interesse superior da criança e do adolescente;
VII – Respeito a tratados e convenções internacionais de direitos humanos;
VIII – Transversalidade das dimensões de identidade de gênero, orientação sexual, raça, deficiência, origem étnica ou social, procedência territorial e faixa etária nas políticas públicas;
IX – Transparência e participação social;
X – Intersetorialidade e trabalho organizado em redes de colaboração.
Art. 4º – A política estadual obedecerá às seguintes diretrizes:
I – Atenção integral às vítimas diretas e indiretas de violência.
II – Reflexão crítica sobre as formas de violência e não-culpabilização da vítima.
III – A transdisciplinaridade, coletivização de demandas e estímulo à Justiça Restaurativa como métodos de trabalho.
IV – Garantia às vítimas de violência de participação e controle social na formulação, implementação e avaliação da PERV-MG.
Art. 5º – Consideram-se categorias de violência abrangidas pelo escopo da PERV-MG, no mínimo:
I – Homicídio tentado e consumado, conforme art. 121 do Código Penal Brasileiro;
II – Latrocínio, conforme art. 157, § 3º, II do Código Penal Brasileiro;
III – Estupro, conforme art. 213 do Código Penal Brasileiro;
IV – Estupro de vulnerável, conforme art. 217-A do Código Penal Brasileiro;
V – Tortura cometida por agentes privados, conforme art. 1º da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997;
VI – Tráfico de pessoas, conforme Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016;
VII – Violência de Estado, compreendida como a violência perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, em suas três formas: tortura, conforme art. 1º, § 4º, I da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997; desaparecimento forçado, conforme art. 2º da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, promulgada pelo Decreto nº 8.767, de 11 de maio de 2016; execução extrajudicial tentada e consumada, compreendida como o homicídio cometido por pessoa que se enquadre na descrição do caput deste inciso VII.
Art. 6º – A Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência – PERV-MG, é integrada por:
I – Comitê Interinstitucional de Reparação às Vítimas de Violência – CIRV, órgão colegiado de composição paritária entre instituições públicas e representantes da sociedade civil, de caráter consultivo e deliberativo;
II – Núcleo de Reparação às Vítimas de Violência – NRV;
III – Centro de Atendimento às Vítimas de Violência – CAV;
IV – Fundo de Reparação às Vítimas de Violência – FUNREV.
Art. 7º – Compete ao CIRVCV:
I – Elaborar, monitorar e avaliar o Plano Estadual de Reparação às Vítimas de Violência;
II – Realizar a coordenação intersetorial para a implementação da PERV-MG.
§ 1º – O Plano Estadual de Reparação às Vítimas de Violência terá duração mínima decenal e deverá ser composto por objetivos, metas finalísticas e indicadores monitoráveis, observando-se em sua elaboração: abrangência de todos os direitos das vítimas de violência; concepção integral do sujeito; prioridade às pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco; elaboração conjunta e participativa de todos os setores e órgãos estaduais que atuam em áreas que têm competências diretas ou relacionadas à vítima de violência; participação da sociedade em sua elaboração; articulação e complementaridade com as ações da União e dos Municípios.
§ 2º – O Poder Executivo poderá criar e manter sistema integrado de dados das pessoas atendidas e das políticas e serviços estaduais dos quais elas sejam beneficiárias diretas e indiretas.
Art. 8º – O NRV é composto por equipe técnica multiprofissional a quem compete subsidiar técnica e administrativamente o CIRV para efetivação das atribuições do órgão colegiado.
Art. 9º – O CAV contará com equipe técnica multiprofissional que, atuando numa perspectiva transdisciplinar, prestará serviço de atendimento a pessoas afetadas direta e indiretamente pela violência e suas repercussões, com o objetivo de lhes possibilitar a ressignificação da violência sofrida, atuando em três frentes:
I – Atendimento psicossocial, que leva em consideração todas as repercussões da violência na vida da pessoa atendida, sejam elas jurídicas, sócio-econômicas, psíquicas, ou de qualquer outra natureza.
II – Articulação de redes de suporte às pessoas atendidas, de caráter intersetorial, inclusive, com apoio da sociedade civil e, sempre que possível, possibilitando e atendendo a coletivização de demandas.
III – Acesso à justiça, que contempla: a busca pela responsabilização do autor da violência; o acesso à informação sobre investigações e processos judiciais relacionados à violência atendida e outros processos referentes a direitos da pessoa atendida; a promoção de espaços de discussão e expressão pública das situações de violência; a adoção de técnicas de Justiça Restaurativa; e outras formas de reparação da violência sofrida.
§ 1º – O CAV atuará de forma regionalizada, contando com, no mínimo, uma unidade de atendimento em cada uma das dez regiões de planejamento do Estado de Minas Gerais: Alto Paranaíba, Central, Centro-Oeste de Minas, Jequitinhonha/Mucuri, Mata, Noroeste de Minas, Norte de Minas, Rio Doce, Sul de Minas, Triângulo.
§ 2º – Para acesso ao serviço prestado pelo CAV, não será exigida apresentação de prova de ocorrência da violência, nem que haja queixa ou denúncia formalizada, investigação ou processo judicial em andamento.
Art. 10 – FUNREV financiará todas as ações necessárias à implementação da Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência – PERV-MG, especialmente, as ações de reparação específicas às vítimas diretas e indiretas de violência de Estado.
Parágrafo único – O FUNREV será constituído a partir de repasses estabelecidos na Lei Federal 13.756/2018.
Art. 11 – Para fins de execução da PERV-MG, o Poder Executivo poderá firmar convênios com órgãos da Administração Direta ou Indireta, com outras esferas de governo, bem como poderá celebrar parcerias, termos de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil.
Art. 12 – Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias a partir da data de sua publicação.
Art. 13 – As despesas decorrentes da execução do disposto nesta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 14 – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 10 de dezembro de 2019.
Deputada Andréia de Jesus
Justificação: O Estado por via de seus agentes pode cometer atos de violência contra cidadãos configurando-se situações de graves violações de direitos humanos que podem afetar a integridade física, psíquica e moral de uma pessoa e até mesmo ocasionar sua morte.
O presente projeto de lei visa constituir uma política de acolhimento, reparação, restituição, compensação, reabilitação, satisfação e garantias de não-repetição em face de violências praticadas pelo Estado e fundamenta-se nas disposições, constantes de inúmeros instrumentos internacionais, que consagram o direito de recurso para as vítimas de violações das normas internacionais de direitos humanos, em particular o artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 2º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o artigo 6º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, o artigo 14º da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e o artigo 39º da Convenção sobre os Direitos da Criança, e para as vítimas de violações das normas de direito internacional humanitário, conforme consagrado no artigo 3º da Convenção da Haia respeitante às Leis e Costumes da Guerra em Terra, de 18 de outubro de 1907 (Convenção IV), no artigo 91º do Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais (Protocolo I), de 8 de junho de 1977, e nos artigos 68º e 75º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
O artigo 18 dos Princípios e Diretrizes básicas sobre o direito a recurso e reparação para vítimas de violações flagrantes das normas internacionais de direitos humanos e de violações graves do direito internacional humanitário, adotados e proclamados pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 60/147, de 16 de dezembro de 2005, prevê que, em conformidade com o direito interno e o direito internacional, e tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, as vítimas de violações flagrantes das normas internacionais de direitos humanos e de violações graves do direito internacional humanitário devem, conforme apropriado e de forma proporcional à gravidade da violação e às circunstâncias de cada caso, obter uma reparação plena e efetiva, conforme estipulado nos princípios 19 a 23, nomeadamente sob as seguintes formas: restituição, indenização, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição.
Busca-se pela presente proposição instituir uma política de reparação à atos cometidos pelo Estado que configuram os seguintes tipos penais: homicídio tentado e consumado, conforme art. 121 do Código Penal Brasileiro; Latrocínio, conforme art. 157, § 3º, II do Código Penal Brasileiro; Estupro, conforme art. 213 do Código Penal Brasileiro; Estupro de vulnerável, conforme art. 217-A do Código Penal Brasileiro; Tortura cometida por agentes privados, conforme art. 1º da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997; Tráfico de pessoas, conforme Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016; Violência de Estado, compreendida como a violência perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, em suas três formas: tortura, conforme art. 1º, § 4º, I da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997; desaparecimento forçado, conforme art. 2º da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, promulgada pelo Decreto nº 8.767, de 11 de maio de 2016; execução extrajudicial tentada e consumada.
A Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência de Minas Gerais, objeto dessa proposição legislativa, busca dar consequência à Lei Estadual nº 23.471/2019, que Instituiu o Fundo Estadual de Segurança Pública de Minas Gerais, notadamente às previsões dos incisos IV e V, do artigo 5º, que prevê programas, projetos e ações voltados para as vítimas de violência do Estado e para as vítimas de crimes violentos. Diante do exposto, conto com o apoio dos nobres colegas, para a aprovação da presente proposição.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos, de Administração Pública e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.