PL PROJETO DE LEI 316/2015
PROJETO DE LEI Nº 316/2015
Dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e à criança durante o ciclo gravídico-puerperal.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1° - O Estado garantirá à mulher e à criança o direito de receber assistência humanizada e segura durante o ciclo gravídico-puerperal na rede pública de serviços de saúde.
Parágrafo único - Para os efeitos desta lei, entende-se por ciclo gravídico-puerperal o período que compreende a gestação, o pré-parto, o parto e o puerpério.
Art. 2° - Desde que as condições clínicas da mulher e da criança permitam, a assistência humanizada durante o ciclo gravídico-puerperal compreenderá:
I - a preferência pela utilização de métodos menos invasivos e mais naturais;
II - a garantia da segurança do processo fisiológico do parto, sem oferecer risco à saúde da mulher e da criança;
III - a adoção de rotinas e procedimentos cuja extensão e conteúdo tenham sido objeto de revisão e avaliação científica por parte da Organização Mundial da Saúde - OMS - ou de outras instituições de excelência reconhecida;
IV - a garantia à gestante do direito de optar pelos procedimentos que lhe propiciem maior conforto e bem-estar;
V - a garantia do direito a um acompanhante indicado pela gestante durante o ciclo gravídico-puerperal;
VI - o estímulo à utilização de métodos não farmacológicos de alívio da dor;
VII - a disponibilização de métodos farmacológicos de alívio da dor;
VIII - a garantia ao recém-nascido de ser mantido ligado à placenta pelo cordão umbilical até a cessação da pulsação espontânea, salvo nos casos de urgente necessidade de intervenção para cuidados especiais;
IX - a garantia ao recém-nascido de ser entregue à sua mãe para contato e amamentação em livre demanda imediatamente após nascer e durante a primeira meia hora de vida;
X - o direito do recém-nascido à amamentação materna sem a introdução de leite artificial ou equivalente;
XI - o direito do recém-nascido de não receber medicamentos sem autorização da mãe durante o período de permanência no estabelecimento de saúde;
XII - a realização de atividades educativas para conscientizar a gestante e os profissionais de saúde sobre os procedimentos e benefícios do atendimento humanizado;
XIII - o estímulo à publicação de protocolos que descrevem as rotinas e os procedimentos de assistência ao parto, bem como disponibilização dos dados estatísticos sobre os tipos de parto e procedimentos adotados como rotina por opção da gestante.
Art. 3° - Durante o ciclo gravídico-puerperal a mulher terá direito a:
I - ser tratada com respeito, de modo individual e personalizado, garantida a preservação de sua intimidade;
II - decidir pelo parto natural, evitando-se práticas invasivas sem justificativa clínica;
III - ser informada sobre a evolução do trabalho de parto e o estado de saúde da criança;
IV - ser informada sobre as diferentes possibilidades de intervenções médico-hospitalares para que escolha a qual se submeterá, se o seu quadro clínico permitir;
V - ser informada sobre os benefícios da lactação e receber apoio para amamentar;
VI - estar acompanhada por uma pessoa de sua confiança e livre escolha nos atendimentos durante o ciclo gravídico-puerperal;
VII - ter a seu lado o recém-nascido em alojamento conjunto durante a permanência no estabelecimento de saúde, quando as condições clínicas o permitirem.
Art. 4° - A gestante não será submetida a exames e procedimentos cujos propósitos sejam pesquisa científica, treinamento e aprendizagem, salvo quando autorizados por Comitê de Ética para Pesquisas com Humanos e pela própria mulher mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Art. 5° - A gestante terá direito à elaboração de um plano individual de parto, no qual constarão:
I - a indicação dos estabelecimentos onde será prestada assistência à mulher durante a gestação e o parto e as equipes responsáveis por essa assistência;
II - a indicação de pessoas não vinculadas à unidade de saúde autorizadas a atuar de forma complementar na assistência ao parto;
III - a vontade expressa da gestante em relação:
a) à presença de um acompanhante nos atendimentos realizados durante o ciclo gravídico- puerperal;
b) aos métodos a serem utilizados para alívio da dor;
c) ao uso de posição verticalizada no parto;
d) a alojamento conjunto.
Art. 6° - Durante a elaboração do Plano Individual de Parto, a gestante será informada pela equipe de saúde sobre as rotinas e os procedimentos de assistência ao parto pelos quais poderá optar, bem como sobre as vantagens e os riscos de cada um deles.
Art. 7° - O plano individual de parto só poderá ser alterado se forem necessárias intervenções para garantir a saúde da mulher ou da criança.
Parágrafo único - As intervenções previstas no caput, assim como a justificativa clínica do procedimento adotado, serão registradas no prontuário da gestante pelo médico responsável.
Art. 8° - Além das intervenções previstas no art. 7°, os seguintes procedimentos serão registrados no prontuário com a devida justificativa clínica:
I - administração de enemas;
II - administração de ocitocina sintética;
III - esforços de puxo prolongados e dirigidos durante o período expulsivo;
IV - amniotomia;
V - episiotomia;
VI - tração ou remoção manual da placenta;
VII - adoção de dieta zero durante o trabalho de parto;
VIII - tricotomia;
IX - dilatação manual do colo uterino.
Art. 9° - No atendimento à gestante durante o ciclo gravídico-puerperal, é vedado aos profissionais da equipe de assistência à saúde:
I - realizar procedimento que não tenha evidência científica ou que seja contraindicado pelas Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento, preconizadas pela OMS;
II - submeter a gestante a procedimento sem a devida justificativa médica;
III - praticar violência obstétrica.
Parágrafo único - Para os efeitos desta lei, entende-se como violência obstétrica a prática de ações por parte dos profissionais de saúde que causem a perda da autonomia da mulher para decidir sobre seu corpo e sua sexualidade durante o trabalho de parto e o puerpério, entre as quais:
I - tratar a mulher de forma desumanizada;
II - administrar medicamentos de forma abusiva;
III - tratar os processos naturais como patologias;
IV - tratar a mulher de forma agressiva, com a utilização de termos depreciativos para os processos naturais do ciclo gravídico-puerperal;
V - demonstrar preconceito em relação a cor, etnia, idade, escolaridade, religião, cultura, crenças, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual ou identidade de gênero;
VI - ignorar as demandas da mulher relacionadas ao cuidado e à manutenção de suas necessidades humanas básicas;
VII - induzir a mulher a aceitar uma cirurgia cesariana sem que seja necessária;
VIII - realizar cirurgia cesariana sem recomendação clínica;
IX - recusar atendimento oportuno e eficaz à mulher;
X - transferir a mulher para outra unidade de saúde sem que haja garantia de vaga e tempo hábil para chegar ao local;
XI - impedir a presença de acompanhante durante o pré-parto, o parto e o puerpério;
XII - impedir a atuação complementar da pessoa indicada no plano individual de parto para auxiliar no parto a que se refere o inciso II do art. 5° desta lei;
XIII - impedir que a mulher se comunique com pessoas externas ao serviço de saúde, impossibilitando-a de conversar e receber visitas;
XIV - submeter a mulher aos procedimentos a que se refere o art. 8° sem a devida justificativa clínica;
XV - manter a gestante em posição ginecológica ou litotômica, supina ou horizontal, quando houver meios para realização do parto verticalizado, salvo se solicitado por ela;
XVI - acelerar os mecanismos de parto, mediante rotação e tração da cabeça ou da coluna cervical da criança;
XVII - manter algemada, durante o trabalho de parto, parto e puerpério, a mulher que cumpre pena privativa de liberdade;
XVIII - impedir o contato da criança com a mãe logo após o parto, ou impedir o alojamento conjunto, impossibilitando a amamentação em livre demanda na primeira meia hora de vida, salvo se a mulher ou a criança necessitar de cuidados especiais;
XIX - impedir a mulher de acompanhar o recém-nascido quando este necessitar de cuidados especiais no estabelecimento de saúde, inclusive em unidade de terapia intensiva neonatal.
Art. 10 - As disposições desta lei são extensivas ao atendimento à mulher em caso de abortamento e no parto de natimorto.
Art. 11 - As instituições e os profissionais que não cumprirem o estabelecido nesta lei responderão no âmbito civil, penal e administrativo por suas ações ou omissões, sem prejuízo das sanções previstas na Lei n° 13.317, de 24 de setembro de 1999.
Parágrafo único - Os casos de violência obstétrica serão notificados aos conselhos regionais de medicina e de enfermagem e ao Ministério Público para os devidos encaminhamentos e aplicações de penalidades administrativas aos profissionais envolvidos, sem prejuízo do disposto no caput.
Art. 12 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 10 de março de 2015.
Doutor Wilson Batista
Justificação: O movimento pelo parto humanizado teve início há muitos anos no Brasil e pretende diminuir as intervenções desnecessárias e promover um cuidado ao processo de gravidez-parto-nascimento-amamentação baseado na compreensão do processo natural e fisiológico, com base em evidências científicas.
Ressalte-se que esse movimento alicerça e permeia medidas adotadas no âmbito do SUS para garantir a realização do parto humanizado em suas unidades de saúde. Como exemplo, o Ministério da Saúde adotou, desde 2005, o manual técnico intitulado Pré-Natal e Puerpério - Atenção Qualificada e Humanizada, que se inicia com os seguintes parágrafos: “A atenção obstétrica e neonatal, prestada pelos serviços de saúde, deve ter como características essenciais a qualidade e a humanização. É dever dos serviços e profissionais de saúde acolher com dignidade a mulher e o recém-nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos.
A humanização diz respeito à adoção de valores de autonomia e protagonismo dos sujeitos, de corresponsabilidade entre eles, de solidariedade dos vínculos estabelecidos, de direitos dos usuários e de participação coletiva no processo de gestão.
A atenção com qualidade e humanizada depende da provisão dos recursos necessários, da organização de rotinas com procedimentos comprovadamente benéficos, evitando-se intervenções desnecessárias, e do estabelecimento de relações baseadas em princípios éticos, garantindo-se privacidade e autonomia e compartilhando-se com a mulher e sua família as decisões sobre as condutas a serem adotadas.”
O extenso manual contém não só princípios e diretrizes, mas também especificações técnicas minuciosas sobre os exames e procedimentos que integram uma assistência ao parto com características humanizadas.
A despeito da existência dessas normas infralegais, o SUS não tem conseguido garantir as condições para que as parturientes brasileiras exerçam seu direito ao parto humanizado, como demonstram os vários casos de gestantes dando à luz nos corredores lotados de nossos hospitais e de bebês sem acesso a leitos em UTI neonatal.
Assim sendo, apresentamos este projeto de lei, que almeja trazer para a esfera legal a obrigatoriedade de o Estado oferecer condições para o parto humanizado e obrigar as unidades de saúde a seguir as recomendações necessárias para garantir o exercício desse direito. Diante do exposto, conto com o apoio dos pares para sua aprovação.
- Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Paulo Lamac. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 256/2015, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.