PL PROJETO DE LEI 883/2011

PROJETO DE LEI Nº 883/2011

(Ex-Projeto de Lei nº 1.981/2008)

Institui a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º - Fica instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT-MG, na forma do estabelecido nesta lei.

Art. 2º - Para os fins desta lei compreende-se por:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral, e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 e 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988 e demais regulamentações; e

III - Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da qualidade de vida da atual geração, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras.

Art. 3º - As ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverão ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar os seguintes princípios:

I - o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, levando-se em conta, entre outros aspectos, os recortes etnia, raça, gênero, idade, religiosidade, ancestralidade, orientação sexual e atividades laborais, bem como a relação destes em cada comunidade ou povo, de modo a não desrespeitar subsumir ou negligenciar as diferenças dos grupos, comunidades ou povos ou, ainda, instaurar ou reforçar qualquer relação de desigualdade;

II - a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais deve se expressar por meio do pleno e efetivo exercício da cidadania;

III - a segurança alimentar e nutricional como direito dos povos e comunidades tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;

IV - o acesso em linguagem acessível à informação e ao conhecimento dos documentos produzidos e utilizados no âmbito da Política Nacional e Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;

V - o desenvolvimento sustentável como promoção da melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais nas gerações atuais, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras e respeitando os seus modos de vida e as suas tradições;

VI - a pluridade socioambiental, econômica e cultural das comunidades e dos povos tradicionais que interagem nos diferentes biomas e ecossistemas, sejam em áreas rurais ou urbanas;

VII - a promoção da descentralização e transversalidade das ações e da ampla participação da sociedade civil na elaboração, monitoramento e execução desta Política a ser implementada pelas instâncias governamentais;

VIII - o reconhecimento e a consolidação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais;

IX - a articulação com as demais políticas públicas relacionadas aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais nas diferentes esferas de governo;

X - a promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses;

XI - a articulação e integração com o Sistema Nacional e Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional;

XII - a contribuição para a formação, por parte dos órgãos públicos, de uma sensibilização coletiva sobre a importância dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e do controle social para a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais;

XIII - a erradicação de todas as formas de discriminação, incluindo o combate à intolerância religiosa; e

XIV - a preservação dos direitos culturais, o exercício de práticas comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica.

Art. 4º - A PNPCT-MG tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.

Art. 5º - São objetivos específicos da PNPCT-MG:

I - garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica;

II - solucionar ou minimizar os conflitos gerados pela implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável;

III - implantar infra-estrutura adequada às realidades socioculturais e demandas dos povos e comunidades tradicionais;

IV - garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos;

V - garantir e valorizar as formas tradicionais de educação e fortalecer processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e comunidade, garantindo a participação e controle social tanto nos processos de formação educativos formais quanto nos não-formais;

VI - reconhecer, com celeridade, auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos;

VII - garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso aos serviços de saúde de qualidade e adequados às suas características socioculturais, suas necessidades e demandas, com ênfase nas concepções e práticas da medicina tradicional;

VIII - garantir no sistema público previdenciário a adequação às especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decorrentes destas atividades;

IX - criar e implementar, urgentemente, uma política pública de saúde voltada aos povos e comunidades tradicionais;

X - garantir o acesso às políticas públicas sociais e a participação de representantes dos povos e comunidades tradicionais nas instâncias de controle social;

XI - garantir nos programas e ações de inclusão social recortes diferenciados voltados especificamente para os povos e comunidades tradicionais;

XII - implementar e fortalecer programas e ações voltados às relações de gênero nos povos e comunidades tradicionais, assegurando a visão e a participação feminina nas ações governamentais, valorizando a importância histórica das mulheres e sua liderança ética e social;

XIII - garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso e a gestão facilitados aos recursos financeiros provenientes dos diferentes órgãos de governo;

XIV - assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais, sobretudo nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade;.

XV - reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais;

XVI - apoiar e garantir o processo de formalização institucional, quando necessário, considerando as formas tradicionais de organização e representação locais; e

XVII - apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção de tecnologias sustentáveis, respeitando o sistema de organização social dos povos e comunidades tradicionais, valorizando os recursos naturais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais.

Art. 6º - São instrumentos de implementação da Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais:

I - os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;

II - A Comissão Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a ser instituída por decreto do Executivo Estadual;

III - os fóruns regionais e locais; e

IV - o Plano Plurianual.

Art. 7º - Os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais têm por objetivo fundamentar e orientar a implementação da PNPCT-MG e consistem no conjunto das ações de curto, médio e longo prazo, elaboradas com o fim de implementar, nas diferentes esferas de governo, os princípios e os objetivos estabelecidos por esta Política:

I - os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais poderão ser estabelecidos com base em parâmetros ambientais, regionais, temáticos étnico-socioculturais e deverão ser elaborados com a participação eqüitativa dos representantes de órgãos governamentais e dos povos e comunidades tradicionais envolvidos;

II - a elaboração e implementação dos Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais poderá se dar por meio de fóruns especialmente criados para esta finalidade ou de outros cuja composição, área de abrangência e finalidade sejam compatíveis com o alcance dos objetivos desta Política; e

III - o estabelecimento de Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais não é limitado, desde que respeitada a atenção equiparada aos diversos segmentos dos povos e comunidades tradicionais, de modo a não convergirem exclusivamente para um tema, região, povo ou comunidade.

Art. 8º - A Comissão Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverá, no âmbito de suas competências e no prazo máximo de noventa dias:

I - dar publicidade aos resultados das Oficinas Regionais que subsidiarão a construção da PNPCT-MG;

II - estabelecer um Plano Estadual de Desenvolvimento Sustentável para os Povos e Comunidades Tradicionais, o qual deverá ter como base os resultados das Oficinas Regionais mencionados no inciso I; e

III - propor um Programa Multisetorial destinado à implementação do Plano Estadual mencionado no inciso II no âmbito do Plano Plurianual.

Art. 9º - Compete à Comissão Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - CNPCT-MG coordenar a implementação da Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Art. 10 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Reuniões, 30 de março de 2011.

Carlin Moura

Justificação: Conforme reportagem publicada no jornal Assembléia Informa do dia 19/12/2007, a inclusão social dos povos e comunidades tradicionais foi assunto de uma audiência pública realizada pela Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a requerimento dos deputados Almir Paraca (PT) e André Quintão (PT), no dia 18/12/2007. O objetivo: “nivelar informações, comparar políticas e dotações orçamentárias dos governos federal e estadual e discutir ações das duas esferas”.

Indígenas, ciganos, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, extrativistas, seringueiros, castanheiros, caiçaras, jangadeiros, pescadores, ribeirinhos. Todas essas categorias servem para designar o que os antropólogos chamam de comunidades tradicionais, ou seja, grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais, com práticas geradas e transmitidas pela tradição. Nessa definição, caberiam 25 milhões de brasileiros, ou 14% da população.

A presença maciça de representantes quilombolas na platéia e na Mesa polarizou o debate em torno dos interesses dessas comunidades, que mereceram um debate específico no Plenário no dia 30 de novembro, promovido pela Comissão de Direitos Humanos.

O Deputado Paraca disse que era preciso reconhecer o esforço do Governo Lula para tirar da invisibilidade segmentos sociais diversos, e que a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção e Igualdade Racial - Seppir - demonstrava isso.

“Para todas as comunidades tradicionais identificadas no Norte e Noroeste de Minas, sejam quilombolas, indígenas, geraizeiros ou vazanteiros, a questão territorial é decisiva. Também são importantes as questões culturais, ancestrais, religiosas, sociais e econômicas, mas fazer respeitar esse território é o grande problema”, afirmou o Deputado.

O representante do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Aderval Costa Filho, concordou com o Deputado em que a questão territorial é a principal na lista de 12 demandas prioritárias com as quais trabalham. “Estamos sempre administrando conflitos com a superposição de parques de proteção integral, sejam eles estaduais ou nacionais, sobre áreas reivindicadas por comunidades tradicionais”, alertou ele.

A respeito das práticas extrativistas dessas comunidades, Costa Filho disse que é preciso respeitar as tradições e não tentar, como alguns técnicos fazem, impor restrições da legislação trabalhista. “É o caso dos colhedores de açaí. A destreza para subir nas palmeiras se adquire na infância. Se exigirmos que os meninos cheguem aos 17 anos para subir no açaí, eles vão cair e quebrar o pescoço”, exemplificou.

Roberta Albanita, da Secretaria de Desenvolvimento Social, concorda com Aderval. “O Grande desafio para quem trabalha a inclusão dessas comunidades é a desconstrução do seu saber para aprender, entender o que está lá e não intervir erradamente”, esclareceu. Albanita admite que as ações ainda são dispersas e que as iniciativas ainda pecam pelo costume de levar os pacotes existentes.

Quatro lideranças comunitárias presentes na Mesa defenderam os interesses dos quilombolas. Maria das Graças Sabóia pediu uma política de reparação dos danos infligidos à comunidade negra, e a implementação da Lei nº 10.6349, que introduz a História da África nas escolas. Marielle Patrícia Brasil de Figueiredo, do Cedefes, listou as formas de participação que seriam ideais para as comunidades atuarem na formulação de políticas próprias, e defendeu o protagonismo dos quilombolas na defesa dos seus interesses.

Helen Santa Rosa disse que o Centro de Agricultura Alternativa atende cinco tipos de comunidades tradicionais: os geraizeiros, que vivem encurralados pela monocultura do eucalipto; os quilombolas, que são 30 comunidades apenas no Gorutuba; os vazanteiros, que cultivam as vazantes do São Francisco e se deslocam de canoa: os caatingueiros, que convivem com a vegetação do semi-árido; e os indígenas xacriabás, que vivem em São João das Missões.

Maria Luzia Sidônio, da Federação Quilombola, discorda de Helen, ao dizer que apenas os indígenas, quilombolas e ciganos podem ser classificados como povos tradicionais. “Geraizeiros e vazanteiros podem ser hoje, e amanhã não”, distinguiu. “Nós precisamos de território para nossas práticas, que usam o barro e as plantas medicinais. Também sofremos com a invasão dos eucaliptos da Aracruz Celulose em nossos quilombos”, denunciou. Sidônio disse que os negros têm votos, mas não têm voz e vez. “Sofremos tantos desrespeitos que não estamos mais pedindo. Estamos exigindo nossos direitos. Somos 476 quilombos em Minas”, disse ela.

O Deputado André Quintão disse que várias emendas discutidas na Comissão para beneficiar comunidades tradicionais estão sendo incorporadas ao PPAG e devem ser incluídas no Orçamento, com um expressivo volume de recursos. Carlin Moura, Deputado do PcdoB, afirmou que “a inclusão social é marca do Governo Lula, e o resgate da dívida com os quilombolas é tarefa monumental. Até a resistência dos povos tradicionais foi excluída da História do Brasil”, lembrou.

A deputada Elisa Costa disse que 25 milhões de pessoas que compõem as comunidades tradicionais merecem políticas públicas urgentes, e informou que a reclamação dos xacriabás quanto à assistência de saúde prestada pela Funasa também é replicada no Leste de Minas, pois os Krenaks e os machacalis também reclama da saúde. “É urgente a demarcação das terras indígenas. Uma parte dos machacalis já foi beneficiada, mas ainda faltam outros grupos”. Elisa cobrou a criação de uma coordenadoria de igualdade racial em Minas.

Ao final da mencionada audiência pública, concluíram os presentes que é necessária a criação, no âmbito do Estado, de uma política de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, em sintonia com a política nacional já existente, como forma de integrar esforços e ações de governos. Daí a razão da apresentação do projeto de lei que ora apresento para apreciação do conjunto dos parlamentares da Assembléia Legislativa mineira.

- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Direitos Humanos para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.