PL PROJETO DE LEI 393/1999

PROJETO DE LEI Nº 393/99 Acrescenta dispositivos à Lei nº 11.404, de 1994, que contém normas de execução penal. A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta: Art. 1º - Acrescente-se ao art. 71 da Lei nº 11.404, de 1994, os seguintes parágrafos: "Art. 71 - ...................................................................... ....... § 1º - Os servidores policiais e os militares da Polícia Militar presos à disposição do Juiz processante serão recolhidos a prisão especial ou a quartéis, com instalações e comodidades condignas, ou, na sua falta, em prisão domiciliar. § 2º - Haverá estabelecimento penitenciário especialmente destinado ao cumprimento de pena pelos sentenciados policiais ou oriundos de alguma das polícias. § 3º - O estabelecimento penitenciário de que trata o parágrafo anterior conterá, além da rede física e de equipamentos e serviços de atendimento previstos nesta lei, estrutura complementar necessária ao tratamento reeducativo do sentenciado em virtude de sua peculiar condição de policial.". Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário. Sala das Reuniões, 15 de junho de 1999. Sargento Rodrigues Justificação: Este projeto de lei busca contribuir para o aperfeiçoamento do sistema carcerário e proporcionar garantias, no que se refere ao direito à vida e à integridade física, a uma classe especial de presos: os servidores policiais. Assenta-se na competência do Estado membro para legislar sobre execução penal. Embora sejam poucos, o que viabiliza economicamente a proposta, os policiais, quando presos ficam sujeitos, ao compartilharem o mesmo espaço com os demais encarcerados, a toda uma série de ameaças contra sua integridade física. Mais que isso, o convívio com o criminoso "comum" certamente leva a que o policial criminoso veja reduzida sua chance de reabilitação. A idéia é singela: que possam, quando presos ou sentenciados, ser mantidos em estabelecimento próprio e que o tratamento seja adequado à peculiaridade de sua origem. A tese de trabalhar a aplicação de penas de maneira a resgatar o indivíduo para o ambiente social, atendendo-o com um enfoque humanista, é preceito já consagrado, pelo menos em teoria, na civilização moderna. Segundo Schwind, na Alemanha, o efeito da pena deve ser o de produzir na pessoa um "vida de responsabilidade social sem delitos". Especial ênfase é dada aos princípios da "similaridade com a vida civil" e "evitar conseqüências danosas" (Schwind, Hans- Dieter, "Execução Penal da Alemanha", "in": "Penas Alternativas", São Paulo, 1996), o que equivale a dizer que, a produzir um cidadão pior, melhor que não se aplique a pena. A existência de instituições e condições separadas é fundamental para a consecução desses objetivos. No Brasil, há cerca de 140 presos, para pouco mais de 60 mil vagas, havendo aproximadamente 250 mandados de prisão para serem cumpridos. Não há muita dúvida quanto à repercussão perversa da pena na vida do sentenciado. Elevem-se ao quadrado esses efeitos, e teremos a situação do policial sentenciado. De fato, constituímos um sistema penitenciário para "consagrar injustas desigualdades sociais" (Donnici, Virgílio Luiz. "A criminalidade no Brasil: Meio Milênio de Repressão", Rio, 1984). "No sistema prevalece a lógica punitiva e não reeducativa com vistas à ressocialização do preso (...) O sistema punitivo e regredido expressa uma situação de descontrole por parte das autoridades responsáveis seja em nível das Secretarias de Governo, seja em nível do sistema judiciário, propiciando a perpetuação de uma lógica interna no estabelecimento que penaliza tanto funcionários como presos, ainda que estes participem e reproduzam esta lógica desumana e violenta" (Lino, Wagner. "Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os estabelecimentos prisionais do Estado de São Paulo"). Perfeita é a análise do parlamento paulista. Como, diante de tal quadro, exigir que pessoa oriunda do meio policial possa cumprir pena lado a lado com outras com as quais, na vida fora da prisão, mantinha relação de extremo - se não mortal - conflito? Que possibilidades de reeducação? Que segurança? A manutenção do policial condenado junto de outros delinqüentes retira, de sua permanência na prisão, o sentido de integridade moral nela buscado (Paixão, Antonio Luiz. "Recuperar ou Punir? Como o Estado trata o criminoso", São Paulo, 1987). Ressalte-se que a proposição em epígrafe se harmoniza com a orientação de nosso sistema penal, fundada na própria Constituição, que garante ao preso respeito a sua condição individual de ser humano e a sua característica de elemento desviado da conduta social permitida. "Esse direito individual e essa obrigação social de ressocialização indicam ao mesmo tempo os limites. O homem, ainda que delinqüente, deve ter a sua chance; ele não pode ser atingido em sua integridade física ou moral" (Ancel, Marc. "A Nova Defesa Social", Rio de Janeiro, 1979). No entanto, nota o parecer de Carmen Pinheiro Carvalho ("Relatório Criminológico". "In": Censo Criminológico, Belo Horizonte, 1998), o sistema prisional se tem mostrado mais criminógeno que ressocializador, mais violento que a própria violência produzida pelo agente aprisionado. São indicadores que realçam a manutenção do crime mesmo dentro das prisões, o que incide sobre o ex-policial de forma dramática. O poder vertical exercido pelo sistema penal tem um objetivo claro, de cunho eminentemente humanista, qual seja o da ressocialização do preso, possibilitando sua reintegração na sociedade. Toda iniciativa tendente a confirmar esse princípio deve ser bem aceita. Vivemos um estágio da civilização em que coibir os diversos tipos de violência tornou-se uma exigência ética comum a todas as vias de convicção. No estreito âmbito do projeto em tela, pode-se observar, é fato notório, que um dos principais objetivos a serem alcançados é o de resguardar o direito à vida dos policiais presos e sentenciados. A separação do policial lhe garantirá tranqüilidade acerca de seu bem mais precioso, constitucionalmente protegido em nosso País: o direito à vida. Sobre tal direito, aponta Celso Bastos: "É impensável que uma pessoa qualquer possa ser ferida em um desses bens jurídicos tutelados sem que as leis brasileiras lhe dêem a devida proteção" (Bastos, Celso Ribeiro. "Comentários à Constituição do Brasil", São Paulo, 1989). E complementa José Afonso da Silva: "No conteúdo de seu conceito se envolvem o direito à dignidade humana, o direito à privacidade, o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência". (Silva, José Afonso. "Curso de Direito Constitucional Positivo", São Paulo, 1998). Contradição em si, o crime cometido por quem deveria preveni-lo guarda outro elemento contraditório, tangente à impossibilidade da manutenção do policial preso ao lado do preso dito "comum", hipótese que levaria à absoluta subtração dos fins contidos na pena, pelo paradoxo moral e psicológico a que estaria submetido o sentenciado, como também pelo permanente risco à sua integridade física, fator impeditivo de um adequado (ou, pelo menos, "normal") cumprimento de pena. Entendendo que "só punir não é a solução", resta o desafio de reeducar para ressocializar (Marques, J. B. de Azevedo. "Democracia, Violência e Direitos Humanos", São Paulo, 1983). Como nota Paulo Freire, vivemos uma realidade objetiva, em que a desumanização do sistema se impõe sobre os homens, exigindo do indivíduo socialmente comprometido e consciente a busca de um projeto de humanização, igualmente histórico e concreto, que se construirá na prática cotidiana. Humanizar e educar é dar a conhecer, é criar consciência ("Ação Cultural para a Liberdade", Rio, 1982). Não poderá ser em um ambiente de violência que o preso será reeducado.Não será em meio a especial violência que o policial preso conseguirá retorno para a convivência social saudável. O grau de opressão e violência a que fica submetido o policial encarcerado ao lado de outros presos inibe ainda mais a consciência dessa pessoa, desumanizando-o ainda mais e alienando-o por meio da violência potencializada. O ato de reeducar não pode pretender apresentar novas propostas com velhos métodos. A construção de uma sociedade mais justa e igualitária pressupõe ações verdadeiramente reformadoras, construídas sobre a consciência do conflito social e vinculada às condições dessa mesma sociedade (Gadotti, Moacir. "Educação e Poder: Introdução à Pedagogia do Conflito", São Paulo, 1985). Não se modificará o crime sem se transformar o criminoso. Para tanto, é preciso que cada estirpe de delinqüente mereça o respectivo remédio. A adequação da pena ao perfil do apenado não é matéria que envolve a mera aplicação de receituário único, geral e estático. Pelo contrário, como no caso em relevo, a execução penal deverá, necessariamente, sob pena de frustrar sua finalidade, considerar a meta social renovadora a ser alcançada a partir da peculiaridade da situação do sentenciado, possibilitando pluralidade e dinamismo ao tratamento do criminoso. É o que se pretende na proposição. Reconheça-se, aliás, a extrema vulnerabilidade do policial. Comenta Elói Pietá: "Para mais exigir da polícia, o governo deve elevar o nível salarial de policiais e agentes penitenciários, investir na formação científica e profissional, equipar a polícia para a investigação e a ação e estabelecer sistemas de proteção para os agentes policiais" ("Crime e Polícia", São Paulo, 1994). O interesse de se fornecerem garantias ao policial é da própria sociedade. Como visto, este projeto de lei tem o condão de preservar a vida das pessoas a quem se dirige, possibilitar-lhes e à sociedade um tratamento socioeducativo coerente com os objetivos da pena e dotar o sistema de defesa social de maior segurança e o sistema penitenciário de maior eficácia; por isso consideramos relevante este projeto e contamos com o apoio dos nobres pares à sua regular tramitação e pacífica aprovação. - Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Direitos Humanos para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.