PL PROJETO DE LEI 2123/2024

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.123/2024

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do deputado Lucas Lasmar, o Projeto de Lei nº 2.123/2024 dispõe sobre o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica e de seus filhos em hotéis da rede privada no Estado.

Publicado no Diário do Legislativo de 22/3/2024, a proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Defesa dos Direitos da Mulher e de Fiscalização Financeira e Orçamentária, para parecer.

Cabe a esta comissão, nos termos do art. 102, III, “a”, combinado com o art. 188, do Regimento Interno, analisar a matéria quanto aos aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade.

Fundamentação

O projeto de lei em análise pretende autorizar o Poder Executivo a firmar contratos com hotéis da rede privada com a finalidade de destinar vagas para o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica e seus filhos. A proposição determina que os contratos de permanência devem garantir um mínimo de 60 dias de abrigo, com possibilidade de prorrogação por mais 30 dias. Estabelece, também, que o valor da diária será regulamentado pelo Poder Executivo.

A matéria se insere no âmbito da segurança pública, pela vertente de medidas preventivas e mitigadoras da violência contra a mulher, bem como nas regras constitucionais de proteção e amparo à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

A Constituição Federal estabelece que a segurança pública é dever do Estado brasileiro, cuja realização demanda atuação dos diferentes entes federados, e outorga competência legislativa ao estado-membro para edição de lei estadual que discipline os temas que não foram expressamente outorgados à competência federal ou municipal, conforme o disposto no art. 144, caput, combinado com o art. 25, § 1º. Soma-se a isso o fato de que cabe ao Estado – aqui entendido em todas as suas esferas federativas (União, estados-membros, municípios e Distrito Federal) – promover a proteção dos direitos humanos. Como o desrespeito à intimidade e à dignidade sexual das mulheres é uma das formas de violação desses direitos, conclui-se que, sob o prisma da segurança pública, cabe ao Estado regular a matéria. Ademais, tem-se que essa temática tem fundamento de validade e visa dar concretude ao disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, que dispõe que o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”.

Assim, a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, dispôs, acertadamente, em seu art. 35, IV, que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar.

Nesse contexto normativo, verifica-se que compete ao Estado legislar sobre o tema e inexiste vedação constitucional a que ele amplie o tratamento dado ao assunto em sede de lei estadual, devendo a proposta ser apreciada por esta Casa Legislativa, nos termos do que dispõe o art. 61, XIX, da Constituição Mineira.

No entanto, no caso em apreço, o projeto pretende autorizar o Poder Executivo a implementar uma ação que já está incluída em sua competência constitucional, o que, além de constituir iniciativa inadequada, porque inócua, viola o ordenamento jurídico na medida em que invade esfera de competência atribuída ao Poder Executivo diretamente pela Constituição.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou em diversas oportunidades pela inconstitucionalidade das chamadas “leis autorizativas”, por violarem o princípio da independência e harmonia dos Poderes. Confira-se:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Estadual nº 791/98, que autoriza concessão de “Abono Especial Mensal” a todos os servidores da Administração Direta do Estado. 3. Lei de iniciativa parlamentar. Usurpação de competência legislativa exclusiva do chefe do Poder Executivo. 4. Violação do art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal. 5. Precedentes. 6. Procedência da ação. (ADI 1955, relator(a): min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/3/2003, DJ 13-06-2003 PP-00010 Ement Vol-02114-01 PP-00196).”.

A proposta em exame, em sua forma original, traz indevida interferência na atuação do Poder Executivo, ao buscar dar status legal a um programa que, por sua natureza, tem caráter eminentemente administrativo, situado no campo de atuação do Poder Executivo. A instituição de uma ação ou programa abrange as atividades e as ações desenvolvidas pela administração pública e por seus órgãos, sendo uma tarefa que não cabe a uma lei de iniciativa parlamentar.

Com esse entendimento, tem-se pronunciado exaustivamente o Supremo Tribunal Federal – STF – em inúmeros julgados, em especial:

“(…) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de Poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (Medida Cautelar na ADI 2364).”.

“(...) Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos Poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os “pesos e contrapesos” adotados. 2. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do relevo primacial dos “pesos e contrapesos” no paradigma de divisão dos Poderes, segue-se que à norma infraconstitucional - aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembleia Legislativa, no dos estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão. III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição. (ADI 3046/SP).”.

Por essa razão, ressalta-se que esta Comissão de Constituição e Justiça já se manifestou diversas vezes pela inconstitucionalidade, antijuridicidade e ilegalidade de proposições de lei que visam instituir ações ou programas de natureza administrativa. Contudo, o projeto traz conteúdo relevante para a proteção e a mitigação da violência contra a mulher no Estado. Por isso, com o intuito de corrigir o vício formal e preservar o escopo do projeto original, apresentamos, ao final deste parecer, o Substitutivo nº 1, que busca inserir nova baliza à política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado, prevista na Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016.

Conclusão

Pelo exposto, concluímos pela juridicidade, legalidade e constitucionalidade do Projeto de Lei nº 2.123/2024 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Acrescenta o inciso XIII ao art. 4º da Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, que institui a Política de Atendimento à Mulher Vítima de Violência no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado ao art. 4º da Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, o seguinte inciso XIII:

“Art. 4º – (…)

XIII – realização de parcerias com hotéis da rede privada no Estado, a fim de destinar vagas para o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica e seus filhos.”.

Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 11 de junho de 2024.

Arnaldo Silva, presidente – Charles Santos, relator – Bruno Engler – Zé Laviola – Lucas Lasmar – Doutor Jean Freire.