PL PROJETO DE LEI 1313/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 1.313/2023

Comissão de Agropecuária e Agroindústria

Relatório

De autoria do deputado Lucas Lasmar, o Projeto de Lei nº 1.313/2023 “estabelece diretrizes para a Política de Endereçamento Rural Digital – Perd – no Estado de Minas Gerais e dá outras providências”.

A matéria foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Agropecuária e Agroindústria, de Administração Pública e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Em análise preliminar, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da proposição na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Agora, vem a proposição a este órgão colegiado para dele receber parecer, conforme dispõe o art. 188, combinado com o art. 102, inciso IX, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em análise visa à conformação de uma política estadual de endereçamento rural digital, com o objetivo de conferir localização oficial georreferenciada para o ponto “de entrada de cada propriedade ou estabelecimento rural” do Estado, de forma a viabilizar o traçado de rotas “com uso de sistemas abertos de roteamento ou navegação, ligando a propriedade rural a qualquer via ou local”. Com isso, pretende “facilitar e ampliar o acesso aos serviços públicos essenciais às pessoas que residem, trabalham e transitam na zona rural, além de promover políticas públicas intersetoriais voltadas à melhoria da qualidade de vida no campo”.

Para tanto, o projeto prevê as diretrizes e os objetivos da política e elenca ações a serem adotadas para sua implementação, que envolvem articulação com municípios, órgãos e entidades dos governos estadual e federal, proprietários de imóveis rurais, “pesquisadores, professores, estudantes e lideranças locais e regionais” (art. 7º), além de convênios e parcerias com entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que atuem nesse ramo tecnológico (art. 4º).

Da justificação da proposição se depreende sua inspiração no Programa “Cidadania no Campo – Rotas Rurais”, do Estado de São Paulo, que constituiu a primeira iniciativa dessa natureza na América Latina. Naquela unidade da Federação, a matéria se encontra disciplinada pelo Decreto nº 65.183, de 2020, e pela Lei nº 17.834, de 2023, que traçam as linhas gerais sobre os objetivos do programa e sobre as ações que podem ser adotadas pelo Poder Executivo para alcançá-los. Informações mais específicas sobre as tecnologias envolvidas no programa e sobre os papéis de estado e municípios na iniciativa são encontradas em sítios eletrônicos oficiais do governo paulista.

Conforme disposto no portal oficial do Programa Rotas Rurais, a operacionalização do programa teve início em 2019, com a assinatura de convênio com a empresa Google e com a elaboração do plano de trabalho para a implantação das tecnologias de informação e geolocalização. Em 2021, começou a fase de implantação nos municípios paulistas, desenvolvida com sucesso em 2022. A página informa que 302 mil propriedades rurais já haviam sido geolocalizadas e 57.000 km de vias rurais tinham sido mapeadas até 31/1/2024.

O texto ainda detalha os aspectos técnicos da iniciativa, conforme se lê a seguir:

“ENDEREÇAMENTO RURAL DIGITAL (ERD)

O Endereçamento Rural Digital funciona como um CEP rural personalizado, que localiza com precisão a entrada de cada propriedade ou estabelecimento rural. Além disso, mostra como é o traçado das vias rurais que chegam a cada localização.

As informações do ERD podem ser utilizadas em serviços como Google Earth e outros sistemas de informação geográfica (SIG), e em aplicativos de navegação como Waze, Google Maps e outros.

(...)

Os códigos são baseados em latitude e longitude e contam sempre com uma sequência alfanumérica de 10 a 11 números. Essa combinação tem a parte específica, referente ao local no qual você se encontra no momento, e também códigos genéricos da cidade, estado ou país, que se repetirão entre os ERD da mesma região.

Em qualquer lugar que o proprietário se encontre, é possível gerar um código exato para tal localização, que pode ser compartilhado com qualquer pessoa, depois, basta colocar o código na barra de pesquisa do seu navegador GPS.

(...)

O QUE A PREFEITURA RECEBE?

A prefeitura está recebendo um mapa e uma base de dados com todos os ERDs de sua área rural e com isso pode conhecer a localização e características das porteiras principais de todas as propriedades rurais de seu município.

Em breve, o roteamento das vias rurais, que inclui a quilometragem e o “desenho” dessas vias também estará disponível, e com essas informações a prefeitura pode nomear vias rurais e numerar das propriedades, ou seja, gerar um endereço convencional.

(…)

(https://arcgisrurais.agricultura.sp.gov.br/portal/apps/sites/#/iea-rotas-rurais).”

Em sua análise da matéria, a Comissão de Constituição e Justiça não verificou óbices quanto à disciplina do tema por lei estadual. Contudo, avaliou que a proposta cria obrigações administrativas para o Estado e, assim, interfere no funcionamento da estrutura da administração pública do Poder Executivo, o que afronta o princípio da separação entre os Poderes. Assim, concluiu pela aprovação da matéria na forma o Substitutivo nº 1, que propôs, com o objetivo de alterar a redação do art. 5º e de excluir o art. 6º do projeto, que tratavam das ações relativas à implementação da referida política.

Do ponto de vista do mérito, cumpre inicialmente reconhecer a sintonia da proposição com a política estadual de desenvolvimento agrícola, disciplinada pela Lei nº 11.405, de 1994. O projeto se alinha especialmente ao objetivo, previsto no inciso IX do art. 3º da norma, de “promover a integração das políticas públicas destinadas ao setor agrícola com as demais, de modo a proporcionar o acesso da família rural à infraestrutura e aos serviços de saúde, assistência social, saneamento, segurança, transporte, eletrificação, habitação rural, cultura, lazer, esporte e comunicação, incluídos a telefonia e o acesso à internet e a sinal de televisão e rádio”.

Diante do sucesso da iniciativa paulista de mapeamento de propriedades e vias rurais, pareceu-nos desejável que o Estado de Minas Gerais estabeleça bases para a adoção de política semelhante. Nesse sentido, com vistas a conhecer a posição da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Seapa – sobre a matéria, em 12/6/2024 a proposição foi baixada em diligência à pasta.

A resposta foi recebida pelo Plenário desta Casa em 18/6/2024, na forma de ofício da Secretaria de Estado de Governo que, por sua vez, encaminha nota técnica elaborada pela Seapa. Nessa nota, a pasta reconhece a “relevância da proposta, principalmente quanto à ampliação do acesso a serviços essenciais para a população das áreas rurais de Minas Gerais”, e a considera interessante e viável do ponto de vista técnico. O documento ainda lembra que o projeto “Rede de Fazendas Protegidas”, da Polícia Militar de Minas Gerais, já utiliza dados alinhados do Sistema de Posicionamento Global – GPS – para mapeamento e identificação de propriedades, pontos comerciais e estradas rurais, o que possibilita rápido acesso aos estabelecimento em caso de ocorrências policiais.

Ao cabo, a Seapa se manifesta favoravelmente ao Substitutivo nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça, com as seguintes ressalvas:

– o substitutivo não especifica “a origem dos códigos fontes dos softwares a serem adotados na geração dos dados”, o que seria indesejável do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei Federal nº 13.709, de 2018);

– o projeto não veio acompanhado de indicação das fontes de recursos que devem custear as despesas decorrentes da implementação da política proposta, o que prejudicaria a análise de seu impacto operacional;

– a matéria também se insere no campo de competência da Secretaria de Estado de Infraestrutura – Seinfra –, o que suscitaria sua oitiva.

Diante desses apontamentos e após estudo detido da legislação mineira e da documentação referente ao Programa Rotas Rurais, do Estado de São Paulo, entendemos ser possível aprimorar o texto aprovado pela comissão que nos antecedeu. Com esse intuito, elaboramos o Substitutivo nº 2, apresentado ao final deste parecer, que confere mais clareza ao escopo da política em discussão, além de promover ajustes quanto à técnica legislativa.

Assim, no art. 1º do Substitutivo nº 2, aperfeiçoamos o conceito de ERD, sintetizamos o objetivo da política e vinculamos sua execução à observância da Lei nº 11.405, de 1994, e da LGPD, conforme alerta da Seapa. Já nos arts. 2º e 3º, procuramos distinguir os princípios e as diretrizes da política, a partir de comandos que estavam dispersos nos arts. 2º, 3º e 4º do Substitutivo nº 1.

Entre as diretrizes colacionadas no art. 3º, incluímos preceito relativo à articulação interfederativa nas ações de mapeamento e compartilhamento de dados dos estabelecimentos rurais, tendo em vista a legislação federal relativa aos cadastros públicos de inscrição obrigatória pelas propriedades rurais, como o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR – e o Cadastro Ambiental Rural – CAR.

Já no art. 4º, com base na experiência paulista, buscamos circunscrever as ações possíveis de execução na implementação da política. Para tal, incluímos iniciativas ligadas à coordenação e à padronização de procedimentos e simplificamos medidas previstas nos arts. 5º e 6º do Substitutivo nº 1.

Lembramos a proposição ainda será apreciada pelas Comissões de Administração Pública e Fiscalização Financeira e Orçamentária, às quais caberá avaliar os impactos da proposição em suas respectivas áreas de competência.

Conclusão

Diante do exposto, somos pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.313/2023, em 1º turno, na forma do Substitutivo nº 2, a seguir redigido.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Dispõe sobre a Política Estadual de Endereçamento Rural Digital – Poerd.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – A Política Estadual de Endereçamento Rural Digital – Poerd –, a ser implementada em consonância com a Lei nº 11.405, de 28 de janeiro de 1994, e com a Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, observará ao disposto nesta lei.

§ 1º – A Poerd tem como principal objetivo desenvolver, implantar e utilizar o endereçamento rural digital – ERD – como forma oficial de identificação dos estabelecimentos rurais.

§ 2º – Para os fins desta lei, entende-se por endereçamento rural digital a tecnologia que envolve a atribuição de endereço codificado ao ponto de entrada de um estabelecimento rural, de modo a permitir, por meio de ferramentas digitais, a localização e a definição de rotas para acessar esse estabelecimento.

Art. 2º – São princípios da Poerd:

I – promover o desenvolvimento econômico, socioambiental e cultural do meio rural;

II – ampliar o acesso aos serviços públicos essenciais pelos cidadãos que residem ou trabalham no meio rural;

III – melhorar a qualidade de vida no meio rural.

Art. 3º – São diretrizes da Poerd:

I – a articulação do Estado com a administração federal e com as administrações municipais nas ações de mapeamento dos espaços rurais e no compartilhamento de dados espaciais e informações oficiais relativas aos imóveis e estabelecimentos rurais;

II – a integração das políticas públicas destinadas ao meio rural com as demais políticas setoriais;

III – a interlocução com os atores envolvidos ou interessados na implantação do ERD, incluindo proprietários, posseiros, empresas, entidades representativas, comunidades rurais, povos e comunidades tradicionais.

Art. 4º – Na implementação da Poerd, poderão ser adotadas as seguintes medidas:

I – coordenação das ações estaduais e municipais de atribuição de ERD aos estabelecimentos rurais;

II – padronização e disponibilização de bases de dados espaciais e de ferramentas digitais de geolocalização aos municípios;

III – apoio aos municípios nas ações de identificação de vias rurais, logradouros e localizações dos estabelecimentos rurais situados em seus territórios;

IV – gestão compartilhada das informações relativas ao ERD produzidas pelos municípios;

V – constituição, a partir de dados fornecidos pelos municípios, de banco de informações sobre atividades agropecuárias, agroindustriais e de turismo rural que possam subsidiar políticas públicas;

VI – realização de treinamentos e atividades de capacitação técnica de servidores públicos, estaduais e municipais, para o desenvolvimento, a implantação e a utilização do ERD;

VII – promoção, em parceria com os municípios, de ações de divulgação dos impactos e ganhos advindos da implantação do ERD;

VIII – associação do ERD aos cadastros administrativos estaduais, e, quando possível, utilização do ERD como endereço fiscal;

IX – orientação, aos municípios, sobre as medidas técnicas e administrativas para a utilização do ERD nos processos da administração pública;

X – celebração de convênios ou parcerias com entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com vistas a aprimorar as tecnologias e ações governamentais afetas à Poerd;

XI – instalação de sinalização viária com menção ao ERD.

Art. 5º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 26 de junho de 2024.

Raul Belém, presidente e relator – Marli Ribeiro – Lucas Lasmar.