PL PROJETO DE LEI 1110/2023

Parecer para Turno Único do Projeto de Lei Nº 1.110/2023

Comissão de Direitos Humanos

Relatório

De autoria das deputadas Ana Paula Siqueira, Andréia de Jesus, Leninha e Macaé Evaristo, o projeto em tela “institui, no âmbito do Estado, o Julho das Pretas”, tendo sido distribuído às Comissões de Constituição e Justiça e de Direitos Humanos, para receber parecer.

A proposição foi analisada preliminarmente pela Comissão de Constituição e Justiça, que concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Vem agora o projeto a esta comissão para receber parecer quanto ao mérito, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, V, do Regimento Interno.

Fundamentação

O Projeto de Lei nº 1.110/2023 pretende instituir, no âmbito do Estado, o Julho das Pretas, mês comemorativo para dar visibilidade à luta do movimento de mulheres negras, de forma a convocar o poder público e a sociedade a ampliar e promover ações em defesa dos direitos dessas mulheres. A proposta determina que as ações a serem desenvolvidas devem estar em consonância com as diretrizes da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, com o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e com os respectivos planos estaduais e locais da temática, prevendo entre essas ações as seguintes: realização de eventos, campanhas e atividades educativas; produção e divulgação de conhecimentos sobre os direitos das mulheres negras; e articulação dos sistemas de segurança, corregedorias, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, para responsabilização e enfrentamento da impunidade dos atos de violência cometidos contra as mulheres negras.

Em seu parecer, a Comissão de Constituição de Justiça observou as balizas constitucionais referentes à competência e à iniciativa, e não vislumbrou vícios para a instituição do mês comemorativo. Não obstante, ressaltou que alguns dispositivos da proposta – que estabelecem ações a serem realizadas na data comemorativa e a previsão de celebração de convênio com entidade de direito público ou privado – constituem medidas de natureza tipicamente administrativa, as quais devem ser realizadas conforme juízo discricionário de conveniência e oportunidade, a cargo do Poder Executivo. Assim, para corrigir as impropriedades detectadas no projeto, apresentou o Substitutivo nº 1.

Isso posto, passemos à análise de mérito relativa a esta Comissão de Direitos Humanos.

A Lei Federal nº 12.987, de 2/6/2014, criou o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, a ser comemorado, anualmente, em 25 de julho. Esta lei homenageia um dos maiores símbolos da luta contra a escravização no País: Tereza de Benguela, uma líder quilombola do século XVIII que virou rainha, resistiu à escravidão e lutou pela comunidade negra e indígena que vivia sob sua liderança.

A importância simbólica das comemorações centradas no mês de julho, entretanto, são anteriores à edição do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. O mês se evidenciou também pela realização do histórico 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. Outrossim, é relevante ressaltar que desde 2013 o Odara – Instituto da Mulher Negra1 celebra o 25 de Julho, por meio de uma agenda conjunta e propositiva com organizações e movimento de mulheres negras no Brasil, visando ao fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade.

De acordo com a pesquisa de cor ou raça da população brasileira2, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, que tem como base a autodeclaração da população respondente, pela primeira vez, desde 1991, a maior parte da população brasileira 45,3% se declarou parda. Esse percentual equivale a cerca de 92,1 milhões de pessoas e somado aos 10,2% que se declararam pretas, 20,6 milhões de pessoas, representa 55,5% dos brasileiros e brasileiras.

Ainda segundo o IBGE, no Brasil há mais mulheres que homens, 6 milhões delas a mais. “A população brasileira é composta por cerca de 104,5 milhões de mulheres e 98,5 milhões de homens, o que, respectivamente, corresponde a 51,5% e 48,5% da população residente no País”. Entretanto, os dados relativos a violência, letalidade, desigualdade laborativa entre homens e mulheres, negras e brancas, e acesso às estruturas de poder e aos processos de tomada de decisão não são proporcionais à relevância desse público na fotografia da população brasileira, colocando as mulheres, sobretudo as negras, em uma posição vulnerável e perigosa no nosso País.

No que se refere à violência e à letalidade da mulher, dados do Atlas 2023: Violência contra Mulher3, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea –, demonstram que o risco de uma mulher negra sofrer violência letal é maior que o de uma mulher não negra. Em 2021, 3.858 mulheres foram mortas de forma violenta no Brasil, e destas, 2.601 (67,4%) eram mulheres negras. No mesmo sentido, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 20234 aponta que o País reafirma os elementos de racismo ao se observar a raça/cor das mulheres vítimas de violência letal. Entre as vítimas de feminicídio, 61,1% eram negras e 38,4% brancas. Nos demais assassinatos de mulheres, o percentual de vítimas negras é ainda mais discrepante, com 68,9% dos casos, para 30,4% de brancas.

De acordo com dados das Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil5, do IBGE, em 2022 as mulheres pretas ou pardas foram as que menos participaram do mercado de trabalho, já que dedicaram mais horas a cuidados e afazeres domésticos. Assim, 28% das mulheres ocupadas trabalhavam em tempo parcial (até 30 horas semanais), enquanto essa proporção era de 14,4% entre os homens; já as pretas ou pardas representavam 30,9% e as brancas 24,9%. Além disso, a taxa de participação no mercado de trabalho de mulheres foi de 53,3% enquanto a dos homens foi de 73,2%, sendo que o rendimento das mulheres foi, em média, equivalente a 78,9% do recebido pelos homens.

Esta mesma publicação do IBGE destaca ainda a importância de garantir a igualdade no acesso das mulheres às estruturas de poder e aos processos de tomada de decisão, ressaltando que a proporção de cadeiras ocupadas por elas no Legislativo Federal, apesar de um tímido crescimento em três anos (de 14,8% para 17,9%), apenas garantiu ao Brasil a 133ª posição em um ranking de 186 países, mesmo sendo a maioria do eleitorado brasileiro composto por mulheres (52,7%).

Nesse mesmo diapasão, somente em 2018, pela primeira vez, a ALMG pôde testemunhar a eleição de quatro mulheres negras como deputadas. Após, no ano de 2022, houve a eleição da primeira mulher lésbica e da primeira deputada vice-presidenta da Mesa, uma mulher negra. Atualmente, as mulheres ocupam 19% das cadeiras do Legislativo mineiro, evidenciando que, apesar dos progressos, são necessários esforços contínuos para promover a igualdade e a equidade em favor das mulheres, sobretudo das negras.

Diante do exposto, consideramos que a instituição no Estado do mês Julho das Pretas é uma estratégia oportuna e meritória, merecendo prosperar neste Parlamento. No que se refere ao substitutivo apresentado pela Comissão de Constituição e Justiça, entendemos que os ajustes promovidos são válidos. Não obstante, com a finalidade de adequar a proposta à técnica legislativa e aperfeiçoar seu conteúdo em sintonia com as necessidades da temática, apresentamos ao final deste parecer o Substitutivo nº 2, que altera a ementa e inclui entre os objetivos do mês comemorativo o combate aos efeitos do racismo, do sexismo, da LBTfobia, do capacitismo, do etarismo e de outras formas de opressão contra as mulheres negras.

Conclusão

Em face do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.110/2023, em turno único, na forma do Substitutivo nº 2, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Institui no Estado o mês Julho das Pretas, de combate aos efeitos do racismo, do sexismo, da LBTfobia, do capacitismo, do etarismo e de outras formas de opressão contra as mulheres negras.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica instituído no Estado o mês Julho das Pretas, a ser comemorado anualmente durante o mês de julho.

Art. 2º – São objetivos do mês comemorativo de que trata esta lei:

I – combater os efeitos do racismo, do sexismo, da LBTfobia, do capacitismo, do etarismo e de formas correlatas de opressão contra as mulheres negras;

II – dar visibilidade e contribuir para a preservação da memória e para a luta do movimento das mulheres negras;

III – impulsionar a participação política e a formação de lideranças entre as mulheres negras;

IV – suscitar a produção de conhecimento sobre a situação social, econômica e cultural das mulheres negras, visando à desconstrução de estereótipos;

V – estimular ações para a promoção e a defesa dos direitos das mulheres negras, visando à reparação e à superação das desigualdades de gênero e de raça;

VI – estimular o enfrentamento da impunidade dos atos de violência cometidos contra as mulheres negras;

VII – estimular a articulação dos órgãos de controle administrativo e das instituições do sistema de justiça para a responsabilização e a reparação dos atos violentos perpetrados pelo Estado contra as mulheres negras.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 5 de junho de 2024.

Professor Cleiton, presidente – Beatriz Cerqueira, relatora – Andréia de Jesus.

1O Odara – Instituto da Mulher Negra é uma organização negra feminista, centrada no legado africano, sediada em Salvador (BA). O instituto surgiu em 2010 com o compromisso de atuar pelo fortalecimento da autonomia e garantia de direitos das mulheres negras e pelo enfrentamento das violências raciais e de gênero. Disponível em: <https://institutoodara.org.br/julho-das-pretas/>. Acesso em: 6 maio 2024.

2Disponível em: <https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/>. Acesso em: 6 maio 2024.

3Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/276/atlas-2023-violencia-contra-mulher>. Acesso em: 6 maio 2024.

4Disponível em: <https://apidspace.universilab.com.br/server/api/core/bitstreams/a6c693ef-2396-4504-bd76-9e3062c82704/content>. Acesso em: 6 maio 2024.

5Disponível em: <https://agenc iadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/39358-mulheres-pretas-ou-pardas-gastam-mais-tempo-em-tarefas-domesticas-participam-menos-do-mercado-de-trabalho-e-sao-mais-afetadas-pela-pobreza>. Acesso em: 6 maio 2024.