PL PROJETO DE LEI 1110/2023

Parecer para Turno Único do Projeto de Lei Nº 1.110/2023

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria das deputadas Ana Paula Siqueira, Andreia de Jesus, Leninha e Macaé Evaristo, o projeto de lei em epígrafe tem por objetivo instituir, no âmbito do Estado, o Julho das Pretas.

Publicada no Diário do Legislativo de 10/8/2023, a matéria foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça e de Direitos Humanos.

Cabe a este órgão colegiado o exame preliminar da proposição quanto aos aspectos jurídico, constitucional e legal, conforme determina o art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Fundamentação

O Projeto de Lei nº 1.110/2023 tem como finalidade instituir a data comemorativa “Julho das Pretas”, a ser realizado, anualmente, durante todo o mês de julho.

O art. 2º define que o mês comemorativo tem como objetivo dar visibilidade à luta do movimento de mulheres negras e convocar o poder público e a sociedade a ampliarem e promoverem ações em defesa e promoção dos direitos das mulheres negras. Em seus parágrafos, determina que as ações a serem desenvolvidas devem guardar consonância com as diretrizes da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e os respectivos planos estaduais e locais com a mesma temática, caso existirem, e não devem substituir a execução das políticas públicas voltadas às mulheres negras.

O art. 3º indica, de forma exemplificativa, as ações que serão realizadas no referido mês comemorativo. Por fim, o art. 4º autoriza o Poder Executivo a realizar parcerias para a execução de tais atividades.

Instrui a proposição a transcrição da 14ª Reunião Ordinária da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, realizada em 18/7/2023, na qual foi realizada audiência pública com a finalidade de “debater a situação da mulher negra dentro da estrutura sociopolítica, econômica e cultural do Estado por ocasião da 11ª edição do Julho das Pretas – Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver; iniciativa do Instituto Odara para evidenciar em território brasileiro a agenda política de mulheres negras –, em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres Negras, Afro, Latino-Americanas, Caribenhas e Brasileiras, comemorado no dia 25 de julho, e a agenda do Estatuto de Igualdade Racial de Minas Gerais.

O postulado constitucional que orienta a distribuição de competências entre as entidades que compõem o Estado Federativo é a predominância do interesse. Nessa perspectiva, à União compete legislar sobre as questões de predominante interesse nacional, previstas no art. 22 da Constituição da República; aos estados, sobre as de predominante interesse regional; e, por fim, aos municípios, sobre os assuntos de interesse local, conforme preceitua o art. 30, inciso I. Ademais, a teor do § 1º do art. 25, são reservadas aos estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição.

Considerando que o projeto em exame se limita a instituir data comemorativa sem pretender estabelecer feriado civil, inexiste ressalva quanto à competência legislativa do estado para tal fim.

Com relação à reserva de iniciativa, o art. 66 da Constituição do Estado não inclui a matéria dentre as enumeradas como privativas da Mesa da Assembleia e dos chefes do Executivo, do Judiciário e do Tribunal de Contas. É de se inferir, portanto, que, à míngua de disposição constitucional em sentido contrário, é permitida a qualquer parlamentar a iniciativa da proposição de lei em análise.

Por fim, cumpre asseverar que a Lei nº 22.858, de 8 de janeiro de 2018, que fixa critério para a instituição de data comemorativa estadual, estabelece que a criação de data no âmbito do Estado obedecerá ao requisito da alta significação para os diferentes segmentos profissionais, políticos, culturais e étnicos. A certificação do preenchimento de tal requisito será obtido por meio da realização de consultas e audiências públicas, devidamente documentadas, com organizações e associações legalmente reconhecidas e vinculadas aos segmentos interessados.

No caso em apreço, como demonstra a documentação juntada ao processo, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher realizou audiência pública com o objetivo de debater a situação da mulher negra dentro da estrutura sociopolítica, econômica e cultural do Estado. No curso dos trabalhos, foi defendida pelos participantes a necessidade de instituição de data comemorativa dedicada a dar visibilidade e contribuir para a preservação da memória da luta do movimento das mulheres negras.

Nesses termos, observadas as balizas constitucionais referentes à competência e à iniciativa, e havendo justificativa razoável para a escolha da data, não se vislumbram quaisquer vícios na instituição, no Estado, do Julho das Pretas, a ser comemorado, anualmente, no mês de julho.

Entretanto, é preciso corrigir algumas impropriedades do projeto de lei em apreço.

Em primeiro lugar, os dispositivos que estabelecem ações a serem realizadas na data comemorativa, ainda que de forma exemplificativa, extrapolam a esfera legislativa, adentrando domínio institucional próprio do Poder Executivo. Com efeito, a atividade legislativa caracteriza-se essencialmente pela edição de normas gerais e abstratas, e não pela referência a medidas e ações concretas, de natureza tipicamente administrativa, as quais devem ser realizadas conforme juízo discricionário de conveniência e oportunidade, a cargo do Poder Executivo. É que a norma que trata da organização e do funcionamento da administração pública cabe, privativamente, ao governador, por força do art. 90, inciso XIV e do art. 66, III, “f”, da Constituição Mineira, e o desrespeito à divisão constitucional das funções estatais afronta a separação de poderes prevista no art. 2º da Constituição da República. Não obstante, é possível que a lei estipule diretrizes e princípios, explicitando os objetivos da data e traçando os parâmetros à luz dos quais se dá a sua instituição.

Em acréscimo, é preciso esclarecer que a celebração de convênio com entidade de direito público ou privado compete privativamente ao governador do Estado, nos termos do art. 90, XVI, da Carta mineira. Assim, o Poder Legislativo não tem competência para editar norma autorizando o Executivo a firmar convênio, uma vez que é atividade de caráter eminentemente administrativo, da competência deste último.

Com vistas a retificar essas inadequações e adequar a proposição à técnica legislativa, apresentamos, ao final deste parecer, o Substitutivo nº 1.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 1.110/2023 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui no Estado o mês Julho das Pretas, de visibilidade e preservação da memória da luta do movimento das mulheres negras.

Art. 1º – Fica instituído no Estado o mês Julho das Pretas, a ser comemorado anualmente durante o mês de julho.

Parágrafo único – O mês comemorativo a que se refere o caput tem como objetivos:

I – dar visibilidade e contribuir para a preservação da memória da luta do movimento das mulheres negras;

II – impulsionar a participação política e a formação de lideranças entre as mulheres negras;

III – suscitar a produção de conhecimento sobre a situação social, econômica e cultural das mulheres negras, visando à desconstrução de esteriótipos;

IV – estimular ações para a promoção e a defesa dos direitos das mulheres negras, visando à reparação e à superação das desigualdades de gênero e de raça;

V – estimular o enfrentamento da impunidade dos atos de violência cometidos contra as mulheres negras;

VI – estimular a articulação dos órgãos de controle administrativo e das instituições do sistema de justiça para a responsabilização e a reparação dos atos violentos do Estado que atingem as mulheres negras.

Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 5 de dezembro de 2023.

Arnaldo Silva, presidente – Doutor Jean Freire, relator – Charles Santos – Chiara Biondini.