PL PROJETO DE LEI 715/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 715/2023

Comissão de Desenvolvimento Econômico

Relatório

A proposição em análise, de autoria da deputada Lud Falcão, institui a Política Estadual de Apoio à Economia do Cuidado em Minas Gerais.

O projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, de Desenvolvimento Econômico e de Fiscalização Financeira e Orçamentária, nos termos do art. 188 do Regimento Interno.

A proposição foi examinada preliminarmente pela Comissão de Constituição e Justiça, que concluiu por sua juridicidade, constitucionalidade e legalidade na forma original. Por sua vez, a Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social opinou pela aprovação da matéria, na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou. Cabe agora a esta comissão a análise das repercussões econômicas da proposição, na forma do art. 102, XIII, “a”, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa a instituir a política estadual de apoio à economia do cuidado em Minas Gerais com o objetivo de incentivar as atividades econômicas de cuidado e solidariedade no Estado.

A comissão jurídica, em exame preliminar, ponderou que a matéria tratada se insere no âmbito da competência constitucional legislativa dos estados, de modo concorrente com a União e o Distrito Federal, bem como evidenciou que todos eles e os municípios detêm competência comum para legislar sobre cuidados com a saúde e assistência pública, e sobre a proteção e garantia das pessoas com deficiência. Ainda, entendeu que há respaldo constitucional à iniciativa parlamentar nesta matéria que se analisa, resguardadas as limitações de fixar diretrizes de políticas públicas estaduais, sem impor detalhamento desproporcional e sem dispor sobre matéria de natureza administrativa, que permanecem sob o rol de atribuições do Poder Executivo.

Por sua vez, a Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, informou que a definição do termo “economia do cuidado” não é consensual, uma vez que abordagens teóricas o utilizam com significados diferentes. Lato sensu, o conceito se refere a atividades desempenhadas, de forma remunerada ou não, por pessoas que prestam serviços para a satisfação de necessidades de cuidado de terceiros. Esses serviços incluem atividades de atenção e cuidados pessoais de crianças, jovens, idosos e pessoas doentes ou com deficiência, além da manutenção de lares, como o trabalho doméstico, remunerado ou não.

A mesma comissão evidenciou estatísticas recentes divulgadas pela Organização Internacional do Trabalho1 – OIT –, segundo as quais, os profissionais que prestam serviços de cuidado representam aproximadamente 11,5% do emprego mundial, cerca de 19% do emprego feminino e 6,5% do masculino; na América Latina as vagas de trabalho de prestação de serviços de cuidado equivalem a 16% do total de vagas disponíveis, correspondendo a cerca de 47 milhões de pessoas, das quais aproximadamente 77% são mulheres.

A comissão fez observações sobre o panorama brasileiro do setor de prestação de serviços de cuidado e sua semelhança com o padrão observado na América Latina, regiões nas quais “a economia do cuidado tem [se caracterizado] pelas desigualdades de gênero, raça e classe social, [em que] as mulheres são as principais responsáveis pela realização do trabalho doméstico e pelo cuidado dos filhos e familiares, o que lhes acarreta sobrecarga de trabalho quando somadas às atividades profissionais e menores oportunidades de atuação na vida pública”. E destacou que não existe ainda no País lei específica que regulamente a atividade do cuidado.

Nestes termos, passamos a analisar a matéria sob a ótica das atribuições desta comissão, em especial quanto às suas potenciais repercussões econômicas. Lembramos que o Decreto Federal nº 11.460, de 2023, instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de elaborar a proposta da Política Nacional de Cuidados e a proposta do Plano Nacional de Cuidados. O referido grupo conceituou “Cuidado como um trabalho cotidiano de produção de bens e serviços necessários à sustentação e reprodução da vida humana, da força de trabalho, das sociedades e da economia e à garantia do bem-estar de todas as pessoas, [como, por exemplo,] trabalhos de preparação de alimentos, limpeza, gestão e organização da casa, atividades de assistência, apoio e auxílio diários para pessoas com diferentes graus de dependência, como bebês e crianças pequenas, pessoas idosas ou pessoas com deficiência e pessoas em situação de vulnerabilidade2.”.

No entendimento desse grupo, “a forma como esse trabalho se concretiza na vida diária é variada; pode ser remunerado, compreendendo atividades destinadas à produção de bens e/ou serviços de cuidados realizados para terceiros em troca de remuneração e benefícios, a exemplo de profissões como o trabalhador doméstico remunerado, os cuidadores de pessoas idosas e com deficiência, os cuidadores de crianças e adolescentes, os profissionais da educação infantil e da saúde. [Alternativamente], pode ser exercido de maneira não remunerada, no âmbito familiar ou comunitário (fora de relações laborais do mercado de trabalho), [absorvendo] atividades como produção de alimentos, manutenção dos domicílios e cuidado das pessoas do próprio núcleo doméstico e/ou familiar, sem contrapartida financeira”.

Assim, podemos inferir que o desenho atual da política pública nacional em gestação considera que a provisão de cuidados pode se dar tanto no âmbito doméstico ou familiar, como nos ambientes comunitários, em instituições públicas ou privadas (creches, centros de acolhimento ou residências inclusivas e instituições de longa permanência para pessoas idosas ou com deficiência).

A partir dessas induções conceituais em construção, entendemos que se pretende delinear uma política nacional que, sob a abordagem econômica, vise a incorporar valoração econômica à parte não perceptível dos serviços de cuidado (por não ser remunerada) no sistema de circulação de bens e serviços de cuidados no País.

Quando analisamos determinadas estatísticas oficiais relativas ao mercado de trabalho nacional, alguns fatos econômicos são indicativos da escala de invisibilidade na prestação de serviços de cuidado. Por exemplo, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Novo Caged –, do Ministério do Trabalho3, revelam que, em janeiro de 2024, o grande grupamento laboral de “Saúde Humana e Serviços Sociais” apresentou um estoque de 2,97 milhões de pessoas empregadas, equivalendo a 6,5% do total dos empregos formais no País, de 45,7 milhões. Se compararmos esses valores às estatísticas da OIT informadas pela comissão que nos antecedeu – de que os profissionais que prestam serviços de cuidado representam aproximadamente 11,5% do emprego mundial e de que, na América Latina, essa participação é de 16% –, podemos seguramente deduzir que a subestimação estatística se deve à invisibilidade que a não remuneração das atividades de prestação de serviços de cuidado implica.

Se desagregarmos as estatísticas laborais do Novo Caged, reforça-se a noção intuitiva de invisibilidade parcial das atividades de cuidado no mundo econômico, uma vez que notamos, por exemplo, que as atividades de “Atenção à Saúde Humana Integradas com Assistência Social, Prestadas em Residências Coletivas e Particulares” empregavam formalmente, em janeiro de 2024, 153 mil pessoas, o que representou cerca de 0,34% do total dos empregos formais no País naquele período. Adicionalmente, observa-se que, no mesmo período, o total de empregos formais dedicados à atividade de “Serviços de Assistência Social sem Alojamento” (que incluem os serviços de cuidados prestados a idosos e a incapacitados em suas residências, e a crianças e adolescentes)4 equivaleram a cerca de 168 mil postos de trabalho ocupados, ou 0,37% do total dos empregos formais existentes em território brasileiro no período.

Além disso, entendemos que essa política pública que se pretende implantar é dotada de forte conteúdo de transversalidade, no sentido de que o tema dos serviços de cuidados conectam políticas setoriais – educação, saúde, assistência social, trabalho, previdência, desenvolvimento econômico e produtivo – às dimensões de gênero, raça, etnia, classe, ciclo de vida, deficiência e território e suas múltiplas intersecções.

Assim, consideramos pertinente que diretrizes dessa política sejam materializadas em lei, e para tal, entendemos que o substitutivo proposto pela comissão precedente se adéqua a esse objetivo.

Conclusão

Diante do exposto, somos pela aprovação do Projeto de Lei nº 715/2023, em 1º turno, na forma do Substitutivo nº 1, da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social.

Sala das Comissões, 28 de maio de 2024.

Roberto Andrade, presidente – Ana Paula Siqueira, relatora – Vitório Júnior.

1Ver a publicação da OIT: “Trabalho de cuidado e profissionais de cuidado para um futuro com trabalho decente”. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_633168.pdf. Acesso em 20 mar. 2024.

2Ver mais detalhes em https://www.gov.br/participamaisbrasil/marco-conceitual-da-politica-nacional-de-cuidados-do-brasil. Acesso em 21.mar.2024.

3Disponível em https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNWI5NWI0ODEtY mZiYy00Mjg3LTkzNWUtY2UyYjIwMDE1YWI2IiwidCI6IjNlYzkyOTY5LTVhNTEtNGYxOC04YWM5LWVmOThmYmFmYTk3OCJ9&pageName=ReportSectionb52b07ec3b5f3ac6c749. Ver também em http://pdet.mte.gov.br/o-que-e-caged. Acessos em 21.mar.2024.

4Ver https://cnae.ibge.gov.br/?view=subclasse&tipo=cnae&versao=10.1.0& subclasse=8800600&chave=Servi%C3%A7os%20de%20Assist%C3%Aancia%20Social%20sem%20Alojamento. Acesso em 21.mar.2024.