PL PROJETO DE LEI 715/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 715/2023

Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social

Relatório

De autoria da deputada Lud Falcão, o Projeto de Lei nº 715/2023 institui a Política Estadual de Apoio à Economia do Cuidado em Minas Gerais.

O projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, de Desenvolvimento Econômico e de Fiscalização Financeira e Orçamentária. Examinado preliminarmente pela Comissão de Constituição e Justiça, esta concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da proposição na forma original.

Vem agora o projeto a esta comissão para receber parecer quanto ao mérito, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, XIV, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa a instituir a política estadual de apoio à economia do cuidado em Minas Gerais com o objetivo de incentivar as atividades econômicas de cuidado e solidariedade no Estado.

A definição do termo “economia do cuidado” não é consensual, pois há várias abordagens teóricas que o utilizam com significados diferentes. Mas, em uma perspectiva ampla, o termo engloba atividades desempenhadas, de forma remunerada ou não, por pessoas que prestam serviços para a satisfação de necessidades de cuidado de terceiros. Entre tais serviços estão as tarefas de atenção e cuidados pessoais de crianças, jovens, idosos e pessoas doentes ou com deficiência, além das atividades de manutenção dos lares, como o trabalho doméstico, remunerado ou não.

As reflexões sobre o tema “economia do cuidado” têm sido relevantes para trazer à luz a necessidade de valorização dos trabalhos relacionados ao cuidado, tão invisibilizados e desvalorizados socialmente, e, ao mesmo tempo, tão essenciais para a manutenção social e preservação do bem-estar dos indivíduos. Tais reflexões tornam-se ainda mais importantes no atual contexto de envelhecimento populacional – que acarreta aumento da demanda por cuidados da pessoa idosa – e participação reduzida do Estado no campo das políticas do cuidado¹.

De acordo com informações da Organização Internacional do Trabalho – OIT –, os profissionais que atuam em serviços de cuidado respondem por 11,5% do emprego mundial, e por 19,3% do trabalho feminino e 6,6% do masculino². Na América Latina, as vagas de trabalho remunerado de cuidados correspondem a 16% do total de vagas, com 47 milhões de pessoas atuando na área, 36 milhões das quais são mulheres.

No Brasil, assim como na América Latina, tradicionalmente, a economia do cuidado tem sido atravessada pelas desigualdades de gênero, raça e classe social. Tradicionalmente, as mulheres são as principais responsáveis pela realização do trabalho doméstico e pelo cuidado dos filhos e familiares, o que lhes acarreta sobrecarga de trabalho quando somadas às atividades profissionais e menores oportunidades de atuação na vida pública. Além disso, a maioria dos trabalhadores do cuidado é constituída por mulheres negras e de baixa renda, que desempenham atividades não remuneradas ou com baixa remuneração, em ambientes precarizados e sem proteção trabalhista.

As crianças e os adolescentes são um dos públicos prioritários das políticas públicas de cuidados, essenciais não apenas para a garantia dos seus direitos e seu desenvolvimento físico e psicossocial, mas também para evitar a situação de trabalho infantil e sobretudo o trabalho doméstico infantil, que, segundo a OIT, é uma das piores formas de trabalho infantil. Em 2019, havia quase 86 mil pessoas de 5 a 17 anos desempenhando o trabalho doméstico no Brasil, 85% das quais eram meninas e 62% meninas negras. Esses dados não levam em conta o trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, porque esse tipo de atividade não é classificada como trabalho pelas estatísticas oficiais. Contudo, é possível afirmar que 52% das crianças e adolescentes no País, sobretudo as meninas, se dedicavam a atividades de trabalho doméstico não remunerado³.

É importante destacar que não existe ainda no País lei específica que regulamente a atividade do cuidado, assim, os trabalhadores da área têm se apoiado na legislação vigente das empregadas domésticas para fazer valer seus direitos. Contudo, podemos mencionar alguns avanços com relação à atenção e ao cuidado das pessoas vulneráveis com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069, de 1990 –, do Estatuto do Idoso – Lei Federal nº 10.741, de 2003 –, e do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Federal nº 13.146, de 2015. Cabe destacar ainda que o Decreto Federal nº 11.460, de 2023, instituiu em março o Grupo de Trabalho Interministerial, com o objetivo de elaborar a proposta da Política Nacional de Cuidados e a proposta do Plano Nacional de Cuidados do Brasil.

A economia do cuidado está em expansão devido ao envelhecimento populacional e também em razão das novas configurações familiares, com maior participação das mulheres no mercado de trabalho e menor disponibilidade para assumir funções de cuidados de familiares. Assim, é fundamental elaborar políticas públicas e adotar medidas para valorização, estímulo e apoio às pessoas que realizam atividades de cuidado. Além disso, é necessário uma conscientização geral a respeito da importância das atividades de cuidado para a manutenção da nossa organização social e econômica.

Diante dos argumentos apresentados, consideramos o projeto em análise oportuno e uma importante iniciativa para a formulação de políticas públicas de valorização, estímulo e apoio às atividades de cuidado no Estado.

A Comissão de Constituição e Justiça entendeu que o projeto em comento não apresenta problemas jurídico-constitucionais que o impeçam de tramitar, concluindo por sua aprovação na forma original. Estamos de acordo com as linhas gerais dos argumentos da comissão precedente, mas parece-nos necessário realizar aprimoramentos para ampliar o escopo da política que se pretende criar. Consideramos que a economia do cuidado abrange não apenas as atividades de cuidado remuneradas, mas também as demais atividades não remuneradas que envolvem o cuidado. Apresentamos, assim, o Substitutivo nº 1 ao final deste parecer.

Conclusão

Pelo exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 715/2023, no 1º turno, na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui a política estadual de apoio à economia do cuidado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica instituída a política estadual de apoio à economia do cuidado.

Parágrafo único – Para os fins desta lei, considera-se:

I – cuidado toda ação, remunerada ou não, voltada à manutenção da vida de uma pessoa, sobretudo da pessoa em situação de dependência, consideradas suas necessidades pessoais, familiares, educacionais, profissionais, sociais, culturais e comunitárias, contribuindo para seu bem-estar, sua saúde, sua segurança e sua autonomia na realização das atividades da vida diária;

II – pessoa em situação de dependência qualquer pessoa que dependa diretamente de cuidados prestados por outra em seu dia a dia, como crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, doentes ou pessoas em situação de vulnerabilidade social;

III – economia do cuidado o conjunto de ações, remuneradas ou não, relacionadas aos cuidados com outras pessoas no ambiente doméstico ou no âmbito social, contribuindo social e economicamente para a sociedade.

Art. 2º – São objetivos da política de que trata esta lei:

I – valorizar a atividade remunerada e não remunerada de cuidado;

II – garantir o direito das pessoas ao cuidado;

III – fortalecer as políticas públicas de apoio à atividade de cuidado;

IV – promover a conciliação entre a atividade profissional e a atividade não remunerada de cuidado;

V – apoiar a organização e o desenvolvimento de atividades da economia do cuidado, estimulando a geração de trabalho e renda na área;

VI – combater a precarização do trabalho remunerado nas áreas relacionadas ao cuidado;

VI – promover e apoiar a formação, a capacitação e a educação dos trabalhadores do cuidado;

VII – promover a agregação de conhecimento nas atividades e nos serviços da economia do cuidado, com vistas ao desenvolvimento de competências e práticas adequadas ao cuidado das pessoas;

VIII – estimular e apoiar a discussão e a produção intelectual sobre o tema de que trata esta lei, como estudos, pesquisas, publicações, seminários e outros eventos relacionados à economia do cuidado;

IX – promover ações de conscientização sobre a importância do trabalho do cuidado na sociedade e sobre o cuidado como responsabilidade de mulheres e homens, com vistas a uma distribuição igualitária das atividades de cuidado;

X – incentivar o desenvolvimento de pesquisas e estudos que visem à incorporação, ao cálculo do Produto Interno Bruto estadual, de metodologia de valoração do trabalho não remunerado realizado em atividades da economia do cuidado, observada a aderência a parâmetros metodológicos internacionais e nacionais desse sistema de contas econômicas;

XI – fomentar uma rede articulada, integrada e intersetorial de cuidado;

XII – estimular a produção de programas, de serviços e atividades públicos e privados relacionados ao cuidado.

Art. 3º – São diretrizes da política estadual de que trata esta lei:

I – fomento à melhoria das condições de trabalho, à formalização trabalhista e à remuneração adequada dos profissionais responsáveis pelos trabalhos relacionados ao cuidado;

II – reconhecimento da atividade de cuidado remunerado e não remunerado como fator de desenvolvimento econômico e social;

III – ampliação do bem-estar, da autonomia e da inclusão social das pessoas em situação de dependência;

IV – diminuição da desigualdade de raça e gênero nas atividades de cuidado e no mercado de trabalho;

V – mudança da cultura do cuidado como atividade de responsabilidade feminina, para uma cultura do cuidado como atribuição de todos;

VI – formulação de políticas públicas de apoio ao cuidado e aos cuidadores.

Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 14 de dezembro de 2023.

Betão, presidente – Celinho Sintrocel, relator – Nayara Rocha.

¹ Relatório de pesquisa “Economia dos Cuidados: Marco Teórico Conceitual”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de 2016. Disponível em: <https://portalantigo.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28897>. Acesso em 11 out. 2023.

² Ver a publicação da OIT: “Trabalho de cuidado e profissionais de cuidado para um futuro com trabalho decente”. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_633168.pdf>. Acesso em 29 set. 2023.

³ Dados da Pnad Contínua 2019, extraídos da Nota Informativa nº 3/2023 da Secretaria Nacional de Cuidados e Família sobre Trabalho Infantil e Políticas de Cuidado. Disponível em: <https://mds.gov.br/webarquivos/MDS/7_Orgaos/SNCF_Secretaria_Nacional_da_Politica_de_Cuidados_ e_Familia/Arquivos/Nota_Informativa/Nota_Informativa_N_3.pdf>. Acesso em 4 out. 2023.