PL PROJETO DE LEI 359/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 359/2023

Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia

Relatório

De autoria do governador do Estado, a proposição em epígrafe, encaminhada por meio da Mensagem nº 9/2023, transfere as competências da Fundação Educacional Caio Martins – Fucam – e dá outras providências.

A proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Educação, Ciência e Tecnologia, de Administração Pública e de Fiscalização Financeira e Orçamentária. Em análise preliminar, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Em conformidade com o art. 173, § 2°, do Regimento Interno, foi anexado à proposição em comento o Projeto de Lei nº 374/2023, de autoria do deputado Coronel Henrique, por semelhança de conteúdo.

Vem agora a proposição a esta comissão para receber parecer quanto ao mérito, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, VI, a, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em análise visa transferir as competências da Fundação Educacional Caio Martins – Fucam – para a Secretaria de Estado de Educação – SEE –, determinando-se, por conseguinte, a extinção da fundação. O projeto estabelece que: bens móveis que integram o patrimônio da Fucam sejam incorporados ao patrimônio da SEE e seus bens imóveis ao do Estado; a SEE suceda a Fucam em contratos e convênios e em demais direitos e obrigações correspondentes às competências incorporadas; programas, ações, metas, indicadores e dotações orçamentárias possam ser remanejados total ou parcialmente, com o objetivo de compatibilizar o planejamento e o orçamento com as alterações previstas na futura norma; e os cargos e respectivos servidores do grupo de carreiras dos profissionais de educação básica do Estado atualmente pertencentes à estrutura da Fucam sejam transferidos à SEE. Prevê, ainda, a extinção de diversos cargos de provimento em comissão e gratificações temporárias estratégicas da Fucam e a criação de outros na SEE e na Secretaria de Estado de Governo – Segov.

A Comissão de Constituição e Justiça, em análise preliminar, não vislumbrou óbices à tramitação da matéria com relação aos aspectos jurídicos, mas houve por bem apresentar o Substitutivo nº 1, com a finalidade de adequar a proposição à técnica legislativa.

A proposição foi baixada em diligência à Secretaria de Estado de Educação pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, com vistas ao esclarecimento de diversos aspectos relacionados ao processo de incorporação das competências da Fucam e também acerca de dados e informações que permitissem traçar seu perfil institucional. A SEE respondeu à demanda no prazo determinado e alguns pontos do ofício serão comentados oportunamente, ao longo da análise empreendida neste parecer. Primeiramente, a fim de fornecer elementos que permitam a esta comissão avaliar com mais propriedade o alcance e os impactos da matéria em estudo, é necessário apresentar sinteticamente aspectos relativos à história, identidade e realizações da Fundação Caio Martins.

Em 1948, no Município de Esmeraldas, foi fundada a primeira unidade das escolas Caio Martins, por iniciativa do Coronel Manoel José de Almeida, cuja crença na educação como poderoso instrumento de transformação social e atuação em prol das comunidades economicamente desfavorecidas abriu caminhos para a expansão das atividades da instituição nas décadas seguintes, com a criação de outras unidades em Buritizeiro, Juvenília, Riachinho, São Francisco e Januária, até sua transformação em fundação pública do Estado, por meio da Lei nº 6.514, de 10/12/1974. Assim a Fundação Caio Martins foi constituída com autonomia administrativa e financeira e personalidade jurídica de direito público.

A criação da Fucam consubstanciava, assim, o reconhecimento do sucesso do projeto socioeducacional das escolas Caio Martins, que oferecia às comunidades do campo não apenas formação escolar e profissional a crianças e jovens, mas também amparo e respeito a um segmento populacional que sofria a falta de acesso a serviços públicos essenciais. Um dos pressupostos da política desenvolvida pela fundação foi combater a migração de famílias residentes em áreas rurais que ocorria de forma desordenada e sem garantias de melhores condições de vida aos grandes centros urbanos. A fundação privilegiou a educação integral e a formação para o trabalho, no intuito de gerar novas oportunidades de inclusão social para populações historicamente excluídas do acesso ao trabalho digno e à educação de qualidade, especialmente da Região Norte do Estado.

Ao longo de 22 anos, a Fucam esteve vinculada a três secretarias de Estado: de 2001 a 2006, à Secretaria de Estado de Educação; de 2007 a 2010, à Secretaria de Estado de Esportes e da Juventude; de 2011 a 2018, à Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social. Retornou à Secretaria de Estado de Educação, a que permaneceu vinculada de 2019 até o presente momento. As vinculações a distintas secretarias refletiram a ênfase dada pelas diretrizes políticas de cada mandato governamental em relação ao potencial, às vocações e às atividades desenvolvidas pela fundação. Embora a natureza dos serviços prestados pela instituição sejam preponderantemente educacionais, suas ações se estendem a políticas públicas nas áreas de assistência social, emprego e renda e também de cultura e esportes, marcadas pela referência local e regional e por valores próprios, o que confere à Fucam um perfil único e, ao mesmo tempo, multifacetado, que não se confunde com o de outras instituições educacionais públicas.

A partir de 2015, a entidade sofreu uma readequação em seus programas, atendendo a exigências do Ministério Público, em observância às disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, procedeu à extinção do modelo de internato e à adoção da educação de tempo integral nos centros educacionais. Na atual gestão governamental, por meio do Decreto nº 48.198, de 2021, que alterou o Decreto nº 47.880, de 2020, que contém o estatuto da Fucam, o Estado atribuiu à fundação a competência de coordenar a gestão escolar e manter oito escolas da rede estadual de ensino, além de seus centros educacionais. O novo estatuto também ampliou e diversificou as finalidades da Fucam, no âmbito das ações educacionais, sociais e produtivas. Nesse movimento, a fundação inaugurou o Centro Educacional de Diamantina em junho de 2022.

Naquele momento, tudo levava a crer que a fundação seria fortalecida e que se firmaria em sua vocação de promover o desenvolvimento educacional das comunidades do campo, especialmente daquelas em situação de vulnerabilidade social, e potencializar o desenvolvimento social e econômico das regiões onde se insere. Os atendimentos foram incrementados de 2021 para 2022, segundo informações fornecidas pela Secretaria de Estado de Educação, em resposta à diligência encaminhada por esta comissão, passando de 467 para 2.036, na educação profissional, e de 1.418 para 2.251, nas ações socioprodutivas. O Plano de Metas e Indicadores da fundação para 2023, conforme a Resolução Conjunta Cofin/Fucam nº 001, de 2/1/2023, previu o atendimento de 1.610 pessoas em ações de inclusão socioprodutiva e de 2.010 estudantes nas ações de educação profissional. Segundo as informações da SEE, no primeiro bimestre de 2023, já estavam inscritas 394 pessoas nas ações socioprodutivas e 295 na educação profissional. Atualmente a Fucam é responsável pela gestão de oito escolas estaduais: Professora Marieta Amorim Vieira, localizada em Buritizeiro; Santa Tereza, em Esmeraldas; Caio Martins, em Januária; Coronel Almeida, em Juvenília; Núcleo Colonial Vale do Urucuia, em Riachinho; Dr. Tarcísio Generoso, em São Francisco; Dom Joaquim Silvério de Souza, em Diamantina; Jerônimo Pontello, em Couto Magalhães de Minas. São sete os centros educacionais mantidos pela fundação, localizados nos seguintes municípios: Buritizeiro, Esmeraldas, Januária, Juvenília, Riachinho, São Francisco e Diamantina.

Não obstante a Fucam se encontrar em plena atividade e em recente expansão, a sociedade mineira foi surpreendida com um projeto de lei que propugna a sumária extinção de uma instituição que soma mais de 70 anos de existência, com uma trajetória consolidada de serviços prestados à população, sob a alegação de racionalizar a estrutura administrativa e otimizar os gastos governamentais. Malgrado a justificativa, o Oficio Seplag/Suges nº 52/2023, anexo ao processo de tramitação da matéria em análise, registra que não haverá economia de despesas com a remuneração dos cargos de provimento em comissão e gratificações temporárias estratégicas: a extinção de 119 cargos e gratificações e a criação, em contrapartida, de mais de 640 trariam gastos com valores quase idênticos, com a ressalva de que apenas 200 desses cargos e gratificações são destinados à Secretaria de Estado de Educação, órgão ao qual caberia assumir as competências da Fucam. Mais de 440 deles serão destinados à Secretaria de Estado de Governo.

A sinalização dada pelo governo do Estado no projeto de lei em comento é, portanto, que a supressão de cargos e recursos da Fucam ocorrerá em benefício de outros órgãos e finalidades que nada se identificam com os serviços prestados pela fundação. Fica evidente também que não houve o devido planejamento para a extinção da fundação e assunção de suas competências pela Secretaria de Estado de Educação: o próprio órgão, ao ser inquirido sobre sua programação para incorporar as atribuições da Fucam, dada a ampla responsabilidade do Estado com a educação obrigatória, declarou que será criada uma unidade responsável na SEE, “mantendo, assim, a personalidade, vocação e intencionalidade da Fundação”. Trata-se, no nosso entendimento, de uma resposta apenas retórica, pois não explicita como será constituída essa unidade e como ela deverá se organizar para gerir toda a atividade da Fucam, que, em janeiro deste ano havia publicado metas e indicadores próprios para o ano corrente e apresentava uma série de projetos em andamento, concebidos conforme o perfil e demanda de cada localidade atendida.

A constatação de que há falhas de planejamento é ostensiva no próprio texto do projeto, que, apesar de afirmar que as competências educacionais, sociais e produtivas da Fucam serão “transferidas” para a SEE, não estabelece medidas concretas que viabilizem essa incorporação e se limita a determinar a transferência de servidores atualmente lotados na fundação para a secretaria. Essa movimentação de pessoal não assegura, por si só, que a SEE conseguirá desenvolver atividades fora do escopo de suas finalidades e para as quais não tem estrutura, expertise ou afinidade, pois abrange políticas afetas a campos diversos, nas áreas de agricultura, emprego e renda, meio ambiente, assistência social, entre outras, desenvolvidas segundo os princípios e valores históricos que orientam a fundação. Ademais, no comando do § 2º do art. 2º, há uma ambiguidade: não fica claro se o objetivo é determinar a manutenção dos cursos e atividades atualmente desenvolvidos pela Fucam, cuja oferta poderá se extinguir após a conclusão dos respectivos ciclos, ou estabelecer a atribuição permanente da SEE de ofertar esses cursos. Com a extinção da Fucam, não há garantias de que essa oferta será permanente.

Não nos parece que a SEE, cuja atuação nas políticas de educação se rege por normas e procedimentos predominantemente padronizados e centralizados, já que gere uma política de universalização de ensino com critérios uniformes a serem aplicados em todo o Estado, possa promover ações que, por sua natureza, requerem medidas descentralizadas, flexíveis, diálogo estreito com as comunidades locais e trabalho intersetorial intenso. Enfim, são diversas frentes de atuação que só a Fucam, no exercício de sua autonomia, e considerando suas especificidades, sua história, sua capacidade de envolvimento direto com as populações do campo beneficiárias de suas políticas, poderia exercer com a excelência que, ao longo de sua trajetória, tem exercido.

Fica evidente que a decisão de extinguir a Fucam foi tomada à revelia dos legítimos interessados nas ações da fundação. A Secretaria de Estado de Educação respondeu negativamente ao ser questionada, na diligência, se houve consulta às comunidades escolares e aos municípios, por meio de audiências públicas ou debates, nas regiões de atuação da Fucam, para avaliar a viabilidade e pertinência da transferência de suas competências ao órgão. Não houve compromisso do governo em compartilhar ou discutir seus planos com os segmentos verdadeiramente envolvidos no trabalho da Fucam. Tampouco os membros do conselho curador da fundação foram chamados a discussões prévias sobre a proposta.

A esse propósito, em audiência pública realizada por esta comissão em 23/3/2023, para debater os impactos do Projeto de Lei nº 359/2023, representantes das comunidades escolares, prefeitos, vereadores e ex-alunos da Fucam indignaram-se pela forma autoritária como a proposta foi concebida, sem diálogo com a sociedade e sem visita aos municípios envolvidos, enfim, sem a preocupação mínima em conhecer in loco o trabalho desenvolvido pela fundação, para orientar uma tomada de decisão.

Na mesma audiência, ressaltou-se também a necessidade de proteger o patrimônio da Fucam, não apenas o patrimônio material, mas sua memória e significado, que se perpetua na história de seus centros educacionais e dos alunos que por eles passaram. Com respeito ao patrimônio material, conforme declaração da SEE na resposta à diligência, consta o registro de 16 imóveis integrantes do patrimônio da Fucam – 11 rurais e 5 urbanos. Apenas os imóveis rurais perfazem uma área de aproximadamente 29 milhões de metros quadrados. Na informação prestada, a SEE declara que não há previsão de alienação dos imóveis pertencentes à Fucam. É importante salientar, porém, que, na audiência pública mencionada, foi constatado que houve uma reunião entre a Secretaria de Estado de Governo, a direção da Fucam e o empresário José Salim Mattar Junior, na qual foram apresentados dados sobre os imóveis da fundação, incluindo sua localização e extensão. A informação foi confirmada pela presidente da Fucam, Geraldina Rodrigues de Souza, que afirmou ter sido convocada para a citada reunião com o fim de prestar informações sobre os imóveis da fundação. A ocorrência da reunião suscitou espanto entre os parlamentares presentes, que questionaram sobre qual seria a justificativa para que um empresário, sem relação com a administração pública, mas vinculado a ramo de negócios beneficiários de incentivos fiscais concedidos pelo governo do Estado, participasse de encontro para discutir questões próprias de uma fundação educacional pública. Todas essas considerações trazem incertezas diversas quanto à verdadeira destinação do patrimônio da Fucam.

Ainda com relação a esse tema, o art. 4º do projeto estabelece que os bens imóveis que constituem patrimônio da Fucam serão incorporados ao patrimônio do Estado, cabendo à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – Seplag – proceder aos atos necessários a sua destinação. Considerando apenas o que é afirmado no texto do dispositivo, não haveria de fato certeza quanto à utilização desse patrimônio em prol da continuidade das ações da Fucam nos territórios que atualmente ocupa.

No que tange aos profissionais lotados na direção, nas unidades de ensino e centros educacionais da Fucam, estão em exercício 630 servidores não efetivos – contratados, convocados, de recrutamento amplo ou terceirizados – para 182 servidores efetivos, de acordo com as informações fornecidas pela SEE. Dos efetivos, 75% estão lotados nas escolas estaduais, que integram o sistema de ensino formal e, portanto, permanecerão em suas atividades. O mesmo não se poderia dizer dos servidores com vínculo precário na situação de extinção da Fucam. Assim, gera-se, além da incerteza com relação ao futuro da oferta de serviços da fundação, insegurança quanto ao futuro da permanência dos profissionais não efetivos em suas atuais ocupações.

Em suma, por todas as razões expendidas neste parecer, esta comissão se coloca veementemente contra o projeto de lei em análise. Não há vantagem ou justificativa plausível para a extinção da Fundação Caio Martins e transferência de suas competências para a Secretaria de Estado de Educação, o que, acreditamos, não se efetivará da forma que se pretende, pois há uma forte tendência dos projetos e das ações da Fucam se descaracterizarem e, paulatinamente, serem extintos. Se aprovado, o projeto faria desaparecer uma instituição de excelência, com história e atuação consolidados no atendimento às comunidades do campo, o que seria uma perda inestimável para os municípios atendidos, para alunos e ex-alunos e suas famílias, para os profissionais envolvidos, enfim, para toda a sociedade mineira.

No que se refere ao Projeto de Lei nº 374/2023, anexado à matéria em estudo, consideramos que a iniciativa é bastante louvável, uma vez que afirma a continuidade da Fundação Caio Martins, com todas as suas prerrogativas, competências e estrutura, o que estaria plenamente alinhado ao posicionamento desta comissão. No entanto, a iniciativa de projetos de lei que versem sobre a estrutura da administração pública é da competência privativa do governador do Estado, conferida pelo art. 90, inciso XIV, da Constituição Estadual, que àquele reserva a prerrogativa de “dispor, na forma da lei, sobre a organização e a atividade do Poder Executivo”. Dessa forma, poderia restar inócua a iniciativa de tentar reafirmar a continuidade da Fucam por essa via. Entendemos que o mais viável e consonante ao interesse público é a manutenção e valorização da Fucam, com as devidas garantias legais que a instituição já detém.

Conclusão

Diante do exposto, opinamos pela rejeição do Projeto de Lei nº 359/2023.

Sala das Comissões, 27 de abril de 2023.

Beatriz Cerqueira, presidenta e relatora – Macaé Evaristo – Lohanna.