PL PROJETO DE LEI 3505/2022

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 3.505/2022

Comissão de Cultura

Relatório

De autoria da deputada Beatriz Cerqueira, o projeto em epígrafe reconhece como de relevante interesse cultural e como patrimônio imaterial do Estado o Cemitério dos Escravos, localizado no Município de Santa Luzia.

A proposição foi distribuída para as Comissões de Constituição e Justiça e de Cultura. A primeira delas concluiu por sua constitucionalidade, juridicidade e legalidade na forma apresentada.

Cabe-nos, agora, apreciar o mérito da proposição, sobre o qual emitiremos parecer, com fundamento nos arts. 188 e 102, XVII, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em estudo, na sua forma original, tem por finalidade reconhecer o relevante interesse cultural e declarar patrimônio imaterial do Estado o Cemitério dos Escravos, localizado em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Em razão da sua importância histórica e simbólica, o Cemitério dos Escravos foi tombado pelo município, conforme Decreto nº 2.132 de 3/11/2008, que ratifica decisão do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e Natural de Santa Luzia. De acordo com a fundamentação do ato de tombamento, o cemitério de que trata o projeto em análise é um local assemelhado a um jardim quadrangular, cercado por muro de pedras em junta seca, que ocupa aproximadamente 150m de área, com uma cruz de madeira ao centro, que teria sido erguida entre os séculos XVII e XVIII. Como internamente não há lápides, nem túmulos, a documentação sobre os sepultamentos, de acordo com afirmação no procedimento de proteção municipal, são cópias das certidões de óbito, guardadas na Casa de Cultura da cidade, a partir de documentos conservados pelos herdeiros da propriedade original.

De acordo com o dossiê da candidatura do “Cais do Valongo”, no Rio de Janeiro, encaminhado à Lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco –, aproximadamente 40% da população escravizada destinada às Américas veio para o Brasil. Esses milhões de pessoas, arrancadas à força de suas terras de origem, submetidas a todo tipo de brutalidade, conviveram e ainda convivem com o apagamento simbólico deliberado dos testemunhos desse que foi um dos maiores crimes contra a humanidade perpetrado na história. Nas palavras do dossiê, “a história da escravidão africana nas Américas permanece como um passado que se faz presente, por mais que se tenha procurado silenciar as referências escritas e apagar suas bases materiais”1.

Com todo o apagamento simbólico a que foram submetidos os africanos escravizados e seus descendentes, os marcos referenciais – mesmo que possivelmente resultantes da exclusão, como no caso de um cemitério apartado para pessoas escravizadas – são fundamentais para a memória afrodescendente. As diferentes etnias oriundas da diáspora africana constituem alguns dos mais relevantes grupos formadores da sociedade mineira: Minas Gerais, junto com a Bahia e o Rio de Janeiro, foi um dos estados que concentrou o maior contingente de população escravizada. E o local que a proposição busca reconhecer evidencia a materialidade de um dos lugares da memória que remetem à dor e à sobrevivência e constituem os chamados “sítios de memória sensível”, tais como são reconhecidos na esfera mundial, por exemplo, o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, e o complexo Auschwitz-Birkenau, na Polônia2.

Assim, entendemos que está plenamente justificada a conveniência e a oportunidade do reconhecimento, no âmbito do Estado, do Cemitério dos Escravos de Santa Luzia.

A Comissão de Constituição e Justiça avaliou que a matéria preenche os requisitos no que se refere à constitucionalidade, legalidade e juridicidade na forma originalmente apresentada. Julgamos, entretanto, que a forma do texto da proposição deve se adequar aos comandos preconizados pela Lei nº 24.219, de 2022, que trata das diretrizes referentes ao reconhecimento de bens, expressões e manifestações de relevante interesse cultural do Estado. Para promover esses aprimoramentos, apresentamos o Substitutivo nº 1 ao final deste parecer.

Conclusão

Diante do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.505/2022, no 1º turno, na forma do Substitutivo n° 1, a seguir apresentado, e pela rejeição do projeto original.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Reconhece como de relevante interesse cultural do Estado o Cemitério dos Escravos, no Município de Santa Luzia.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica reconhecida como de relevante interesse cultural do Estado, nos termos da Lei nº 24.219, de 15 de julho de 2022, o Cemitério dos Escravos, no Município de Santa Luzia.

Art. 2º – O reconhecimento de que trata esta lei, conforme dispõe o art. 2º da Lei nº 24.219, de 2022, tem por objetivo valorizar bens, expressões e manifestações culturais dos diferentes grupos formadores da sociedade mineira.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões,26 de abril de 2023.

Professor Cleiton, presidente e relator – Lohanna – Macaé Evaristo – Mauro Tramonte.

1BRASIL. Comitê Técnico da Candidatura do Sítio Arqueológico Cais do Valongo a Patrimônio Mundial. Ministério das Relações Exteriores. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Sítio Arqueológico Cais do Valongo, Rio de Janeiro, Brasil. Brasília, 2017.

2BRASIL. Comitê Técnico da Candidatura do Sítio Arqueológico Cais do Valongo a Patrimônio Mundial. Ministério das Relações Exteriores. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, janeiro de 2016. <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf>