PL PROJETO DE LEI 3456/2022

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 3.456/2022

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

O projeto de lei em tela, de autoria do deputado Thiago Cota, “dispõe sobre a criação do Programa Estadual de Incentivo aos Produtores Rurais atingidos pelas chuvas e dá outras providências”.

Publicada no Diário do Legislativo de 10/2/2022, a proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Agropecuária e Agroindústria e de Fiscalização Financeira e Orçamentária, nos termos do art. 188 do Regimento Interno.

Cumpre-nos, preliminarmente, examinar a proposição nos seus aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade, nos termos do art. 102, III, “a”, do mencionado Regimento.

Fundamentação

O projeto em tela visa instituir Programa Estadual de Incentivo aos Produtores Rurais atingidos por desastres naturais, com o objetivo de se recuperarem economicamente dos danos causados pelos desastres naturais que atingiram e possam atingir o Estado.

Nos termos da proposta, o programa consiste na isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – durante a vigência da situação de emergência decretada pelo município onde o produtor desenvolve sua atividade e após comprovação dos danos causados pelos desastres naturais, bem como em autorização, nesses casos, para abertura de linhas de créditos com juros de até 0,5%, através do Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG.

De acordo com a justificação do autor: “o Estado de Minas Gerais, entre os meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022, foi acometido por fortes chuvas que prejudicaram muito a vida do Produtor Rural Mineiro. (…) Vale ressaltar que o agronegócio representa cerca de 23% do PIB Estadual, gerando uma receita de aproximadamente 150 bilhões para o Estado de Minas Gerais. Dessa forma, nada mais justo que apoiarmos e incentivarmos o desenvolvimento e a recuperação dessa atividade, de modo que com o apoio do Estado o agronegócio poderá voltar a operar com toda sua força e gerar ainda mais receita para Minas Gerais”.

Passando à análise das medidas contidas na proposição, impende destacar que a concessão de benefícios fiscais, em especial aqueles relativos ao ICMS, devem atender a certas condições estabelecidas na Constituição da República de 1988 e na legislação federal.

Nos termos do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Carta Federal, e da Lei Complementar Federal nº 24, de 1975, recepcionada pelo art. 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a concessão e a revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS dependem da celebração de convênio interestadual no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz –, órgão que congrega representantes dos estados e do Distrito Federal.

Assim, o primeiro requisito para a concessão de isenção do ICMS é a celebração de convênio no Confaz que autorize o estado a disciplinar tal benefício fiscal.

Outro requisito é determinado pela Lei Complementar Federal nº 101, de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. Em seu art. 14, a norma dispõe que a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária das quais decorram renúncia de receita deverão estar acompanhadas de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que iniciar sua vigência e nos dois exercícios subsequentes e atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Deve ainda demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais ou deve estar acompanhada de medidas de compensação, por meio de aumento de receita. Atendida essa segunda condição, o incentivo ou benefício entrará em vigor quando forem implementadas as medidas de compensação tributária.

E, mais recentemente, o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT –, incluído pela Emenda à Constituição nº 95/2016, exige que a proposta legislativa que crie renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. Isso significa que as exigências de responsabilidade fiscal já previstas na citada Lei Complementar Federal nº 101/2000 agora têm status constitucional, o que fornece ao processo legislativo instrumentos voltados ao controle do equilíbrio das contas públicas, com ênfase no eventual impacto de inovações normativas.

Cumpre dizer que, além dos óbices jurídicos aqui apontados, a autorização para criação de linha de crédito no BDMG também encontra óbices que inviabilizam a sua tramitação.

Não cabe iniciativa parlamentar para a apresentação de projeto de lei que interfere na estruturação das entidades da administração indireta estadual, assim entendido o termo “estruturação” como relativo à dinâmica de funcionamento dessas empresas estatais (art. 66, inciso III, alínea “d”, da Constituição do Estado). A medida pretendida, ao fixar taxa de juros incidente em financiamentos concedidos pelo BDMG impacta a sua dinâmica de funcionamento ao promover redução das receitas e desequilíbrios na rotina administrativa do banco.

Tais empresas gozam de autonomia administrativa, razão por que se poderia até mesmo concluir que as medidas pretendidas não deveriam ser veiculadas por lei, e, sim, determinadas pelos órgãos gestores dessas empresas, sob pena de interferência legislativa indevida na esfera governamental e ofensa, consequente, ao princípio da separação de Poderes, previsto no art. 2º da Constituição da República.

No que toca à concessão de financiamentos com recursos próprios do banco, cumpre-nos ressaltar que a Constituição da República, em seu art. 173, § 1º, inciso II, dispõe que as sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica estão submetidas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Não pode a lei estadual regular os negócios da empresa, que deve atuar na forma estabelecida por seus acionistas, em assembleia.

As atividades do BDMG são tipicamente inerentes ao Poder Executivo e a lei de iniciativa parlamentar, nesse caso, configuraria interferência de um Poder nas ações de outro, o que violaria os princípios da reserva de administração e da separação dos Poderes.

Em vista do exposto, de modo a preservar a intenção do projeto sem incorrer nos óbices apontados, sugerimos a apresentação do substitutivo ao final. Por meio dele, propomos a alteração da lei que dispõe sobre o Fundo Estadual de Desenvolvimento Rural – Funderur –, prevendo a possibilidade de direcionamento de recursos ao atendimento e à recuperação econômica de produtores rurais atingidos por desastres naturais.

Além disso, propõe-se a inserção de dispositivos na Lei nº 15.660, de 6 de julho de 2005, que institui a política estadual de prevenção e combate a desastres decorrentes de chuvas intensas e dá outras providências, prevendo que compete ao Estado, na consecução dos objetivos da lei, a adoção de mecanismos para a redução da carga tributária visando a recuperação da atividade econômica, especialmente de produtores rurais que desenvolvem atividades em áreas atingidas por desastres naturais, bem como a avaliação junto ao BDMG da possibilidade de oferecer linhas de crédito em condições especiais para referidos produtores rurais.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 3.456/2022 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Acrescenta dispositivos à Lei nº 11.744, de 16 de janeiro de 1995, que cria o Fundo Estadual de Desenvolvimento Rural – Funderur – e dá outras providências e à Lei nº 15.660, de 6 de julho de 2005, que institui a política estadual de prevenção e combate a desastres decorrentes de chuvas intensas e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado ao art. 2º da Lei nº 11.744, de 16 de janeiro de 1995, o seguinte inciso V:

“Art. 2º – (...)

V – ao atendimento e à recuperação econômica de produtores rurais atingidos por desastres naturais.”.

Art. 2º – Ficam acrescentados ao inciso I do art. 4º da Lei nº 15.660, de 6 de julho de 2005, as seguintes alíneas “e” e “f”:

“Art. 4º – (…)

I – (…)

e) a adoção de mecanismos para a redução da carga tributária visando a recuperação da atividade econômica, especialmente de produtores rurais que desenvolvem atividades em áreas atingidas por desastres naturais;

f) a avaliação, junto ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. – BDMG – e em conformidade com suas políticas de crédito, normativos de risco e a legislação pertinente, da possibilidade de oferecer linhas de crédito em condições especiais para agentes econômicos impactados por desastres naturais, com precedência para produtores rurais que desenvolvam atividades em áreas atingidas por desastres naturais.”.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 7 de junho de 2022.

Sávio Souza Cruz, presidente – Charles Santos, relator – Bruno Engler – Glaycon Franco – Guilherme da Cunha – Zé Reis.