PLC PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 46/2020

Parecer para o 1º Turno Do PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 46/2020

Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social

Relatório

De autoria do governador do Estado, encaminhada por meio da Mensagem nº 89/2020, a proposição em epígrafe altera a Lei Complementar nº 64, de 25 de março de 2002, e a Lei Complementar nº 132, de 7 de janeiro de 2014, cria a autarquia Minas Gerais Previdência dos Servidores Públicos Civis do Estado, institui fundos de previdência do Estado de Minas Gerais, altera a Lei nº 869, de 5 de julho de 1952, e dá outras providências.

A proposta foi encaminhada para as Comissões de Constituição e Justiça, de Administração Pública, do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Em sua análise preliminar, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da proposição, na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou, e pelo desmembramento de parte da proposição original e sua apresentação na forma do projeto de lei complementar constante em anexo ao seu parecer. Em seguida, a Comissão de Administração Pública opinou pela aprovação da matéria, na forma do Substitutivo nº 1 da comissão que a antecedeu.

O projeto vem agora a esta comissão para receber parecer, nos termos do art. 188, combinado com o inciso XIV do art. 102 do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em análise tem por objetivo promover alterações no regime próprio de previdência social e do regime de previdência complementar dos servidores públicos civis do Estado, ajustando-os às novas regras implementadas pela Emenda Constitucional nº 103, de 12/11/2019, que altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Além disso, visa alterar a estrutura de gestão da previdência social dos servidores públicos no Estado e alterar o Estatuto dos Servidores Públicos Civis no que tange ao sistema remuneratório.

Reformar o regime de previdência dos servidores estaduais é uma necessidade imposta pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que, além de promover significativas alterações nas regras constitucionais relativas ao Regime Geral de Previdência Social e ao regime próprio de previdência social dos servidores da União, conferiu aos estados maior autonomia para reformar seus regimes próprios. Por meio de legislação infraconstitucional – Portaria do Ministério da Economia SEPRT nº 1.348, de 3/12/2019, foi estabelecido prazo até 31/7/2020 para que estados e municípios promovam os ajustes em suas legislações referentes às alíquotas de contribuição devidas aos seus respectivos regimes próprios de previdência social, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019.

Embora o prazo seja conhecido desde 2019, o governo estadual encaminhou a esta Casa sua proposta de reforma do Regime Próprio de Previdência dos servidores públicos apenas em 19/6/2020, quando já vigoravam as medidas de profilaxia para combater a disseminação do coronavírus, causada pelo Covid-19. Com as medidas de isolamento e de distanciamento social, restou inviabilizada a participação dos segmentos sociais e dos grupos mais diretamente afetados pelas mudanças propostas, as quais, se aprovadas, trarão efeitos profundos e duradouros na vida de servidores públicos estaduais e de suas famílias. A celeridade da tramitação da reforma em um contexto de isolamento social impede que os maiores interessados a discutam, exponham os custos pessoais e familiares dela decorrentes e proponham alternativas. Sem participação efetiva de servidores durante a tramitação do projeto em exame, a eventual aprovação de reforma tão radical poderia ser considerada, no nosso entendimento, uma agressão às regras democráticas.

De acordo com a Mensagem nº 88, que acompanha a Proposta de Emenda Constitucional nº 55/2020 (que altera o sistema de previdência social dos servidores públicos civis, moderniza a política de gestão de pessoas, estabelece regras de transição e dá outras providências), e a Mensagem nº 89, que acompanha o projeto de lei complementar em comento, o governo estadual argumenta que a urgência de aprovar a reforma do regime próprio de previdência dos servidores estaduais é necessária em razão da crise fiscal, agravada pela pandemia de Covid-19, que “acelera o estrangulamento fiscal do Estado”. Para o governo do Estado, a previdência dos servidores constitui a principal causa de desequilíbrio das contas públicas.

Constata-se nas justificativas apresentadas uma simplificação dos problemas fiscais do Estado. Atribui-se aos servidores públicos a responsabilidade pelos desequilíbrios das contas públicas, desequilíbrios que resultam de um processo complexo de gestão e escolhas políticas de governos passados e do atual. O governo desconsidera a história da previdência social dos servidores públicos e o seu significado. Trata o servidor público como um gasto apartado do custeio das políticas públicas entregues à população mineira e revela desconhecer a realidade dos servidores do Estado, que têm as médias de remuneração mais baixas do País.

Ainda na Mensagem nº 89, o governo argumenta que “em linhas gerais, o projeto de lei complementar procura conciliar os legítimos interesses dos servidores públicos, do Estado e da sociedade mineira. Sob a perspectiva dos servidores, o projeto visa garantir a regularidade do pagamento dos benefícios previdenciários no presente e no futuro, tendo em vista a natureza solidária e intergeracional do sistema. No que concerne ao Estado, a lei, uma vez aprovada, propiciará o saneamento das contas públicas referentes à temática da previdência, nos médio e longo prazos. E em relação à sociedade, o equilíbrio fiscal possibilitará que os serviços públicos essenciais prestados à população sejam estendidos em sua acessibilidade e aperfeiçoados em sua qualidade.”

Apesar dos objetivos de sustentabilidade do sistema previdenciário, saneamento das despesas com benefícios e liberação de recursos para outras políticas públicas, metas explícitas da reforma da previdência dos servidores mineiros, o próprio documento “Estudo e parecer atuarial”, elaborado pelo Ipsemg e anexo à proposta legislativa em tela, demonstra que a reforma pretendida não alcançará os objetivos enunciados. Embora sem apresentar todos os cálculos e pressupostos que sustentam os dados, o “Estudo e parecer atuarial” mostra, de forma patente, a continuidade de desequilíbrio das contas previdenciárias até 2050.

Portanto, o ajuste nas despesas com benefícios e na arrecadação das contribuições incide fortemente sobre cada um dos beneficiários e sobre cada um dos segurados, mas, ainda assim, não é capaz de alcançar a miragem a que se propõe, de equilíbrio financeiro e atuarial do regime próprio de previdência social do Estado. O equacionamento do déficit é, dessa forma, apenas uma versão dos fatos utilizada para justificar as medidas propostas. A solução das despesas previdenciárias, que é parte das despesas com pessoal (como normatiza a Lei de Responsabilidade Fiscal), envolve necessariamente mudanças na estrutura fiscal e tributária do Estado e na sua relação com a União. Com um debate aprofundado desses e de outros pontos, seria possível aos parlamentares construir alternativas mais adequadas para equacionamento do déficit das contas públicas, sem exigir do funcionalismo público sacrifícios que não contribuem efetivamente para resolver o problema.

No nosso entendimento, mais do que equacionar o déficit, a proposta de reforma apresentada pelo governo visa adequar a alíquota previdenciária às regras impostas pela legislação federal e abrir caminho para o Regime de Recuperação Fiscal. Entendemos também que as novas alíquotas e as novas regras de concessão de aposentadoria e pensão têm por objetivo gerar uma economia para o governo, com redução de gastos com pessoal.

Ao analisar a proposição, diante da complexidade e amplitude dos temas constantes do texto original apresentado pelo governo do Estado a esta Casa, a Comissão de Constituição e Justiça entendeu necessário desmembrar o projeto, separando da matéria previdenciária o conteúdo de caráter administrativo, especificamente as propostas de alterações no Estatuto dos Servidores Públicos Civis no que tange ao sistema remuneratório, o que deu origem a um novo projeto de lei complementar, anexado ao seu parecer.

O Substitutivo nº 1 apresentado por aquela comissão manteve todo o conteúdo previdenciário tal como apresentado pelo governo do Estado, abrangendo os seguintes temas: regras para a concessão da aposentaria voluntária, compulsória e por incapacidade permanente; alíquotas de contribuição para o custeio do regime próprio de previdência, com possibilidade de incidência de alíquota sobre aposentadorias e pensões a partir de um salário-mínimo; regras para concessão de pensão por morte e para aposentadorias especiais; forma de cálculo dos benefícios de aposentadoria e de pensão; e desmembramento do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – Ipsemg – em duas novas entidades: o Instituto de Gestão do Plano de Saúde dos Servidores do Estado de Minas Gerais – Ipsemg –, responsável pela prestação de assistência à saúde do servidor, e a Minas Gerais Previdência dos Servidores Públicos Civis do Estado – MGPREV –, para gerir o regime próprio de previdência dos servidores. A proposição mantém a autarquia que administra a previdência complementar – Prevcom –, com alterações que abrem a possibilidade para adesão de servidores que ingressaram no serviço público antes de 2015. Consta, também, da proposição, a criação do Fundo Financeiro de Previdência do Estado de Minas Gerais – FFP – e do Fundo Estadual de Previdência do Estado de Minas Gerais – Fepremg –, além da extinção do Fundo Financeiro de Previdência – Funfip –, criado pela Lei Complementar nº 77, de 13/1/2004.

No parecer aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em 3/7/2020, reconhece-se que as “alterações no regime jurídico dos servidores públicos civis, pela sua própria natureza e à luz do sistema democrático, requerem o asseguramento de amplo debate com as categorias envolvidas, cujo exercício resta consideravelmente prejudicado, mesmo com todos os meios tecnológicos disponíveis, diante do cenário atual que vivemos de pandemia de Covid-19, em que o isolamento social é medida de saúde pública que se impõe”.

Verificamos que a matéria previdenciária constante no Substitutivo nº 1 mantém uma grande diversidade de temas, com graus variados de complexidade, e que altera substancialmente o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos do Estado e sua forma de gestão. Para que esta Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social pudesse analisar o projeto em tela e o Substitutivo nº 1 de forma realmente consistente, seria imprescindível promover um debate profundo com o conjunto dos servidores, seus representantes sindicais e representantes do governo, o que é atualmente inviável pelo isolamento social necessário à contenção da pandemia de Covid-19.

Importante registrar aqui que a proposta de reforma da previdência apresentada a este Parlamento pelo governo do Estado foi construída sem nenhuma discussão ou participação prévia com representantes dos servidores públicos, o que reforça a necessidade de que esta Casa assegure espaço para o debate da matéria.

Foi o que a instituição intentou realizar por meio de medidas tecnológicas que adotou para garantir o funcionamento remoto da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e a participação virtual. Entre os dias 13 e 16 de julho de 2020, a Assembleia realizou um webnário sobre a reforma da previdência e, nos dias 12 e 19 de agosto esta comissão realizou audiências públicas, com participação remota, em que foram debatidos aspectos das temáticas da reforma da previdência. Como resultado desses eventos, foram apresentados questionamentos e propostas de alteração ao Projeto de Lei Complementar nº 46/2020, aqui analisado, e à Proposta de Emenda à Constituição nº 55/2020.

Questionou-se, por exemplo, a falta de transparência do governo em relação aos dados e de estudos que embasaram as mudanças propostas, o que impossibilita uma tomada de decisão devidamente informada por este Parlamento. Os números apresentados pelo Estado, conforme documento anexo ao projeto encaminhado a esta Casa, foram extraídos de um parecer atuarial que, a teor da Portaria nº 464, de 2018, da Secretaria da Previdência Social, é um anexo do Relatório da Avaliação Atuarial, que deve ser elaborado de acordo com a Nota Técnica Atuarial e observados os requisitos e elementos essenciais descritos na Instrução Normativa nº 8, de 2018, da Secretaria da Previdência Social. Seria absolutamente relevante a apresentação do referido relatório a este Parlamento para que nós, deputadas e deputados, pudéssemos conhecer a origem dos números constantes do anexo ao projeto e dispor dos instrumentos necessários para analisar o conteúdo da reforma e apresentar alterações consistentes para aperfeiçoar o projeto em análise. Sozinhos, os dados apresentados como anexo ao projeto em discussão não são suficientes para justificar as alterações em cada um dos critérios de aposentadoria e pensão. Não obstante termos solicitado, via requerimento aprovado por esta comissão, que nos enviassem o relatório, até a presente data o documento em questão não foi encaminhado a esta Casa.

Também não foram apresentadas pelo governo do Estado informações sobre os ativos que vão compor o Fundo Estadual de Previdência do Estado de Minas Gerais – Fepremg –, um fundo que não contará com a participação dos servidores em sua gestão. Decidir pela criação de um novo fundo com essas características sem conhecer as previsões de alocações a ele destinadas seria, no mínimo, uma irresponsabilidade.

Não foram, também, apresentadas as informações que embasaram as mudanças previstas para o Ipsemg. De acordo com o governo, a alteração proposta visa à melhoria de governança, mas não foi encaminhado nenhum estudo que indicasse problemas na gestão do instituto. Ao contrário disso, o relatório de Gestão do Exercício Financeiro de 2019 demonstra que o Ipsemg desempenha suas atribuições de forma equilibrada. A fragmentação do Ipsemg com a criação de nova autarquia, a MGPREV, que receberá os ativos e, também, os passivos do Ipsemg, atribui a esse instituto apenas a gestão do plano de saúde e extingue o direito à assistência social aos servidores, contrariando os princípios da seguridade social, fruto de conquista histórica dos servidores. Além disso, a nosso ver, mais do que melhorar a gestão, o que se pretende com as mudanças é preparar o caminho para uma futura privatização da saúde dos servidores prestada pelo instituto, que hoje atende a cerca de 820 mil beneficiários.

A falta de transparência nas discussões e na disponibilização das informações compromete drasticamente o debate em torno da reforma da previdência e inviabiliza a apresentação de alternativas consistentes para a melhoria das contas públicas. Decidir, de forma açodada, pela mudança na gestão da previdência pode levar a um resultado desastroso para as contas públicas, como foi a aprovação do fim do Funpemg, em 2013.

Além da falta de informações para fundamentar cada uma das alterações propostas pelo governo, o conteúdo dessas alterações, em si, precisa ser questionado. O projeto de reforma traz alterações significativas, por exemplo, no regramento da pensão por morte, que passa a depender de um conjunto de critérios que levará a redução drástica do benefício, podendo este ser, inclusive, inferior a um salário-mínimo. Sob o pretexto de reduzir gastos com pessoal, o governo ignora o caráter de seguro social da pensão por morte, cujo objetivo é assegurar condições de vida das famílias dos servidores. Com as informações disponíveis, não é possível saber de fato qual seria a redução que as propostas de alteração nas regras de pensão trariam ao tão falado déficit da previdência. Qualquer mudança dessas regras seria realizada no escuro, sem o devido embasamento.

Outro conteúdo controverso da reforma diz respeito às alterações na idade para acesso à aposentadoria. A proposta do governo, seguindo a regra federal, amplia em cinco anos a idade para aposentadoria para o homem e em sete anos a idade para mulher. Segundo o secretário de Governo, essa proposta se baseou em dados censitários que apontam que a mulher vive mais tempo que o homem. Com esse posicionamento, o governo desconsidera completamente as desigualdades de inserção feminina no mercado de trabalho e as múltiplas obrigações que recaem sobre as mulheres na reprodução da vida social (educação dos filhos, cuidado com os idosos e com a casa). Qual a idade seria adequada para a aposentadoria da mulher, considerando o seu papel social? Esse é um debate que precisa ser realizado. Essa decisão pouco discutida e pouco informada apenas agrava a situação da mulher, uma vez que não leva em conta a história de conquistas obtidas a partir do reconhecimento do desequilíbrio econômico e social ainda existente entre homens e mulheres em nossa sociedade.

Também precisaria de mais debate a fórmula de cálculo da aposentadoria, que exige dos servidores maior tempo de contribuição para uma aposentadoria menor. O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% da média aritmética de 100% das contribuições, incluindo as melhores e as piores, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição. As mulheres são prejudicadas sobremaneira pela regra de cálculo proposta. Para adquirir o direito de se aposentar com 100% da média de todas as suas contribuições, as mulheres teriam que contribuir por 40 anos, 10 a mais do que a regra atual (para os homens o acréscimo no tempo de contribuição será de 5 anos). Para as seguradas do INSS, o acréscimo de 2% se dá a partir dos 15 anos de contribuição, o que permite que a mulher se aposente com 100% da média das contribuições aos 35 anos de contribuição, e não aos 40 anos como na regra proposta pelo governo. No caso das professoras, as regras de cálculo são ainda mais perversas: para se aposentar com 100% da média de todos os salários de contribuição, ela precisará contribuir por 40 anos, o que configuraria mais 15 anos de contribuição em relação à regra atual. Na prática, isso vai significar uma redução dos proventos das mulheres, especialmente das professoras. Esse cálculo se aplica também às regras de transição para os servidores que ingressaram no serviço público a partir de 2004 e que não foram alcançados pelo regime de previdência complementar. Trata-se de uma regra tão rigorosa que na prática afastará os servidores do direito à transição. Por tudo isso, rechaçamos veementemente esse tipo de proposta.

As alíquotas constituem outra medida perversa no projeto do governo. Sob o argumento de cobrar mais de quem ganha mais, o projeto prevê a adoção da progressividade para a contribuição mensal dos servidores ativos, inativos e dos pensionistas, passando de uma alíquota única de 11% para uma alíquota progressiva que varia de 13% a 19%, conforme as seguintes faixas remuneratórias: servidores que recebem até 2.000,00 contribuem com 13%; de 2.001,00 a 6.000,00 – 14%; de 6.001,00 a 16.000,00 – 16% e acima disso, 19%. Nota-se que há aumento de alíquota para todas as faixas remuneratórias. Além disso, as alíquotas propostas pelo governo são consideravelmente maiores que as previstas na Emenda Constitucional nº 103, de 2019, para os servidores da União e para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS –, que variam entre 7,5% e 19%. A progressividade proposta penaliza os servidores que se encontram nas faixas mais baixas de remuneração.

A proposta do governo prevê, ainda, que, em caso de déficits do sistema de previdência dos servidores públicos, as alíquotas de contribuição poderão incidir sobre o valor dos proventos de aposentadorias e de pensões que superem o valor do salário-mínimo. Atualmente, aposentados e pensionistas contribuem sobre o valor que excede o teto do RGPS. A nova regra penaliza mais uma vez os servidores públicos aposentados e pensionistas com menores remunerações.

Embora a medida não conste do projeto em discussão, vale mencionar a possibilidade prevista na Proposta de Emenda à Constituição nº 55/2020 de cobrança de contribuição extraordinária de servidores ativos, aposentadas e pensionistas. No “Estudo e parecer atuarial” anexo ao projeto encaminhado pelo governo, ficou evidenciado que as contas da previdência serão deficitárias até, pelo menos 2050. Em estado permanente de déficit, o Estado poderá lançar mão da alíquota extraordinária nos momentos em que precisar de recursos extras, de forma que a alíquota extraordinária se converta em ordinária. Assim, a redução salarial dos servidores seria novamente usada para reduzir os gastos públicos, uma saída fácil que desobrigaria o Estado da tarefa de buscar alternativas mais criativas e mais corajosas de financiamento das políticas públicas.

Entendemos que as alterações propostas com previsão de majoração das alíquotas incidentes sobre remunerações e proventos já precários, que há anos não têm recomposição das perdas inflacionárias, como ocorre nas áreas de saúde e educação, que contam com o maior número de servidores no Estado e cujas médias remuneratórias são as mais baixas, prejudicam ainda mais os servidores, reduzindo seus ganhos líquidos e violando o princípio constitucional do não confisco.

Considerando as atribuições do Estado, principalmente no que diz respeito a serviços de educação, saúde e segurança pública, áreas cujos serviços exigem uso intensivo de pessoas, é de se esperar que despesas com pessoal sejam expressivas. Não se deve estranhar, portanto, o número de servidores. Ao contrário, servidores concursados efetivados, bem remunerados e com direitos é condição para que o Estado preste bons serviços à população. E uma vez que 80% dos servidores efetivos do Estado de Minas Gerais recebem remuneração no valor de até R$5.000,00, não se pode alegar, irrestritamente, que os servidores estaduais são privilegiados do ponto de vista de sua remuneração.

As despesas previdenciárias devem ser vistas como parte das despesas com pessoal, e o seu aumento ao longo do tempo, como reflexo da ampliação da cobertura das políticas públicas desde a Constituição de 1988, dos ganhos de expectativa de vida da população e da ampliação dos direitos sociais.

De acordo com o art. 40 da Constituição Federal, o regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos tem caráter contributivo e solidário, mediante contribuição de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, devendo observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Parece-nos que o conceito de déficit da previdência só se aplicaria aos regimes capitalizados. O que se aplicaria aos regimes solidários de previdência seria, então, a meta de equilíbrio financeiro, não o equilíbrio atuarial. Nessa perspectiva, há que se questionar os motivos do governo para estabelecer como diretriz da reforma a busca do equilíbrio atuarial. Supomos que o que o governo pretende, ao fim e ao cabo, é conduzir a previdência para um regime de capitalização e que os aposentados e pensionistas do regime solidário ajudem a pagar a conta da transição para esse regime. Em um regime solidário não há base legal para a taxação de aposentados e pensionistas, uma vez que já teriam realizado as contribuições ao longo de suas vidas profissionais.

Em nenhum lugar do mundo desenvolvido se fala em passivo atuarial no regime básico de previdência até determinado teto. A previdência solidária é baseada no pacto de gerações. Estudo atuarial se aplica somente para a previdência complementar acima do teto da previdência pública. Assim, passivo atuarial só existe na perspectiva de extinção da previdência pública solidária e implantação total da previdência capitalizada. Na reforma proposta pelo governo, a criação de dois fundos se estabelece como uma transição gradual, mas ainda assim insustentável, para o regime de capitalização.

A busca de soluções para as dificuldades de financiamento do Estado deveria ser empreendida, fundamentalmente, por meio da ampliação de receitas e revisão das relações com a União. Para tal, seriam tarefas inescapáveis remodelar a distribuição das receitas tributárias, reduzir a dívida do Estado com a União, rever benefícios e isenções tributárias, tributar setores isentos ou subtaxados, fiscalizar e cobrar os recursos devidos ao Estado, entre outras. Além disso, a retomada do crescimento econômico também contribuiria para sustentar as finanças públicas, hoje constrangidas pela contenção do mercado consumidor.

Entretanto, o governo estadual, ao encaminhar uma reforma previdenciária que reduz o valor líquido recebido por servidores, aposentados e pensionistas, sem propor qualquer contribuição fiscal de outros segmentos do Estado e sem reestabelecer as relações com a União, pretende impor exclusivamente aos servidores públicos em atividade, aposentados e pensionistas o ônus do ajuste fiscal. E, ao jogar esse ônus sobre os servidores, em consequência, serão fragilizados os serviços de educação, saúde, educação, ciência e tecnologia, fiscalização, assistência social e outros prestados à população mineira.

Diante do exposto, fica evidente que não há na reforma apresentada pelo governo nenhuma alteração estrutural que garanta qualquer tipo de equilíbrio, sustentabilidade ou redução do “deficit” nas contas da previdência. As receitas de contribuições, em regime financeiro (de caixa), são insuficientes para assegurar o “fechamento das contas”. A saída para os déficits previdenciários passa, invariavelmente, por um novo pacto federativo que propicie novas receitas para financiar as necessidades da sociedade. A proposta de reforma da previdência aqui analisada apenas reduz as despesas com pessoal, sem considerar o papel do Estado na provisão de serviços públicos, prestado por meio dos servidores públicos. A reforma da previdência proposta não é, portanto, alternativa efetiva para o equacionamento do déficit.

Conclusão

Em face do exposto, opinamos pela rejeição do Projeto de Lei Complementar nº 46/2020.

Sala das Comissões, 26 de agosto de 2020.

André Quintão, presidente – Celinho Sintrocel, relator – Betão – Gustavo Valadares (voto contrário) – Mario Henrique Caixa.