PL PROJETO DE LEI 2771/2008

PARECER PARA O 1º TURNO DO PROJETO DE LEI Nº 2.771/2008

Comissão de Constituição e Justiça Relatório De autoria do Governador do Estado, o projeto em epígrafe altera a Lei nº 14.309, de 19/6/2002, e o art. 7º da Lei Delegada nº 125, de 25/1/2007, e dá outras providências. Publicada no “Diário do Legislativo” de 25/9/2008, a proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Meio Ambiente e Recursos Naturais e de Fiscalização Financeira e Orçamentária para receber parecer. Nos termos do art. 102, III, “a”, do Regimento Interno, incumbe-nos examinar a matéria nos aspectos de sua juridicidade, constitucionalidade e legalidade. Fundamentação A proposição em epígrafe, de autoria do Chefe do Poder Executivo, tem o objetivo de alterar a Lei nº 14.309, de 2002, que dispõe sobre as políticas florestal e de proteção à biodiversidade, e também a Lei Delegada nº 125, de 2007, que dispõe sobre a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad. Segundo o autor, as medidas contidas no projeto têm por finalidade “corrigir distorções com vistas à obtenção da sustentabilidade das atividades econômicas, aliadas à proteção dos remanescentes florestais e campestres” e incluir o Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos no âmbito do Sistema Estadual de Meio Ambiente – Sisema –, a fim de compatibilizar a legislação estadual com os mandamentos da Constituição da República bem como das Leis Federais nºs 6.938, de 1981, e 9.433, de 1997. As principais alterações propostas no projeto são as seguintes: a) a implantação de um sistema eletrônico de rastreamento do transporte de produtos e subprodutos florestais no Estado para possibilitar ao poder público ter mais controle dos pontos de carga e descarga desses produtos; b) o estabelecimento de um cronograma rígido e gradativo para promover a substituição do consumo de produtos de origem nativa pelos originados de plantações florestais e florestas manejadas; para tanto, fixa limites decrescentes de consumo de insumos de mata nativa; c) a fixação de penalidades maiores para a reposição florestal pelo consumo de produtos de origem nativa; d) a ampliação dos mecanismos para reposição florestal, de forma a permitir sua aplicação na formação de novas plantações florestais com objetivos comerciais, em programas e projetos de recuperação de áreas degradadas, projetos socioambientais e de pesquisas florestais e energéticas bem como outros que possibilitem a melhoria da proteção dos recursos naturais; e) uma maior flexibilização para a formação de estoques florestais destinados a suprimento, mediante a ampliação das modalidades de aplicação com o envolvimento de outros segmentos, não vinculados diretamente ao consumo; f) a eliminação da regra em vigor, que permite às indústrias de ferro gusa consumirem até 100% de sua demanda com carvão vegetal de florestas nativas, por meio do ressarcimento em dobro da reposição florestal; g) a proibição de instalação de novas indústrias ou reativação de indústrias inativas, sem a comprovação de atendimento lastreado no consumo de florestas plantadas, no limite mínimo de 95% do consumo baseado na capacidade instalada ou proporcional à disponibilidade comprovada de fontes sustentáveis; h) o estabelecimento de normas mais rigorosas para o não- cumprimento de cronogramas de suprimento florestal estabelecidos: as empresas que não se enquadrarem às novas regras poderão ser obrigadas a reduzir sua capacidade de produção ou, mesmo, a paralisar suas atividades; i) a criação de um índice com metas anuais decrescentes das taxas de desmatamento do Estado, visando à recuperação da Mata Atlântica e à conservação do Cerrrado e seus ecossistemas associados; j) a declaração das áreas de importância biológica especial e de importância biológica extrema do documento intitulado “Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para sua conservação” como prioritárias para a criação de unidades de conservação. Como se observa, o Governo do Estado, por meio da proposição em apreço, manifesta, de forma inequívoca, sua intenção não só de reduzir significativamente a utilização da flora nativa para geração de energia, mas também de exercer mais controle sobre as pessoas físicas ou jurídicas que industrializam, comercializam, beneficiam, utilizam ou são consumidoras de produto ou subproduto da flora. Manifesta também a intenção de aumentar a cobertura vegetal natural de Minas Gerais, criar novos espaços ambientalmente protegidos em áreas biologicamente sensíveis e incluir o Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos no âmbito do Sistema Estadual de Meio Ambiente – Sisema. Cumpre esclarecer, inicialmente, que o elevado caráter técnico de vários dispositivos do projeto se justifica pelo fato de que o exercício do poder de polícia ambiental será exercido em face de prazos, cronogramas, percentuais e volume de consumo dos produtos da flora nativa. Por essa razão, parcela significativa dessas normas são de natureza transitória. Em nossa avaliação, as medidas contidas no projeto não contrariam o ordenamento jurídico vigente. Como se sabe, com a promulgação da Constituição da República de 1988, os Estados passaram a ter competência para legislar concorrentemente com a União sobre florestas e proteção do meio ambiente. No âmbito dessa legislação, incumbe à União editar exclusivamente “normas gerais”, conforme dispõe o art. 24, VI, §§ 1º a 2º, da Lei Maior. A Lei Federal nº 4.771, de 1965, que dispõe sobre o Código Florestal brasileiro, veicula as normas gerais sobre a matéria. Os seus arts. 19, 20 e 21 assim dispõem: “Art. 19 – A exploração de florestas e formações sucessoras, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá de prévia aprovação pelo órgão estadual competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA –, bem como da adoção de técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme. (...) Art. 20 – As empresas industriais que, por sua natureza, consumirem grande quantidades de matéria prima florestal serão obrigadas a manter, dentro de um raio em que a exploração e o transporte sejam julgados econômicos, um serviço organizado, que assegure o plantio de novas áreas, em terras próprias ou pertencentes a terceiros, cuja produção sob exploração racional, seja equivalente ao consumido para o seu abastecimento. (...) Art. 21 – As empresas siderúrgicas, de transporte e outras, à base de carvão vegetal, lenha ou outra matéria prima florestal, são obrigadas a manter florestas próprias para exploração racional ou a formar, diretamente ou por intermédio de empreendimentos dos quais participem, florestas destinadas ao seu suprimento”. Vê-se, pois, que a redação dada ao art. 19 do Código Florestal pela mencionada lei federal atribui ao poder público estadual o controle e a fiscalização da exploração de florestas e de formações sucessoras de domínios público e privado. E, de acordo com o § 1º do mencionado dispositivo, a competência do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – Ibama – nessa matéria é restrita às florestas públicas do domínio federal, às unidades de conservação criadas pela União e aos empreendimentos potencialmente causadores de impacto ambiental nacional ou regional, definidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama. Portanto, com a nova redação do art. 19, já não paira dúvida sobre a competência dos Estados para disciplinar, nos demais casos, a forma como os empreendimentos públicos e privados poderão valer-se dos recursos da flora para atender a suas necessidades, observado o princípio do auto-suprimento florestal, conforme previsto nos mencionados arts. 20 e 21. Assim, por meio do projeto em tela, o Estado nada mais faz do que exercer a competência, que lhe é constitucionalmente assegurada, de suplementar a legislação federal para atender a suas peculiaridades, em consonância com a regra estabelecida no § 2º do art. 24 da Constituição da República. Quanto à declaração de áreas prioritárias para a constituição de unidades de conservação com base no documento intitulado “Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para sua conservação”, observamos que o ordenamento constitucional vigente impõe ao poder público das três esferas de governo várias obrigações para assegurar a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre essas, a Constituição da República expressamente prevê o dever de identificar e criar espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, nos seguintes termos: “Art. 225 – (...) § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (...) § 2º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”. Dessa forma, o mecanismo da declaração, que não se confunde com o ato de criação de unidade de conservação, deve ser compreendido como uma medida de precaução ambiental. A intenção é prevenir danos irreversíveis às áreas delimitadas no citado documento bem como evitar os usos ambientalmente incompatíveis com a preservação ou conservação de ecossistemas sensíveis. Como o Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais – Iter – é a instituição legalmente responsável pela gestão das terras públicas e devolutas do Estado, justifica-se sua atuação em conjunto com o Instituto Estadual de Florestas – IEF – na identificação dos espaços a serem especialmente protegidos. Trata- se de uma medida administrativa e institucionalmente adequada para viabilizar efetivamente a instituição de unidades de conservação em áreas de domínio estadual classificadas como de importância biológica especial e de importância biológica extrema pelo mapa de biodiversidade, aprovado pela Deliberação Normativa nº 55, de 2002, do Conselho Estadual de Política Ambiental – Copam – e incorporado ao Zoneamento Ecológico Econômico do Estado. Já o Sistema Estadual de Meio Ambiente – Sisema – foi instituído pela Lei Delegada nº 125, de 2007, com a finalidade de regionalizar as medidas emanadas do Sistema Nacional de Meio Ambiente, criado pela Lei Federal nº 6.983, de 1981. Nos termos da lei de sua criação, integram o Sisema a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad –, a Fundação Estadual de Meio Ambiente – Feam –, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas – Igam –, o Instituto Estadual de Florestas – IEF –, os Núcleos de Gestão Ambiental das Secretarias de Estado integrantes do Copam e a Polícia Ambiental da Polícia Militar de Minas Gerais. Portanto, legalmente, o Copam não faz parte do Sisema. Por seu turno, o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos tem na sua estrutura a Semad, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos – Cerh –, o Igam, os comitês de bacia hidrográfica, os órgãos e as entidades dos poderes estadual e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos e as agências de bacias hidrográficas. No projeto do governo, propõe-se nova redação para o “caput” do art. 7º da Lei Delegada nº 125, de 2007, com a intenção de harmonizar “as medidas emanadas do Sistema Nacional do Meio Ambiente e do Sistema Nacional de Recursos Hídricos”. Contudo, a forma como se apresenta a medida para promover essa integração não se mostra idônea para se atingir esse objetivo. Para tanto, é preciso modificar a composição do Sisema, incluindo expressamente os órgãos e as entidades integrantes do Sistema Estadual de Recursos Hídricos e o próprio Copam. Caso isso não seja feito, o Sisema apenas mudará seu nome: em vez de Sistema Estadual de Meio Ambiente, passará a ser Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Assim, impõe-se a apresentação de emenda para alterar também a redação do § 1º do art. 7º, já mencionado. Em outras palavras, é preciso promover a reestruturação do Sisema como um todo. Por se tratar de medida associada à organização do Poder Executivo e tendo este exercido sua competência privativa para deflagrar o processo legislativo, conforme previsto no art. 66, III, da Constituição do Estado, a Assembléia Legislativa pode modificar o projeto do Executivo com fundamento no art. 61, XI, do mesmo texto normativo: “Art. 61 – Cabe à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, não exigida esta para o especificado no art. 62, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especificamente: (...) XI – criação, estruturação e definição de atribuições das Secretarias de Estado;”. Finalmente, verifica-se a necessidade de apresentação de emenda para corrigir erro material verificado nos incisos II e III do § 3º do art. 47 da Lei nº 14.309, de 2002, a que se refere o art. 5º da proposição. Com essas considerações, não vislumbramos óbice à tramitação do projeto nesta Casa. Conclusão Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 2.771/2008 com as Emendas nºs 1 e 2, a seguir apresentadas. EMENDA Nº 1

Dê-se ao art. 9º a seguinte redação: “Art. 9º – O `caput´ e o § 1º do art. 7º da Lei Delegada nº 125, de 25 de janeiro de 2007, passam a vigorar com a seguinte redação: `Art. 7º – Fica instituído o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Sisema –, com a finalidade de harmonizar as medidas emanadas do Sistema Nacional de Meio Ambiente, criado pela Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado pela Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, por meio da articulação coordenada dos órgãos e das entidades que os integram. § 1º – Integram o Sisema: I – a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad; II – o Conselho Estadual de Política Ambiental – Copam; III – o Conselho Estadual de Recursos Hídricos – Cerh; IV – a Fundação Estadual de Meio Ambiente – Feam; V – o Instituto Mineiro de Gestão das Águas – Igam; VI – o Instituto Estadual de Florestas – IEF; VII – os Núcleos de Gestão Ambiental das Secretarias de Estado integrantes do Conselho Estadual de Política Ambiental; VIII – a Polícia Ambiental da Polícia Militar de Minas Gerais; IX – os comitês de bacia hidrográfica; X – os órgãos e as entidades dos poderes estadual e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; XI – as agências de bacias hidrográficas´.”. EMENDA Nº 2

Os incisos II e III do § 3º do art. 47 a que se refere o art. 5º do projeto passam a ter a seguinte redação: “Art. 5º – (...) `Art. 47 – (...) § 3º – (...) II – formação de florestas próprias ou fomentadas, observadas as áreas de preservação permanente e de reserva legal, nos termos desta lei; III – participação em associações de reflorestadores ou outros sistemas, de acordo com as normas fixadas pelo órgão competente, observadas as áreas de preservação permanente e de reserva legal, nos termos desta lei;´.”. Sala das Comissões, 11 de novembro de 2008. Dalmo Ribeiro Silva, Presidente e relator - Gilberto Abramo - Sargento Rodrigues - Neider Moreira - Sebastião Costa - Hely Tarqüínio.