PL PROJETO DE LEI 889/2003

“MENSAGEM Nº 86/2003*

Belo Horizonte, 9 de julho de 2003.

Senhor Presidente da Assembléia Legislativa,

Tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência, para exame dessa Egrégia Assembléia Legislativa, o projeto de lei incluso, que dispõe sobre as parcerias público-privadas e dá outras providências. O mencionado projeto de lei visa a disciplinar e fomentar a colaboração da iniciativa privada com o Poder Público estadual na realização de cometimentos de interesse público. O parceiro privado, nas diversas formas de parceria, atuará na condição de encarregado de serviços, atividades, infra-estruturas, estabelecimentos ou empreendimentos de interesse público.

O presente projeto de lei justifica-se na medida em que o incentivo ao desenvolvimento econômico do Estado de Minas Gerais e o incremento do bem-estar da população mineira passam, necessariamente, pela instituição de um arcabouço jurídico apto a promover estas espécies de parcerias. De maneira mais específica, as parcerias público-privadas tornaram-se uma via moderna para enfrentar o grande desafio de suplantar o déficit de projetos estruturadores em áreas essenciais como transportes, saneamento e saúde, atentando-se, simultaneamente, para o grave problema da escassez de recursos orçamentários para projetos de alto custo.

É neste contexto - de escassez de recursos orçamentários e necessidade de projetos setoriais estruturadores - que, em muitos países, a exemplo da Inglaterra, têm sido concebidas e implementadas novas formas de parceria com a iniciativa privada na administração dos negócios do Estado. O presente projeto de lei está alinhado com o desenvolvimento internacional do tema e pretende aproveitá-lo para o aprimoramento do ordenamento jurídico do Estado de Minas Gerais, sempre com atenção às peculiaridades da realidade mineira (em que a dita escassez de recursos e o déficit de investimentos são ainda mais alarmantes). Assim, pode-se dizer que também se persegue o objetivo, com a colocação em pauta deste projeto de lei, de dar impulso à implementação, em Minas Gerais, de um modelo que tem servido - mundialmente - para o enfrentamento da demanda por investimentos em meio a problemas de crise fiscal.

Alguns princípios básicos regem este novo modelo de parcerias público-privadas. Em primeiro lugar, as parcerias público-privadas têm por princípio que o investimento deve ficar a cargo do particular, vindo a ser amortizado em contratos de longo prazo, mediante remuneração feita com verbas orçamentárias ou pela exploração econômica do serviço. Neste modelo, é possível o desenvolvimento de projetos cuja exploração econômica seja inviável, desonerando o Estado do desembolso imediato. Em segundo lugar, as parcerias público-privadas regem-se pela idéia de que a remuneração do contratado deve ser uma contrapartida pelo conjunto de utilidades que ele disponibiliza, e não uma remuneração de cada tarefa isoladamente considerada (execução da obra, manutenção etc.). Para tanto, fazem-se necessárias, nas parcerias público- privadas, uma avaliação da performance do contratado e outra avaliação da qualidade do serviço prestado, aliadas, ainda, à previsão de um eficiente mecanismo de proteção dos contratos. Finalmente, as parcerias público-privadas observam, como terceiro princípio fundamental, o da obtenção de máxima eficiência na aplicação de recursos públicos, alcançada por meio de contratações em que o particular assume obrigações de resultado e não apenas de meio.

Eis, assim, os princípios reitores do novo modelo de parcerias público-privadas, os quais buscou-se fossem refletidos nas regras previstas no presente projeto de lei.

Atualmente, algumas formas de parcerias público-privadas são contempladas pela legislação aplicável ao Estado de Minas Gerais. De um lado, há a legislação nacional, no âmbito da qual se destacam, basicamente, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Geral de Licitações e Contratos Administrativos, com suas alterações posteriores), e a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Lei Geral de Concessões e Permissões, com suas alterações posteriores). Por força do disposto nos arts. 22, inciso XXVII, e 175 da Constituição Federal, as normas gerais estabelecidas por estas Leis se aplicam a todos os entes da federação brasileira, podendo os Estados, o Distrito Federal e os Municípios complementá- las, mediante legislação local, desde que mantenham observância às normas gerais firmadas pela União para vigorarem em âmbito nacional. De outro lado, há também - justamente por conta deste permissivo constitucional - a legislação local estabelecida pelo próprio Estado mineiro, no âmbito da qual se destacam a Lei nº 9.444, de 25 de novembro de 1987 (sobre licitações e contratos administrativos celebrados pela Administração mineira), a Lei nº 10.453, de 22 de janeiro de 1991 (sobre concessões e permissões de serviços públicos efetuadas pelo Estado), e a Lei nº 12.276, de 24 de julho de 1996 (pela qual se pretendeu criar um sistema de parcerias entre o Poder Público estadual e a iniciativa privada).

É importante destacar o que se contém neste panorama legislativo, a fim de que se possa, em seguida, identificar com clareza as situações que merecem detalhamento em norma local. Conforme se poderá observar mais adiante, as principais lacunas da atual legislação podem ser supridas, com alto grau de segurança jurídica, pelo presente projeto de lei para o Estado de Minas Gerais.

A Lei nº 8.666/93 disciplina os contratos administrativos de obras e serviços pela Administração Pública em geral. Por sua vez, a Lei nº 8.987/95, aplicável às contratações de serviços e obras públicas em tais regimes de outorga, tem como principal característica o fato de a remuneração do particular ser feita por intermédio da exploração econômica do serviço ou da obra. Via de regra, adota-se o sistema tarifário como forma de remuneração do particular, embora sejam lícitos também outros meios de remuneração.

No âmbito da legislação estadual, vigoram, conforme observado, a Lei 9.444/87 e a Lei Estadual nº 10.453, de 22 de janeiro de 1991. Ambas são anteriores aos estatutos federais que tratam das mesmas matérias (Leis 8.666/93 e 8.987/95, respectivamente) e, desde então, caíram em desuso, com a exceção de alguns contratos de concessão celebrados com base na norma estadual e que ainda estão em vigor. Deveras, os diplomas federais já albergaram e sistematizaram as regras dos estatutos estaduais que tiveram um advento anterior. Justamente por isto, os estatutos federais de licitações e contratos e de concessões e permissões têm servido quase que como os únicos referenciais legislativos para as Administrações Públicas estaduais, em detrimento dos diplomas locais - inclusive no próprio Estado de Minas Gerais.

Finalmente, destaca-se, no âmbito da legislação estadual, a Lei nº 12.276, de 24 de julho de 1996, que versa sobre contratos ou convênios firmados pelo Poder Executivo estadual com empresa ou consórcio de empresas, com vistas a implementar “sistema de parceria” para a execução de obras e infra-estrutura no Estado. Apesar de ter intencionado criar um sistema de parcerias entre o Poder Público estadual e a iniciativa privada, o referido diploma não abarca todas as possibilidades de implementação de um moderno e eficiente Programa de parcerias público-privada.

Diante do atual panorama legislativo, supra-relatado, identificam-se algumas formas de parceria que ainda não foram suficientemente disciplinadas pelo instrumental jurídico hoje disponível, seja ele federal ou estadual. Assim, há a falta de um embasamento jurídico que incentive e permita a estas novas formas de parceria prosperarem, com segurança.

É preciso destacar, ainda, que há, tanto no diploma geral das licitações e contratos quanto no diploma geral das concessões e permissões, uma insuficiência das regras de proteção do crédito do particular frente à Administração. Trata-se de inegável fator que leva à falta de motivação, por parte do investidor privado, em tornar-se um parceiro do Estado na realização de cometimentos de interesse público.

A aprovação do presente projeto de lei será de grande utilidade para a superação destes entraves. Pretende-se que sirva, claramente, como um fator impulsionador do uso das parcerias público-privadas no Estado. Ademais, pretende-se que o projeto de lei supra as deficiências apontadas da legislação atual (que inviabilizam ou dificultam as diversas formas de parcerias público- privadas), estabelecendo normas locais cuidadosamente arquitetadas para que não se mostrem, por qualquer ângulo, incompatíveis com a normatização geral expedida pela União. Também há de ser útil o projeto de lei para conferir maior segurança jurídica aos contratos de parceria público-privada. Ainda, o projeto de lei tem grande importância na criação de mecanismos de controle da utilização de recursos públicos, que servirão para evitar distorções no emprego de parcerias do Poder Público com a iniciativa privada. Finalmente, o projeto de lei afigura-se como marco essencial na regulamentação da tarifa paga diretamente pela Administração como instrumento de complementação da receita tarifária obtida dos usuários finais nas concessões estaduais (por exemplo, nas concessões rodoviárias).

Todas estas utilidades da implantação das parcerias público- privadas no Estado de Minas Gerais hão de surgir como decorrência, certamente, da efetividade das disposições da futura lei estadual gestada a partir do presente projeto de lei. A seguir, comentários pontuais às disposições do projeto de lei darão uma notícia das principais soluções que se pretende implementar no Estado.

O projeto de lei delimita seu âmbito de aplicação e define Parcerias Público-Privadas - PPPs - como sendo “mecanismos de colaboração entre o Estado e particulares, por meio dos quais o particular assume a condição de encarregado de serviços, atividades, infra-estrutura, estabelecimentos ou empreendimentos de interesse público, sendo remunerado segundo sua performance, pelas utilidades e serviços que disponibilizar”.

Podem celebrar Parcerias Público-Privadas quaisquer entidades estatais que tenham competências pertinentes à infra-estrutura, serviço ou estabelecimento público objeto da contratação, incluindo autarquias, fundações públicas, empresas e sociedades de economia mista. Pelo Projeto, as entidades da Administração Indireta prestadoras de serviço público também poderão celebrar contrato de PPP para implantar, ampliar ou melhorar a infra- estrutura necessária à prestação de seus serviços.

Para que tais entidades estejam autorizadas a celebrar contratos de PPP, no entanto, o Estado tem o dever de planejar sua atuação, com a imposição de prévia definição das prioridades estaduais que serão objeto de investimento.

A definição das metas de investimento, o planejamento da ação estatal e a transparência das decisões públicas determinaram a inclusão, no projeto, do Programa de Parcerias Público-Privadas, cujo objetivo é fomentar e disciplinar a atuação de agentes do setor privado como coadjuvantes da implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento do Estado de Minas Gerais e ao bem-estar coletivo, na condição de encarregados de serviços, atividades, infra-estruturas, estabelecimentos ou empreendimentos de interesse público.

O instrumento de execução do Programa de Parcerias Público- Privadas será o Plano Estadual de Parcerias Público-Privadas, a ser editado pelo Governador do Estado, mediante decreto, após prévia aprovação pelo Conselho Gestor de Parcerias Público- Privadas - CGPPP e realização de consulta pública.

Isto significa dizer que nenhum contrato de PPP poderá ser celebrado no Estado de Minas Gerais sem que seu escopo esteja contido no Plano Estadual de Parcerias Público-Privadas, onde estarão inseridos os projetos da Administração Direta e Indireta que poderão ser beneficiados pelo regime da nova lei.

O CGPPP será presidido pelo Governador do Estado e composto pelo Procurador-Geral do Estado e pelos Secretários de Estado de Desenvolvimento Econômico, Planejamento e Gestão, Fazenda, Transportes e Obras Públicas, Desenvolvimento Regional e Política Urbana e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico receberá a atribuição de operacionalizar, coordenar e assessorar as Secretarias de Estado na divulgação dos conceitos e metodologias próprias dos contratos de PPP, bem como na formatação de projetos e contratos, especialmente nos aspectos financeiros e de licitação, para o fim de serem submetidos à análise criteriosa do CGPPP.

A PPP poderá ter por objeto, isolada ou conjuntamente:

I - a implantação, ampliação, melhoramento, manutenção ou gestão de infra-estrutura estatal;

II - implantação ou gestão de empreendimento público;

III - a prestação de serviços públicos;

IV - a exploração de bem público; e

V - a exploração de direitos de natureza imaterial de titularidade do Estado.

Em outras palavras, o Poder Público poderá atribuir ao particular, além da implantação, ampliação, melhoramento ou manutenção da infra-estrutura pública, a própria gestão do empreendimento (atividade ou obra já construída). Por meio de uma PPP, caberá ao particular disponibilizar ao Poder Público a infra- estrutura, utilidades ou serviços desejados, em conformidade com a qualidade e metas estabelecidas no contrato, e desde que o seu exercício não envolva a delegação ao setor privado de poderes típicos de autoridade pública.

O projeto não cria novas formas contratuais para a Administração Pública. Se aprovado, as Parcerias Público-Privadas serão formalizadas por instrumentos já consagrados na legislação geral, especialmente nas Leis Federais nºs 8.987/95 e 8.666/93, com o seguinte diferencial: as regras dispostas no projeto propiciam uma complementação legislativa ao regime geral de tais contratos, com a superação das dificuldades já apontadas, de tal sorte que poderão ser realizados melhores negócios para a Administração, com a garantia, para o particular, de maior segurança na aplicação de investimentos privados em negócios públicos.

Em verdade, o projeto revoga expressamente as Leis Estaduais nºs 9.444/87 e 10.453/91 e determina a aplicação do regime das Leis Federais nºs 8.666/93 e 8.987/95, com as peculiaridades por elas introduzidas.

Fundamentalmente, as inovações trazidas pelo projeto dizem respeito à remuneração do contratado, à proteção de seu crédito e ao prazo dos contratos. Dadas as especificidades de cada negócio, e o vulto do investimento realizado pelo particular, o poder público determinará o prazo do contrato e definirá o mecanismo de sua remuneração, sendo variável o grau de proteção do crédito do particular em função do vulto do investimento inicial realizado.

Em um ambiente de estrita responsabilidade fiscal, o projeto prevê vários mecanismos de remuneração do particular. Para proteção dos créditos do contratado, o projeto prevê os seguintes instrumentos: garantias reais, pessoais ou fidejussórias; atribuição ao contratado do encargo de faturamento e cobrança de créditos do contratante em relação a terceiros, compensando-se os créditos recíprocos; e vinculação de recursos estatais, inclusive por meio de fundos específicos.

Finalmente, a par dos aspectos econômico-financeiros do negócio, quaisquer contratos celebrados sob as regras do projeto deverão estabelecer, com clareza, a responsabilidade pelos riscos envolvidos no negócio, as metas e os resultados a serem atingidos pelo particular na execução do contrato, que poderá dispor - nos termos estabelecidos no instrumento - de relativa liberdade para escolher os meios para sua implementação.

Pelo exposto, depreende-se que o projeto ora encaminhado é de suma importância para o Estado de Minas Gerais e, por conseguinte, para a sociedade mineira.

Atenciosamente,

Aécio Neves, Governador do Estado de Minas Gerais.