HERMES VILCHEZ GUERRERO, advogado, professor, diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 19/03/2025
Página 5, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas RQN 7861 de 2024
Normas citadas RAL nº 5630, de 2024
3ª REUNIÃO ESPECIAL DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 17/3/2025
Palavras do Sr. Hermes Vilchez Guerrero
Meus cumprimentos ao Sr. deputado Professor Cleiton, representando a Assembleia Legislativa de Minas Gerais; ao Sr. deputado Roberto Andrade, autor do título que me é concedido nesta noite; ao desembargador Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Junior, presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; ao Dr. Paulo de Tarso Morais Filho, procurador-geral de justiça; ao Dr. Gilberto Diniz, conselheiro do Tribunal de Contas; à Dra. Ana Luiza Pereira Freitas, representando a Defensoria Pública de Minas Gerais; ao meu caro Prof. Alessandro Moreira, vice-reitor da nossa Universidade Federal de Minas Gerais; ao desembargador Júlio César Lorens, representando o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais; ao meu caro amigo, desembargador Jadir Silva, presidente do Tribunal de Justiça Militar; e ao delegado Emílio de Oliveira e Silva, representando a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Senhoras e senhores, boa noite.
Gostaria que as minhas palavras primeiras fossem de agradecimento. Nasci no alto das montanhas, do outro lado do continente. Cutervo é o nome da cidade; Peru, do país. Lá também nasceu minha mãe, D. Hilda. Meu pai, Hermes, nasceu em Guajará-Mirim, em Rondônia. Portanto, não nasci em Minas, não tenho sangue mineiro, não tenho antepassados mineiros. Embora já fosse brasileiro nato em razão do ius sanguinis, faltava-me formalmente um estado para chamar de meu.
Receber o título de Cidadão Honorário deste estado significa muito para mim. De todos os títulos que poderia receber, esse é o mais importante, o mais significativo. Nenhum outro poderia falar tão fundo a meus sentimentos. Quando comuniquei à minha família que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais me concederia esse título, uma das muitas mensagens que recebi foi de minha mãe. Ela dizia, abrem-se aspas: “Ahora que te dan la ciudadania del estado que tu amas tanto estarás muy feliz y lleno de alegria. Te felicito, hijo. Tu mereces ser minero y que Dios te bendiga”. Fecham-se aspas.
Estimado Deputado Roberto Andrade, o senhor, que está no terceiro mandato consecutivo, é o melhor exemplo do que esta Casa é, a representação da população mineira com suas características essenciais: cordialidade, probidade, solidariedade e dedicação à coisa pública. Oriundo de Viçosa, cidade de outros grandes mineiros também e que frequentei na minha juventude por lá ter amigos, alguns aqui presentes, o senhor, que é titular de cartório e líder de sua classe, pois presidiu por 12 anos a Associação de Notários e Registradores de Minas Gerais e desempenha um papel importantíssimo nesta Casa, receba o meu muito-obrigado. Saiba que sempre me lembrarei de sua iniciativa e de seus colegas parlamentares pela generosidade deste ato.
Preparar-me para este momento me fez comemorar muitas coisas. Durante um almoço em 1972, ouvi meus pais conversando. Iríamos nos mudar para o Brasil, país de nascimento de meu pai, embora já houvesse perdido qualquer vínculo de brasilidade. Em julho de 1973, ele veio. Minha mãe, meus quatro irmãos e eu chegamos em janeiro de 1974. Inicialmente iríamos morar no Rio de Janeiro, depois em Minas, em Belo Horizonte. Ao final, fomos morar numa pequena cidade chamada Presidente Juscelino, também conhecida pelo seu nome original, Paraúna. A origem desse nome é o rio que corta a cidade.
Mudar de cidade não é fácil; mudar de estado também não. Muitos dos que estão aqui passaram por isso. Deixei meus amigos de infância – alguns estão assistindo a esta solenidade pelo YouTube –, deixei meus tios e primos queridos, vim parar em Minas Gerais, em Paraúna, onde meu pai foi trabalhar como médico, sua profissão. Minha descoberta de Minas se deu num pequeno município. Trocar Lima, à época com 3 milhões de habitantes, por uma cidade pequena na região central do Estado quando estava na adolescência foi muito impactante. Nadar no rio quase todos os dias, chupar manga no pé, descobrir que a árvore do quintal de casa que achava que dava uva roxa no tronco era, na realidade, uma jabuticabeira… Participar das festas juninas, ouvir os novos amigos falarem, em vez de “bom dia” ou “boa noite”, “bênção mãe” e “bênção pai”… Ouvir as pessoas dizerem “vou embora” quando saíam de algum lugar… Isso parecia ser um código secreto, porque, para mim, saíam sem se despedir. Ouvir “uai” sem entender o que significava, mesmo quando pedia insistentemente uma explicação, até descobrir naturalmente que uai é uai, uai…
Em Lima não chove, então ver chuva e raios e ouvir trovões era uma novidade. Sair à rua, eu e meus irmãos, para brincar na chuva, não apenas para ficarmos molhados, mas para sentir a chuva… São tantas coisas que, com o passar do tempo, ficaram comuns, mas se implantaram profundamente na minha alma.
Depois de Paraúna, mudamo-nos para Curvelo. Passei minha adolescência nessa querida cidade. Lá cursei o segundo grau no Colégio Padre Curvelo, onde tive professores muito importantes na minha formação. Tenho tantos amigos queridos em Curvelo – e muitos aqui presentes. Lá, juntamente com alguns desses amigos, fundamos a Associação de Pesquisas Ufológicas de Curvelo – Aspuc. Acreditávamos que faríamos contatos com seres extraterrestres, o que nunca aconteceu lamentavelmente ou talvez ainda bem.
Em Curvelo, lembro-me de meu pai tentando sintonizar alguma rádio do Peru. Isso não era possível porque havia uma cordilheira no meio do caminho. Hoje, graças à tecnologia, minha mãe está assistindo a esta solenidade de Lima; minha filha, da Espanha, onde está estudando temporariamente; meus irmãos, de Vitória, para onde minha família se mudou há mais de 40 anos; e minha irmã, desde Sete Lagoas.
Para mim, não foi difícil aprender a torcer pelo Cruzeiro, dos anos de 1970, sem esquecer meu time do coração: o Sporting Cristal.
Numa reunião festiva no apartamento do Prof. Marcelo Leonardo – e era aniversário de seu pai, o Prof. Jair Leonardo –, conversei com o Francelino Pereira, nascido no Piauí, ex-presidente do Caap – Centro Acadêmico Afonso Pena – e ex-governador de Minas Gerais. Ele me disse que havia duas maneiras de ser mineiro: nascer em Minas ou se amineirar.
Vejo nesta noite, aqui neste auditório, muitos mineiros que não nasceram em Minas. Acho que isso também ocorreu comigo. Perdoem-me a falta de modéstia, mas acho que me amineirei. Se não foi por merecimento, foi por antiguidade: moro neste estado há mais de meio século. Sem poder fugir do lugar-comum, preciso dizer que não é fácil conhecer Minas verdadeiramente. Para amineirar-se, é preciso tempo, mas não o tempo que é medido pelo relógio; é preciso viver aqui; é preciso sentir seus cheiros; entender seus códigos: os ditos e os não ditos; conversar e, principalmente, ouvir muito; descobrir seus sabores. É muito difícil entender Minas sem amar e sem ser amado por alguém de Minas. A música do Clube de Esquina, as memórias de Pedro Nava e as aventuras de Geraldo Viramundo, de Fernando Sabino, ou as Gerais, de Guimarães Rosa, não são sujeitas à tradução. Para entendê-las bem, é preciso ter Minas na alma.
De Curvelo, vim para Belo Horizonte determinado a estudar direito. Nessa fase, minha vida se iguala à de tantos outros jovens do interior que vêm para a capital do Estado para estudar, para descobrir o mundo e para, como se dizia, tentar ser alguém.
Não desconheço que uma das principais razões desta Casa do povo ao me conceder este valioso título é o fato de eu ser o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Portanto, preciso dizer o que significa para mim a velha Casa de Afonso Pena. Permaneço nela há 45 anos. Quem convive comigo sabe que as duas pessoas que mais admiro são Afonso Pena, mineiro de Santa Bárbara; e Francisco Mendes Pimentel, mineiro nascido na cidade do Rio de Janeiro, ambos ocupantes do cargo de diretor de nossa faculdade.
Permitam-me o registro de uma coincidência ou de uma simples curiosidade. A Faculdade de Direito foi instalada em Ouro Preto, em 1892. Uma das maiores dificuldades que enfrentou foi a financeira. Seu primeiro tesoureiro e pessoa da maior confiança do conselheiro Pena foi Emílio Chardon, como eu, nascido no Peru. Afonso Pena gostava e confiava tanto nele que, eleito presidente do Brasil, o levou para trabalhar na presidência da República.
Algumas poucas vezes me fiz uma pergunta: Como teria sido minha vida se não tivesse vindo para o Brasil e, especialmente, para Minas Gerais? Já disse: não há resposta possível. Como eu poderia saber? Ao chegar à maturidade, constato que gosto do ser humano que sou, do que me tornei. E sei que sou assim porque – relevem novamente a falta de modéstia – a alma mineira tomou conta de mim.
Sei disso pela enorme influência que tive de alguns mineiros: Afonso Pena, João Pinheiro, Francisco Mendes Pimentel, Mietta Santiago, Tancredo Neves, Pedro Nava, Fernando Sabino e, mais perto de mim, o Dr. Newton Gabriel Diniz, esse notável advogado de Curvelo; o Faiçal Amer Assrauy, promotor de justiça, com quem fiz estágio na graduação; os meus Profs. Jair Leonardo Lopes, Ariosvaldo de Campos Pires, Sidney Safe, Marcelo Leonardo e a Profa. Elza Miranda Afonso. Em algumas ocasiões, eu me senti, em relação a Minas Gerais e especialmente a seu povo, como aquele jovem tímido que pergunta mentalmente à sua amada: “Se te amo? O que tens com isso?”. Acho que as muitas atividades que desempenhei aqui permitem dizer que esse amor de alguma forma foi correspondido.
Integrei e integro algumas instituições que têm o nome do Estado, o que me dá uma grande honra. Isso, somado ao diploma que recebo hoje, transforma a minha relação com o Estado de Minas num vínculo indissolúvel, e quero crer no amor correspondido. Eu disse que já me indaguei sobre como seria a minha vida se eu não tivesse vindo para estas montanhas. Paradoxalmente hoje eu sei o que não teria sido se eu não tivesse vindo. Sei o que teria perdido, as pessoas que não teria conhecido, os fraternais amigos que não teria feito, os amores que não teria vivido e os professores e os alunos que não teria tido.
Aliás, cabe um profundo agradecimento a todos esses alunos e a todas as alunas que tive na Faculdade de Direito de Itaúna, na Faculdade Milton Campos, na PUC-Minas, na Academia de Polícia Militar e na UFMG. Para com cada um e com cada uma, tenho um débito que nunca conseguirei retribuir. Também devo fazer um registro de agradecimento à UFMG, em especial à nossa Vetusta Casa de Afonso Pena, da qual sou eterno devedor e na qual estou há 45 anos.
Depois do suporte de minha família, tudo o que construí, tudo o que fiz, todo o caminho profissional que percorri eu devo a essa instituição que tenho enorme honra de dirigir juntamente com a Profa. Mônica Sette Lopes. Procuro, como diretor da faculdade, aplicar o que aprendi em Minas: ser gentil, escutar, respeitar os posicionamentos de cada membro da comunidade, não atrapalhar nas atividades dos que querem atuar e, igualmente importante, exercer efetivamente a democracia. Por isso mesmo, sempre é tempo de rememorar a lição do conselheiro Afonso Pena no Manifesto aos Mineiros de 1893: “A beleza da democracia está em que nela ninguém pode tudo nem pode sempre”.
Vim para Belo Horizonte na ilusão de me formar em direito e de ser criminalista. Essencialmente sou isto: advogado criminalista e professor de direito penal. Isso só foi possível por causa da tensão, do cuidado, do compromisso e do afeto que recebi de meus professores cujos nomes já citei. Formado em direito, ingressei no mestrado e, pelas mãos do Dr. Jardir Silva, meu fraternal amigo, aqui presente, comecei a lecionar na Faculdade de Direito de Itaúna, a qual tem um lugar muito especial no meu coração. Comecei a advogar incipientemente, enfrentei todas as dificuldades dos que não têm parentes no meio jurídico. Aliás, eu não tinha sequer parentes em Belo Horizonte. Hoje eu tenho sobrinhos e sobrinhos-netos: o Samuel e a Raquel estão aqui. O que fiz foi caminhar pela profissão, respeitando a ética, a urbanidade e resguardando as suas prerrogativas.
Não quero me alongar; quero agradecer. Aqui vivo e aqui viverei sempre. Não conseguiria estar bem em outro lugar, não depois de conhecer, sentir, descobrir e viver Minas Gerais. Fui casado, por muitos anos, com a Profa. Wilba Lúcia Maia Bernardes, e tivemos uma filha que nos enche de orgulho, a Beatriz. Se não tenho antepassados nem sangue mineiro, tenho uma filha mineira. E o que poderia ser mais significativo do que isso como vínculo de amor com este estado? No outono da minha existência, encontrei minha amada Sirlei Maciel, que veio com a Júlia para me mostrar a leveza e a pureza da vida. Aqui, em Minas, tive muitas alegrias e tristezas. São tristezas que se misturam com grandes alegrias que experimentei. Refiro-me aos muitos amigos e às amigas que já partiram. Não vou citar seus nomes porque eu não conseguiria fazê-lo sem me emocionar em demasia. Cada um deles e cada uma delas me entregaram um pouco de seu afeto e mineiridade, e guardo eternamente o benfazejo dessa convivência.
Sou muito grato à vida pela oportunidade, melhor seria dizer pelo privilégio de haver conhecido as pessoas que conheci, os amigos e as amigas que fiz, as pessoas que amei, os lugares por onde andei. Sou grato por haver trabalhado nas instituições que me receberam. Há tanto, tanto a agradecer! Por isso encerro este pronunciamento dizendo três palavras muito significativas para mim: obrigado, meus conterrâneos!