Pronunciamentos

DEPUTADA BELLA GONÇALVES (PSOL)

Discurso

Critica Donald Trump e declara apoio à candidatura de Kamala Harris à Presidência dos Estados Unidos. Critica o baixo valor do acordo firmado com mineradoras para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem do Fundão, no Município de Mariana. Lamenta o descumprimento da Lei "Mar de Lama Nunca Mais".
Reunião 45ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 07/11/2024
Página 29, Coluna 1
Aparteante ANDRÉIA DE JESUS
Indexação
Normas citadas LEI nº 23291, de 2019

45ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 5/11/2024

Palavras da deputada Bella Gonçalves

A deputada Bella Gonçalves – Boa tarde, presidenta Leninha. Boa tarde a todos os deputados e a todas as deputadas desta Casa.

Eu quero falar é do Brasil, mas, antes disso, quero dizer também que os olhares do mundo hoje estão voltados para as eleições nos Estados Unidos. Por serem os Estados Unidos a nação imperialista que é e pela influência que esse país exerce sobre o mundo como um todo, os resultados dessas eleições estão, de fato, colocando o mundo em uma decisão entre a democracia e a barbárie. E Donald Trump representa hoje a tentativa de degradação do processo democrático, a barbárie e a guerra. Essa extrema direita, que defende o assassinato de crianças e ataques a hospitais cometidos pelo Estado genocida de Israel, precisa acabar. E eu não tenho a ilusão de que, com a vitória que esperamos que aconteça de Kamala Harris nos Estados Unidos, a gente vai conseguir ter algum caminho, alguma brecha para a discussão da democracia. Sem ilusões de que essa guerra vai acabar necessariamente pelas eleições americanas, porque a gente sabe que a postura dos Estados Unidos até hoje foi bastante negligente em relação ao genocídio do povo palestino. Mas é importante que a gente não avance na construção de governos autoritários com forte tendência de atacar o Sul Global, de xenofobia contra migrantes, de todo o mal que Donald Trump representa e que nós conseguimos extirpar aqui do Brasil, há alguns anos. A gente espera que hoje isso seja também afastado lá nos Estados Unidos.

Antes de prosseguir falando do Brasil e de uma questão muito central, que é o acordo de Mariana, eu concedo um aparte à deputada Andréia de Jesus.

A deputada Andréia de Jesus (em aparte) – Obrigada, deputada Bella Gonçalves. Cumprimento os deputados e as deputadas aqui presentes e a nossa presidenta Leninha.

Deputada Bella, indo ao encontro da sua fala, quero pedir, presidenta, que possamos enviar uma comanda para a Kamala Harris. É muito importante a gente ter uma mulher disputando a presidência da República. Ainda que os Estados Unidos não sejam um exemplo para o Brasil em nenhuma de suas candidaturas, a gente precisa fortalecer o papel das mulheres na política. Eu quero propor isso a esta Casa e acho que o melhor caminho é através do Plenário, para reconhecermos o papel importante que ela está cumprindo neste momento.

Quero agradecer a V. Exa. o aparte e dizer que, de fato, hoje é um dia importante também para falarmos do enfrentamento da mineração no Estado. Nós precisamos nos preocupar com o Brasil e, nesse sentido, termos a soberania, porque, enquanto a mineração estiver aqui mandando e desmandando, inclusive nesta Casa… Então a gente precisa se posicionar em Plenário para alcançar a soberania neste país. Obrigada.

A deputada Bella Gonçalves – É isso, é isso. Viva a Kamala Harris! E que a democracia possa prevalecer!

Bom, gente, nós estamos vivenciado o nono ano do maior crime socioambiental da história do Brasil, que aconteceu em função da mineração predatória de alteamento de barragens construídas a montante, com comunidades embaixo, e que causou à morte de 19 pessoas, a destruição do Rio Doce e das vidas daquela população que vive às margens do Rio Doce e depende dele. Isso aconteceu há nove anos e até hoje ninguém foi punido. Há nove anos isso ocorreu, e a gente ainda assiste à tentativa de construção de acordos de reparação que impõem formas de reparação e indenização individual às vítimas no valor de R$35.000,00 por pessoa. Ora, R$35.000,00 é menos do que o salário de um ministro do STF! STF, inclusive, que acaba de receber um recurso do Movimento dos Atingidos por Barragens, que questiona o acordo feito pelos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo junto ao governo federal e às empresas, desconsiderando a participação das comunidades atingidas. Não é possível restaurar o ecossistema da bacia sem os atingidos, não é possível reconstruir as cidades e reconstruir a economia daqueles municípios do entorno do Rio Doce sem o protagonismo das comunidades atingidas. É por isso que esse protagonismo não pode ser excluído de qualquer acordo.

Hoje, pela manhã, eu e o deputado Leleco estivemos em Mariana, junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens, para dizer sobre a importância e a valorização das organizações de atingidos e atingidas, porque são eles que conseguiram levar o processo à discussão em Londres; são eles que conseguiram avançar para que um acordo ainda pior do que esse, que estava sendo elaborado pelo governo Bolsonaro, não tenha sido firmado, e para que a gente agora tenha a perspectiva de alguma reparação que aconteça ao longo da bacia. Mas reparação não é só indenização, reparação não é só divisão de recursos entre atingidos, Estado e município. Reparação é construção de medidas para que aquilo nunca mais aconteça; para que um crime, como aconteceu em Mariana e como aconteceu em Brumadinho, nunca mais aconteça.

Uma das grandes conquistas desta Casa legislativa e da população de Minas Gerais foi a Lei Mar de Lama Nunca Mais. Eu queria falar sobre essa lei hoje, nove anos depois do crime da Vale em Mariana. A Lei Mar de Lama Nunca Mais hoje vem sendo absolutamente desestruturada. Os prazos para descomissionamento de barragens de rejeito estão sendo descumpridos, postergados; novos termos de ajuste de conduta são sistematicamente feitos sem que haja um freio para a mineração.

Nós temos hoje um dos aspectos centrais da Lei Mar de Lama Nunca Mais, que é a caução ambiental, pendente de regulamentação. No ano passado, eu e a deputada Beatriz Cerqueira fizemos uma audiência sobre a regulamentação da caução ambiental, e tivemos a surpresa de ter a nossa audiência praticamente ocupada pela Fiemg, que tentou impedir o debate. O debate da implementação da caução ambiental, que é uma forma de garantir que haja um fundo para uma reparação imediata em caso de crimes socioambientais de grandes proporções, como já aconteceram, mas que acontecem em menores proporções quase todos os meses, no nosso estado. A desregulamentação da caução ambiental, a desregulamentação dos prazos para descomissionamento de barragens são um escárnio, mas pior do que isso é a utilização da lei, muitas vezes, para impor mais terrorismo de barragens para as comunidades que estão próximas das áreas atingidas.

E hoje eu quero trazer aqui o exemplo de Conceição do Mato Dentro. Duas mil famílias, em Conceição do Mato, terão que ser removidas das suas propriedades, onde vivem de forma ancestral. Estavam lá seus avós, seus bisavós, suas criações. Elas terão que ser removidas em função de estarem embaixo de uma enorme barragem de rejeito da empresa Anglo American. O processo foi levado à mediação e à composição de interesses no Compor do Ministério Público, mas a Anglo vem pressionando para que, ainda agora, no mês de novembro – e queria que fosse hoje inclusive, no dia do crime –, fosse firmado um acordo, de qualquer jeito, com as famílias. Não é possível acordo de qualquer jeito. Se as famílias estão lá 100, 200, 300 anos, é preciso tempo e escuta, participação efetiva, para que elas construam uma alternativa de reassentamento digno. O ideal inclusive era a barragem sair de lá, e não as pessoas saírem de lá.

Por falar nisso, a pressa da Anglo tem a ver com outro pedido com o qual ela já entrou dentro da Secretaria de Meio Ambiente: o pedido de ampliação dessa barragem; o pedido de alteamento a montante, de ampliação do alteamento de uma barragem que está feita a montante. Ora, a Lei Mar de Lama Nunca Mais proíbe expressamente a ampliação de barragens de rejeito a montante ou a construção de novas barragens, que são bombas-relógio. Agora a empresa quer condicionar a garantia do direito das comunidades ao reassentamento à tentativa de impor ao governo a aprovação da ampliação da barragem de rejeito a montante. Isso faria com que, para além das duas mil famílias atingidas em Conceição do Mato Dentro, mais comunidades fossem atingidas pela ampliação da mancha de inundação, que chegaria à Zona de Autossalvamento até o Município do Serro, onde mais uma comunidade teria que ser removida. Isso é uma covardia. Nove anos depois, nós vemos Estado de Minas Gerais, sistema de justiça e empresas operarem juntos para desconstruir uma lei que esta Assembleia fez para evitar que a reparação signifique a não repetição de crimes e desastres.

O alteamento a montante da barragem de rejeito e sua ampliação em Conceição do Mato Dentro é um verdadeiro tapa na cara da sociedade mineira que assistiu, há nove anos, ao maior crime socioambiental da história. Nós estamos firmes na defesa das famílias de Conceição do Mato Dentro e a impedir que a Semad conceda essa autorização absurda, que representa a violação de uma lei feita pela Assembleia Legislativa. E nós estamos firmes também na luta para garantir que o acordo de Mariana permita, ainda que de forma tardia, a participação das comunidades atingidas e a revisão dos valores, especialmente no diz respeito às indenizações individuais. É importante que crimes como esse não se repitam, mas, para isso, pessoas têm que ser presas, pessoas têm que ser punidas, empresas têm que pagar o justo, e não o que querem. É isso que eu queria trazer aqui hoje: justiça para Mariana, justiça para Brumadinho, justiça para os atingidos pela mineração.

O presidente (deputado Doutor Jean Freire) – Muito obrigado, deputada Bella. Com a palavra, para seu pronunciamento, o deputado Betão.