Pronunciamentos

DEPUTADO CRISTIANO SILVEIRA (PT)

Discurso

Comenta o transcurso do Dia do Orgulho Autista. Destaca os avanços recentes na legislação para garantir os direitos das pessoas com transtorno do espectro autista - TEA -, e ressalta desafios a serem superados.
Reunião 27ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 20/06/2024
Página 155, Coluna 1
Indexação

27ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 18/6/2024

Palavras do deputado Cristiano Silveira

O deputado Cristiano Silveira – Sra. Presidenta, nobres colegas, público que nos acompanha. Presidenta, hoje eu queria fazer uma fala em especial para a nossa comunidade autista. Eu sei que muitos aqui podem até estar cansados de me ouvir falar sobre essa pauta, essa luta, mas realmente a gente tem feito um esforço muito grande para tirar os autistas da invisibilidade. Isso não quer dizer que eu me preocupe somente com as pessoas com TEA. Nós nos preocupamos com todas as pessoas com deficiências, com transtornos do neurodesenvolvimento, mas a grande questão é que é constatado que, dentro do universo de pessoas invisibilizadas, os autistas, por não terem uma característica que os identifique visualmente, talvez sejam os mais invisibilizados.

Quando eu falo de autismo, qual a primeira coisa que vem à mente? Qual a imagem de um autista que vem à mente das pessoas? É a de uma criança ou a de um adolescente. Dificilmente, quando eu falar de autista, vai vir à mente das pessoas a imagem de um adulto, e eles existem, são milhões entre nós. A grande questão é que agora nós temos diagnóstico, o que não acontecia no passado. A ciência avançou de forma a desenvolver técnicas científicas que conseguem hoje fechar o diagnóstico dos autistas para os adultos, hoje o chamado diagnóstico tardio, que é quando ele percebe que algo não está correto, que há algo diferente e se sugere que se faça uma investigação. Dito isso, quando muitos desses adultos procuram o profissional para investigar o que acontece, o que ocorre, em boa parte dos casos, vem o diagnóstico de algum nível do transtorno do nível de suporte, do transtorno do espectro autista.

Então, como agora o CDC, um instituto importante, está preconizando que, a cada 36 pessoas, 1 poderá ter algum nível do transtorno do espectro autista, a grande pergunta que nós temos feito é esta: como nós estamos nos preparando para essa nova realidade da sociedade, desse novo momento? É claro que temos avançado, temos tido vitórias importantes nessa luta. Desde lá atrás, quando nós começamos toda essa caminhada, tivemos a oportunidade de apresentar o projeto de lei que falava do atendimento prioritário para os autistas, uma vez que os autistas precisam também de um atendimento prioritário porque muitas dessas pessoas podem ser acometidas por crises, têm dificuldades, às vezes, com ambiente que tem muita gente; têm dificuldade, às vezes, com barulho. Então é necessário que haja uma celeridade para esse tipo de atendimento.

Dessa maneira, nós apresentamos aqui o projeto de lei que tratava desse atendimento prioritário. Não foi uma missão fácil, porque muita gente dizia o seguinte: “Mas o autista já tem direito ao atendimento prioritário, porque ele é sujeito de direito, como está preconizado na Lei Berenice Piana, de 2012”. Mas veja: nas placas indicativas, você não tinha o símbolo do autismo. Você tinha ali um símbolo que remetia à gestante, um símbolo que remetia ao idoso, um símbolo que remetia à mobilidade reduzida, mas não havia ali o símbolo indicativo para os autistas. Isso foi muito importante, graças a Deus a gente teve uma adesão muito positiva. Aqui em Belo Horizonte, por exemplo, quem frequenta os supermercados, shoppings centers, laboratórios, aeroportos sabe que hoje já está bem pacificado esse tipo de atendimento.

Tivemos a oportunidade também de apresentar o plano estadual de atendimento ao autista, que foi aprovado em dois turnos, e que, na sexta-feira retrasada, foi sancionado pelo governo. Um avanço importante, mas somente a sanção não é suficiente para garantir o direito, para garantir o atendimento, para garantir o laudo, para garantir as terapias e os tratamentos, para garantir a educação de fato, para garantir o acesso ao mercado de trabalho – somente a sanção não será suficiente. Eu chamo os colegas parlamentares que estiveram conosco nessa luta, desde a derrubada do veto do governador no PPAG, quando queríamos prever a criação dos centros regionais e que, de novo, estão previstos no plano estadual que foi sancionado, para continuarmos nesse movimento de unidade, de solidariedade e de empatia para que essa lei seja, de fato, implementada.

É notório que, no Brasil, existem as chamadas leis que pegam e as leis que não pegam. É a partir do movimento da sociedade, do tensionamento do tecido social e também da atuação firme dos nossos parlamentos que a gente consegue avançar e garantir a implementação efetiva. Esta Casa tem uma frente parlamentar em defesa dos autistas, e vários parlamentares a subscrevem, de todos os partidos, da oposição até a base do governo. É fundamental que os membros da nossa frente parlamentar atuem para que o projeto seja, de fato, implementado, concretizado materializado, para fazermos isso para a nossa sociedade.

Eu registro que, além dessa vitória – outras nós tivemos também ao longo de todo esse caminhar… Vou lembrar que, no mandato passado, uma discussão que tomou conta do Parlamento brasileiro, do Supremo Tribunal Federal, era a discussão sobre rol taxativo e rol exemplificativo dos planos de saúde. O chamado rol taxativo era aquele que não dava margem para que as pessoas pudessem questionar na Justiça a falta de cobertura dos planos de tratamento, as terapias e as especialidades médicas. Conseguimos fazer com que o Congresso aprovasse que o rol seria exemplificativo, permitindo assim os questionamentos, inclusive, na Justiça. Ao final daquele ano, tivemos também uma mudança importante pela ANS, que foi determinar que os planos não poderiam limitar sessões de tratamentos e terapias, como terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicologia, para as pessoas que tinham essa prescrição pelo médico. Agora, é claro, a luta virou outra; a luta agora é com os planos de saúde, que começam a fazer desligamento unilateral dos seus usuários, dizendo que os autistas estão acarretando prejuízo para eles, o que, nós sabemos, é um ato ilegal que está sendo cometido pelos planos. Medidas estão sendo tomadas, e a própria Agência Nacional de Saúde Suplementar tem tratado também desse assunto.

A inclusão na carteira de identidade – inclusive nós temos aqui um projeto de lei que trata sobre isso. Posteriormente, o governo federal tomou uma decisão importante, no Ministério da Justiça: que na carteira de identidade, no RG, passasse a constar, nas suas descrições, informações a respeito da deficiência das pessoas, inclusive o símbolo do autismo. Levei meu filho recentemente para fazer a carteira de identidade, e ali constou o símbolo, a partir da apresentação do laudo. Isso é fundamental, porque, quando nós pensamos aqui o projeto de lei, era para que nós tivéssemos mais um instrumento, mais um documento oficial que ajudasse nessa identificação para fins de garantia de direito e para a própria segurança dos autistas. Pensem vocês uma determinada situação, um cenário: uma abordagem policial.

Um sujeito com autismo pode entrar em crise, desobedecer aos comandos da autoridade policial. Se a autoridade policial não tiver informações de que se trata de um sujeito com transtorno de neurodesenvolvimento, com uma deficiência intelectual, com autismo, poderá agir de forma violenta e, assim, ocorreria uma tragédia. Quanto mais informação, e abro um parêntese para dizer que a formação continuada dos agentes de segurança, que vai desde as guardas municipais até as Polícias Militar, Civil, agente penitenciário, bombeiros, é fundamental para que haja também o tratamento adequado para a população autista que precisa desse olhar em especial.

Então, quando propusemos esse projeto, foi nessa toada. Graças a Deus, parece que tivemos uma sensibilidade por parte do governo federal, do Ministério da Justiça, que preconizou isso para o novo documento, a nova carteira de identidade em todo o nosso país. Isso se soma ao Ciptea, aos laudos, ao cordão de geração como instrumento auxiliar de identificação de deficiências ocultas. Então tivemos avanços em tudo isso que estamos falando. A Lei Brasileira de Inclusão foi um avanço, a lei de 2008, que tratava também da inclusão na educação foi um avanço, a Lei Berenice Piana foi outro avanço. Mas longe de nós dizermos aqui que estamos numa situação confortável, de que a lei já é cumprida de maneira plena, em todo o seu conjunto, daquilo que é direito e de que já temos as legislações suficientes para garantir esse tipo de inclusão.

Quero aqui falar de situações que têm nos preocupado. Olha, a falta de professor de apoio e profissionais qualificados no atendimento aos autistas no sentido da educação fazem os casos de violência se tornarem cada vez mais comuns. Infelizmente, os autistas estudantes são, na sua grande maioria, vítimas de violência, de preconceito, de bullying no ambiente escolar, infelizmente. E não é um, nem dois nem três casos de violência que são cometidas a essa população. Recentemente, tivemos denúncias de agressão a aluno autista pela professora numa escola estadual em Ribeirão das Neves, deputada Andréia. Tivemos em Ouro Branco uma criança em TDAH que também foi agredida por uma professora. Tivemos ontem uma denúncia de agressão de uma criança autista na cidade de Piranga. A mais grave ocorreu no dia de hoje, justamente no Dia do Orgulho Autista, que uma criança autista agrediu a facadas colegas na escola municipal em Belo Horizonte porque não havia profissionais por perto, porque não houve acompanhamento, suporte necessário ao autista que lá estava. Parece-me que, além de autismo, tinha também transtornos mentais. São informações da imprensa, e é claro que precisamos de apurar, mas são informações preliminares.

Esse público não pode ficar sozinho. É importante que tanto o acompanhante quanto o professor de apoio se façam presentes o tempo necessário, suficiente para que isso não ocorra. Lamento o que ocorreu com as vítimas. Deixo aqui a nossa solidariedade a famílias das vítimas, mas, infelizmente, foi cometido por alguém que precisava de suporte, precisava de apoio. Temos de discutir a formação adequada dos nossos professores de apoio para que eles consigam dar o apoio, o suporte necessário para esses autistas. Temos de discutir o que está preconizado na lei, que um professor poderá cuidar de até três autistas. Olha, se estamos falando de um nível de suporte severo, professora Beatriz, não é possível, às vezes, que um cuide de três. Se eles forem de suporte 3, que é o nível de suporte severo, não é suficiente, ele não dá conta, não terá como desenvolver um bom trabalho para o suporte desses autistas. Então isso precisa também ser revisto. Não podemos somente condenar o profissional, porque ele, às vezes, não teve as condições adequadas para prestar o serviço necessário como está preconizado na lei. Aí cabe ao Estado fazer essa avaliação e propor a política adequada, propor o parâmetro adequado. Então a gente precisa também trazer essa reflexão.

O tipo de formação oferecido será que coaduna com a necessidade dos autistas, das pessoas com deficiências intelectuais? A formação precisa estar adequada para que isso ocorra, porque, senão, vamos falar o seguinte: temos educação inclusiva porque garantimos a matrícula; a educação é inclusiva por estar garantida a presença em sala de aula, mas, se o percurso formativo, a didática, a pedagogia não forem adequados, ele não vai conseguir cumprir minimamente o chamado percurso formativo-pedagógico para dizer que ocorreu inclusão de fato. Então, qual é a técnica, qual é a metodologia, qual é o conteúdo que estão sendo oferecidos na formação dos profissionais?

Muitas vezes, a gente fala da educação inclusiva – ela falava muito da limitação das deficiências físicas –, tanto que a gente fala da figura do profissional de apoio e do professor de apoio, mas, para o autista, o profissional de apoio não resolve, porque, às vezes, ele vai servir como um instrumento para o enfrentamento de obstáculos de barreiras físicas. No caso das barreiras que tratam das dificuldades intelectuais, temos que falar do professor de apoio com habilitação e formação adequadas, inclusive para pessoas com transtorno de neurodesenvolvimento, as chamadas deficiências intelectuais. Então é isso com que o Estado tem que se ocupar e é isso que o Estado tem que dizer!

Eu fiz uma anotação para que não me esquecesse. Nós já falamos de escolas que ainda estão sem professor de apoio, e eu tive denúncia de vários pais de que alunos eram matriculados no Estado, iniciava-se o ano letivo, e, dois, três meses depois, ainda não havia sido designado o professor de apoio. Vejam que hiato e que prejuízo no processo da formação adequada! Então o Estado precisa se antever a partir do que ele já tem matriculado – a informação está prestada – e a partir do público que ele vai atender. Assim, ele já pode se antever e se preparar, de maneira adequada, para garantir a presença do professor de apoio. E, repito, tem que rever o parâmetro, porque não se trata de número: “O adequado é um professor para três alunos ou um professor para cinco alunos”. Isso é relativo e depende do nível de suporte que esses três, esses quatro ou esses cinco têm! Então, se o nível de suporte é severo, é necessário mais profissionais para poder atender em salas de aula.

Eu quero encerrar dizendo o seguinte: o sistema que nós propomos e aprovamos aqui vem justamente responder um pouco essas questões. E aí, quando eu digo que o governo tem que implementar de fato, não basta somente o governador ir lá e assinar o projeto. Se ele não ler o que está no escopo do projeto e trabalhar para que ele seja efetivamente implementado, não haverá inclusão concreta; a inclusão continuará ficando somente no campo dos nossos discursos, dos nossos desejos. Então eu repito e insisto em que a gente possa trabalhar!

Justamente hoje, no Dia do Orgulho Autista, não há muito o que comemorar. Reconheço alguns avanços, mas reafirmo, em cima das informações recentes de violências e dificuldades enfrentadas, em especial em ambientes escolares, a ausência do atendimento da oferta de terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo para tratar a questão da fala da linguagem, de neuropediatra, que é um profissional de difícil acesso, mesmo em Belo Horizonte, porque as famílias que precisam da rede pública não conseguem consulta com este especialista. A consulta é agendada meses depois, e ainda não fecham o diagnóstico e, quando fecham, não se consegue terapia, não se consegue fonoaudiólogo nem psicólogo comportamental. Às vezes, não se tem acesso aos medicamentos recomendados e prescritos para tratar casos mais severos dos quadros de autismo. Então temos muito que caminhar! Temos muito! O Dia do Orgulho Autista é um dia de chamado para a necessidade do avanço nesta agenda, para que a inclusão, em Minas Gerais, seja verdadeira e não somente no campo das nossas falas e dos nossos discursos.

Eu agradeço, presidenta, e faço um chamado a todos os parlamentares que têm se somado: muitos são autores de projetos de lei e vários têm feito eventos e atividades, mas, se não fizermos com que, hoje, uma das principais matérias legislativas que se transformou em norma legal não seja efetivamente implementada… Honestamente temos aí discursos de solidariedade e empatia, mas pouca ação prática e concreta. Obrigado.