Pronunciamentos

SR. FELIPE MARTINS PINTO, Presidente da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil

Discurso

Agradece a homenagem feita à Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil pela sua relevância histórica no desenvolvimento da República e do Estado Democrático de Direito e pela sua missão institucional de guardiã da cultura jurídica nacional.
Reunião 16ª reunião ESPECIAL
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 24/04/2024
Página 25, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas RQN 6225 de 2024

16ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 22/4/2024

Palavras do Sr. Felipe Martins Pinto

Gostaria de desejar uma ótima noite a todas as pessoas que compareceram e prestigiaram esta cerimônia em homenagem a Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil.

Eminente Presidente João Magalhães, peço desculpas por quebrar o protocolo, mas não me sentiria coerente com os meus sentimentos, caso não iniciasse a saudação pela Exma. Deputada estadual, Maria Clara Marra, não apenas por ser a autora do requerimento que germinou esta honrosa cerimônia, não apenas pelo sacrifício em sua agenda de compromissos para se fazer presente nesta reunião, não apenas por ser colega da UFMG e colega de profissão, mas por tudo isso e principalmente pelo trabalho genuíno em prol de Minas e por ser um farol para tantas outras jovens mulheres para que busquem ocupar sempre e cada vez mais postos de liderança; Exmo. Sr. Deputado líder do Governo na Assembleia, deputado João Magalhães, representante do presidente da Assembleia; Magnífica magnífica Sandra Regina Goulart Almeida: o primeiro, pronome de tratamento; o segundo, um adjetivo; meu amigo, Exmo. Sr. Desembargador Federal Grégore de Moura, que tanto dignifica o quinto constitucional à frente do queridíssimo TRF6, tão desejado pela comunidade jurídica de Minas, que empreende tantos projetos à frente da escola judicial do Tribunal; eminente presidente do egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que faz uma gestão tão dialogada, aberta, ciente dos deveres de homem público, mas disposto a uma construção sempre coletiva, conselheiro Gilberto Diniz.

Muito obrigado pela presença, Exmo. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral, que também integra uma das categorias pela qual posso dizer que deposito a maior admiração, que é a Defensoria Pública, onde comecei como estagiário e fiquei por tanto tempo, Juiz Marcos Lourenço Capanema. Agradeço também ao caro colega, advogado e vereador Sérgio Fernando Pinho Tavares e à Ilma. delegada-geral de Polícia Civil, Maria Alice Faria. Gostaria de fazer uma expressa menção a meus colegas de diretoria da federação, vice-presidente Tarcísio Kroetz e diretor secretário Flávio Buonaduce Borges, que, com tanto empenho, tem se dedicado à causa dos institutos e agora à causa da federação. Com tantas autoridades presentes, gostaria de dirigir uma saudação especial a três, que podem muito bem representar tantas e tantos que aqui nos prestigiam. Uma saudação à queridíssima Profa. Misabel Derzi, que comparece, neste ato, representando o nosso presidente e amigo Beto Simonetti, líder da advocacia como presidente do Conselho Federal. Muito obrigado, professora. Quero saudar o diretor executivo da Record, Paulo Batista, por ser um apoiador dos projetos e entusiasta das discussões jurídicas. Saúdo ele e toda a sua equipe. Uma saudação especial à minha esposa, e, juntamente a ela, aos meus alunos.

Pode parecer estranho, mas é muito bom, quando se trabalha com o que se ama, a ponto de incluirmos os alunos na família, como uma forma de mostrar o quão dignificante é, para mim, conviver com as gerações mais jovens. Em algumas oportunidades, inclusive, eu levo meus filhos ainda pequenos a eventos, e houve um especial, do qual perguntei para o meu filho se ele tinha gostado, e ele me respondeu: "Eu gostei até os discursos" e completou: "Poderiam ter dito que Minas é importante, que Minas é muito legal, boa tarde e tchau", e eu levei um pouco a sério o que eu ouvi, porque, na evolução da gerações, eu identifico um desafiador convite a buscarmos harmonizar os valores da tradição com os anseios contemporâneos cada vez mais dinâmicos das gerações que se sucedem. Não ignoro, ao contrário, tento me manter atento à necessidade de uma permanente atualização de métodos e formas, e por isso eu levei a sério a fala.

Mas a reflexão que precedeu à elaboração desse discurso acabou me levando para terrenos mais íngremes. A posse da diretoria que integro coincide com os 35 anos da nossa Constituição, coincide com os 40 anos da reforma da parte geral do Código Penal de 1984, com os 40 anos da Lei de Execução Penal e também com os 80 anos da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Percebam que não utilizei nenhuma palavra que permitisse um juízo de valor como celebração e não fiz, diante de um dilema interno que obnubila perceber o sentimento que me desperta quando me refiro a cada uma dessas datas marcantes. Qual seria esse dilema? Por um lado, enxergamos uma evolução lenta e não linear do direito no Brasil, por outro, o presente desvela um cenário de crescentes inseguranças que, uma vez mantidas, podem edificar o cadafalso da nossa incipiente democracia.

Lamentavelmente, e nunca vou me habituar, temos convivido com discursos proferidos com a clara ambição de se capturar a essência da moralidade, como se aqueles que o proferem detivessem o seu monopólio. Temos visto, a um só tempo, esvaziar-se a tolerância e o diálogo. E o mais grave não é a convivência com esse discurso que tem permeado a nossa sociedade, contaminado a relações. Mais grave é a transposição dessa tentativa de definição e hierarquização de valores morais como fio condutor dos atos de poder, uma clara subversão da essência de um Estado de Direito, pois, em matéria de exercício de poder, quando a moral se sobrepõe ao legal, se esvazia a segurança jurídica e a previsibilidade, máxime se essa inversão vier habitar o Poder Judiciário. Temos de estar atentos, vigilantes. Muito se observa e muito se ouve falar em democracia. Democracia não é fim, democracia é meio. É o meio mais legítimo para alcançarmos a realização de atos de poder que respeitem as liberdades, mas é meio a utilização retórica da palavra democracia ou de expressões como direitos humanos com o propósito de esvaziamento de direitos fundamentais, é o comprometimento decisivo da própria proposta de democracia.

Volto ao dilema com o sentimento de nutrir em razão de anos marcantes de legislações significativas para o nosso ordenamento. Por que a dificuldade em celebrar 35 da Constituição ou 40 da LEP ou 40 anos da reforma do Código Penal ou 80 anos da CLT e tantas outras legislações? Talvez o motivo possa se depositar no fato de que em nosso país há uma excessiva expectativa no poder de transformação gerada a partir da singela entrada em vigor de uma lei e, como ingênua consequência, toda falha ou desvio na aplicação do direito é atribuída a uma falha na legislação.

Em 22 anos, de 2002 a 2024, houve 112 leis que alteraram ou o direito penal ou o processo penal, ou foram leis que criaram ou alteraram a legislação penal especial - 112, em 22 anos. Impressiona o fato de que, ao longo de 22 anos, tanto os argumentos daqueles que defendem a necessidade de aprimoramento da esfera criminal, em sintonia com o modelo democrático e com os direitos humanos, quanto os argumentos daqueles que entendem que as ciências criminais precisam aumentar o rigor para reduzir a violência e a criminalidade, tanto um lado quanto o outro mantêm a mesma narrativa, ano após ano, apesar de 112 leis. Precisamos nos esforçar para fugir do cinismo, resgatar esperanças adormecidas e unir forças, para compreendermos a necessidade real de transformação, porque democracia não se constrói por leis. Democracia é fruto de cultura, da mesma forma que direitos humanos são fruto de cultura.

Temos o hábito de vincular cultura a simples manifestações artísticas - minha esposa fez um sinal de relógio, eu já estou concluindo -, desconsiderando a relevância que a cultura tem na constituição da identidade, na formação do sujeito, na construção de um modo de vida, de conjunto de saberes, crenças e hábitos. A cultura viabiliza a formação de uma comunidade, seja local, seja global, e permite que essa comunidade seja coesa e tenha seus valores de distinção.

Nesse contexto, a Federação Nacional dos Institutos adquire uma atribuição análoga ao papel almejado por Dom Pedro II, ao criar, em 1843, o primeiro Instituto dos Advogados no Brasil, o hoje tradicional IAB. Dom Pedro II, poucos anos após a declaração da Independência do Brasil, estava ciente da necessidade de organização jurídico-política do País. As circunstâncias mudaram, mas a ambição parece ter silhueta semelhante, não na confecção formal de um ordenamento jurídico, mas na construção de uma cultura geral e jurídica adequadas a um país com compromisso democrático.

Na condição de presidente da federação, nós, que temos recebido um espaço qualificado de diálogo e atuação com os poderes, especialmente com as Casas Legislativas, gostaríamos de agradecer a homenagem e reiterar a inteira disponibilidade para que possamos contribuir para o fomento da cultura democrática, a qualificação da aplicação do direito e a construção de uma sociedade mais justa e humana. Muito obrigado.